Fundação Iberê Camargo projeta sair de crise que se arrasta há quatro anos

Leilão com obras doadas levantou R$ 2,4 milhões para pagar as dívidas acumuladas

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Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre Marcelo Curia/Folhapress

Porto Alegre

Quem visitou a Fundação Iberê Camargo em algum momento dos últimos dois anos e meio encontrou um cenário desolador. 

Com um calendário esparso de exposições, o museu, localizado às margens do rio Guaíba, em Porto Alegre, parecia receber um público mais interessado em tomar chimarrão observando o pôr do sol a partir de seu pátio externo, com vista privilegiada para a cidade, do que em visitar as (inexpressivas) mostras em cartaz.

Mas este quadro, resultado de uma grave crise que começou em 2015 e, entre outras coisas, fez com que a instituição passasse a abrir para o público somente aos sábados e domingos à tarde, finalmente dá sinais de mudança.

O principal responsável pela renovação é Emilio Kalil, que assumiu como superintendente do museu em maio de 2018, após passagem pela Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro e pela presidência da Cidade das Artes, também no Rio.

O gestor gaúcho vem tomando uma série de medidas que devem fazer o museu “retomar o calendário normal de uma instituição cultural”, diz, em conversa com este repórter na sede do museu, adiantando que o local volta a funcionar de quarta a domingo, a partir do dia 10 de abril.

Sua primeira atitude foi organizar um jantar para angariar fundos, em novembro do ano passado, em Porto Alegre. O evento, que também contou com um leilão no qual foram vendidas obras doadas por artistas como Nuno Ramos, Vik Muniz, Iole de Freitas e Cildo Meireles, reuniu 730 pessoas e captou R$ 2,4 milhões. A verba está sendo usada para sanar dívidas acumuladas nos últimos anos.

Em razão do sucesso do "fundraising", Kalil diz que, naquele momento, percebeu que as pessoas “tinham um carinho” pelo museu e queriam contribuir para a sua manutenção. “A venda de lugares [no jantar] não foi feita pela Fundação, e sim por um grupo de senhoras porto-alegrenses, que comercializou 60% das vagas nos primeiros quatro dias”, afirma. 

A segunda medida foi elaborar um cronograma de exposições para 2019 com nomes de peso. Até o dia 31, está em cartaz uma mostra individual da pintora britânica Cecily Brown (a mesma que esteve no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo) e, até 21 de abril, uma coletiva de gravuras inéditas produzidas por artistas mais e menos conhecidos que frequentaram o ateliê de gravuras da instituição.
 

Em setembro, como parte da exposição de Daniel Senise, uma instalação tomará praticamente todo o vão central do museu, descendo a partir do terceiro andar. É uma obra composta por dois grandes conjuntos de lençóis, exibida anteriormente uma única vez, na Casa França Brasil, no Rio. Em maio, o museu recebe a aranha de Louise Bourgeois, pertencente ao MAM de São Paulo e que agora viaja pelo país; em outubro, será a vez de uma individual de Vik Muniz.

Ainda sem data estão programadas uma individual do escultor paulistano Artur Lescher e outra do carioca José Bechara. Em paralelo, haverá quatro mostras do próprio Iberê Camargo, sendo a primeira um recorte de obras que envolvem o parque da Redenção, em Porto Alegre, local que inspirou sua famosa série de pinturas de ciclistas.

Por fim, Kalil vai criar este ano um departamento de arquitetura, design e moda, já que “ficar dedicado eternamente a Iberê e seus seguidores esgota”, afirma. Arquitetura por causa do prédio, cujo projeto do português Álvaro Siza foi premiado com o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2002; design porque Siza desenhou boa parte do mobiliário do escritório da instituição e moda porque é um assunto pelo qual se encanta, diz, completando que Iberê Camargo chegou a pintar vestidos.

O orçamento previsto para o ano é entre R$ 8 milhões e R$ 9 milhões. Kalil afirma que já tem 80% deste valor pré-acordado com patrocinadores, que investirão o dinheiro via Lei Rouanet. O restante virá de patrocínios diretos e do novo clube de patronos do museu, cuja cota máxima chega a R$ 4.200 mensais.

O longo inverno da instituição, inaugurada com pompa há pouco mais de dez anos, se arrasta desde 2015. Naquele ano, seu principal patrocinador e mentor do projeto, o grupo Gerdau, diminuiu o montante investido de R$ 4 milhões (em 2013) para menos de R$ 50 mil.

Em 2016, vieram os cortes. O museu demitiu funcionários, enxugou drasticamente a programação, eliminou os programas de bolsas para artistas, suspendeu o projeto de catalogação da obra de Iberê Camargo e passou a abrir somente nos finais de semana. 

“Essa Fundação se afastou da comunidade, ficou aqui ilhada neste belo palácio e esqueceu Porto Alegre, que está ali, do outro lado. A Fundação também se comportou como sendo superior, e uma parte dessa crise é em função disso”, argumenta Kalil. “Se uma casa que nem essa não trabalha com a comunidade, ela não tem nem razão de existir”, conclui.

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