Maior feira de arte em Nova York espanta crise com Carnaval de cores

Armory monta um bazar com obras para o jet-set ir às compras e bebericar tacinhas de champanhe

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"Plastic Bags", de Pascale Marthine Tayou Timothy A. Clary/AFP

Nova York

Os termômetros marcando uns tantos dígitos abaixo de zero neste fim de inverno e a ameaça de desabamento de um dos píeres onde acontece a feira deram o climão da abertura da Armory.

Mais tradicional dos eventos de arte em Nova York, a feira que ocupa as antigas docas sobre o rio Hudson no lado oeste de Manhattan celebra neste ano um quarto de século desde que monta um grande bazar de obras para o jet-set ir às compras e bebericar tacinhas de champanhe.

Mas o aniversário chega azedo –a Volta, a feira satélite da Armory que ocupa um píer vizinho, teve de ser cancelada às pressas para que as 198 galerias do evento-mãe pudessem se encaixar no endereço–, vindo no rastro de um escândalo de dois anos atrás.

Num dos primeiros episódios da era #MeToo a se manifestar no mundinho da arte contemporânea, seu ex-diretor, Ben Genocchio, foi demitido em meio a acusações de assédio sexual e uma mulher, Nicole Berry, tomou seu lugar.

Sob comando feminino, a feira ensaiou um retorno à ordem –isso até as autoridades portuárias decretarem que a estrutura dos píeres não aguentariam o tropel de visitantes faltando pouquíssimas  semanas para o evento. Remando contra a maré de más notícias, no entanto, as principais galerias da feira espremidas nos píeres que sobraram parecem ter orquestrado um baile ultracolorido.

Os colecionadores brasileiros que chegavam ao JFK vindo direto do fervo do Carnaval carioca e paulistano pareciam espantados de ver obras que não fariam feio nos carros alegóricos da Sapucaí.

Sadie Barnette, jovem artista da galeria Charlie James, de Los Angeles, montou uma espécie de lounge com sofás e caixas de som cobertos de glitter rosa-choque sobre um carpete no mesmo tom berrante.

O camaronês Pascale Marthine Tayou, representado no Brasil pela galeria A Gentil Carioca, do Rio de Janeiro, construiu um furacão de saquinhos plásticos coloridos no meio de um dos corredores.

Virginia Chihota, jovem artista zimbuabuana alçada ao radar dos poderosos pela Tiwani Contemporary, de Londres, também mostrava explosões de cor sobre suas telas.

Mesmo medalhões, como Ai Weiwei, artista chinês com status de rockstar, aderiram ao plástico fantástico de tons escalafobéticos, refazendo as famosas cabeças dos animais do zodíaco chinês que ele já havia forjado em bronze agora com peças de Lego cor néon.

Vik Muniz, um dos artistas brasileiros mais rentáveis no circuito global, aparecia com uma obra antiga no estande da nova-iorquina Edwynn Houk –um retrato de Marilyn Monroe feito de diamantes.

Superfícies reluzentes, ouro, prata, luzes e movimento estão na ordem do dia, para a alegria de uns e espanto do povo artsy que abarrota Manhattan, mais adepto do preto.

Na ala reservada a galerias emergentes e jovens artistas, que arrebanhou um enorme grupo de nomes africanos, isso não podia ser mais evidente. Mesmo obras de fundo sério, como peças sobre a luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, vinham revestidas de excessos de cor.

É o caso da nigeriana Ndidi Emefiele, na galeria Rosenfeld Porcini, de Londres, a americana Caitlin Cherry, que teve suas telas com garotas de pele néon mostradas pela Luce, de Turim, os personagens cartunescos do sul-africano Jody Paulsen, meio Keith Haring turbinado por anfetaminas, na Smac, casa da Cidade do Cabo, e o britânico Zak Ové, com mais caixas de som empanadas de purpurina na galeria Lawrie Shabibi, de Dubai.

Uns decibéis a menos, as belas pinturas do brasileiro Arjan Martins, único artista trazido à feira pela Gentil Carioca, também são visões coloridas de amas de leite na era escravocrata vestindo grossos colares e joias douradas –na primeira hora da feira, já havia colecionadores interessados em reservar algumas delas.

Mais ouro e mais reservas deram as caras na Nara Roesler, a única outra casa do Brasil na Armory neste ano. A galeria, com sedes em São Paulo, Rio e Nova York, tinha à venda trabalhos –dourados– do argentino Eduardo Navarro, que quer convencer colecionadores a plantar suas pequenas nozes revestidas do metal precioso em hortas pelo mundo, e da brasileira Laura Vinci, que pendurou folhas de ouro do teto do estande, num redemoinho caro e brilhante.

Enquanto compradores digeriam as ideias, uma tela de um amarelo menos lisérgico de Tomie Ohtake, da série da artista inspirada em suas colagens da década de 1970, encontrou um dono americano. 

É sinal que o Carnaval edulcorado pode saturar quem prefere pinturas sem açúcar e glúten, mas buscam um pouco do calor do verão tropical.

O jornalista viajou a convite do Armory Show

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