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'Os Últimos Czares', série cheia de clichês, erra onde 'Chernobyl' acertou

Virou meme a imagem da praça Vermelha com o mausoléu de Lênin antes da morte do comunista

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Uma produção luxuosa sobre um tema em voga, estruturada num formato inovador que intercala dramatização histórica com documentário, pontuada por falas de um dos maiores especialistas no tema.

Tudo para der corto, correto? Mais do que uma embaraçosa coleção de pieguices e erros históricos, a série “Os Últimos Czares”, em cartaz desde o mês passado no catálogo da Netflix, parece regredir um século no avanço feito pela produção da HBO “Chernobyl”, talvez a melhor coisa do ano.

Os Últimos Czares
Cena da série 'Os Últimos Czares', em cartaz na Netflix - Divulgação

A repercussão na Rússia é um bom barômetro. No país de Vladimir Putin, o relato aterrador sobre o acidente nuclear na soviética Ucrânia de 1986 mobilizou atenções.

Pequenos defeitos na ambientação obsessivamente detalhada eram compensados pela força dramática e pela ausência de clichês de “filme da KGB” —para começar, os personagens falam inglês sem um sotaque russo forçado.

O fato de uma reação oficial a “Chernobyl” estar sendo filmada, com teorias conspiratórias contra americanos e tudo, é outro selo de qualidade.

Já “Os Últimos Czares” parece beber de um manual de clichês e está sendo vítima há um mês de uma campanha de críticas na imprensa russa —mas não só naquela associada ao Kremlin.

Virou meme uma tomada da praça Vermelha em 1905 incluindo o mausoléu de Vladimir Lênin, que só viria a morrer 19 anos depois. Também não foi perdoado o uso de cirílico moderno, pós-Revolução Russa, nos papéis imperiais.

Não seria tão problemático não fosse a premissa de que se trata de um “megadoc” rigoroso sobre o período final de uma das mais poderosas famílias imperiais da Europa, os Románov sob Nicolau 2º.

À parte o dinheiro que ganhou, é inconcebível a presença do autor do seminal “Os Románov” (Cia. das Letras, 944 págs., R$ 114,90), o historiador britânico Simon Sebag Montefiore, fazendo comentários anódinos entre um trecho e outro do folhetim.

Há outros escalados, que fazem pior, incluindo erros factuais na narrativa. Uma certa Philippa Hetherington chama a Duma, a assembleia criada por Nicolau para aplacar pressões antimonarquistas, de “governo eleito”. Depois, ela diz que o czar era o “representante de Deus na Terra”, algo inaudito.

Há falhas mais sérias, como situar a coroação de Nicolau no mesmo dia em que camponeses que haviam ido prestigiar o evento foram pisoteados, e a acusação de que o czar patrocinava pogroms de judeus pessoalmente.

O percurso do místico monge Grigori Rasputin de um buraco na Sibéria até o quarto da czarina é bem explorado, mas aí a falta de magnetismo do ator Ben Cartwright põe tudo a perder.

Se sai um pouco melhor o casal imperial, vivido por Robert Jack e Susanna Herbert. Ainda que a descrição de uma dupla apaixonada que transava em qualquer tapete seja exagerada, ambos humanizam com suas figuras patéticas e ausentes a tragédia em que estavam metidos.

Segundo os russos mais tradicionalistas, é uma blasfêmia, dado que ambos são santos da Igreja Ortodoxa por seu martírio em 1918, filmado, aliás, com requintes de angústia.

A mesma abordagem naturalista é dada ao cruel Iuri Iurovski (Duncan Pow), que ordenaria a execução em Iekaterinburgo. Num diálogo imaginado com Nicolau, ambos parecem exasperados pela distância inalcançável entre eles.

Isso tudo tira um pouco do ranço de uma história conhecida, sem grandes maquiavelismos. Os últimos czares, afinal, eram só pessoas inadequadas vivendo um momento-chave da história.

Dito isso, melhor esperar a versão, que Helen Mirren estrelará até o fim do ano, da vida de outra personagem central da história russa, a czarina Catarina a Grande, produzida pela mesma HBO de “Chernobyl”.

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