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'As Estrelas', de Eliot Weinberger, é poema-resposta para ler e reler

O livro parte da pergunta "o que são as estrelas?" e a ela responde de centenas de maneiras diversas

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As Estrelas

  • Preço R$ 39 (56 págs.)
  • Autoria Eliot Weinberger
  • Editora 34
  • Tradução Samuel Titan Jr.

Que o título singelo não nos engane, um livro que responde aos “mundos flutuantes que gravitam em silêncio”, como escreveu Lamartine, não estará livre de ambições. 

Verdadeiro objeto inquieto e de difícil classificação, As estrelas, do norte-americano Eliot Weinberger, recém-publicado pela Editora 34 na Coleção Fábula, é um longo poema que persegue fabulações humanas, movido pelo espírito da pesquisa e do ensaio.

O livro parte da pergunta “o que são as estrelas?” e a ela responde de centenas de maneiras diversas, documentando a fascinante relação do humano com “o rebanho da lua”, ou seja, “os caçadores de focas que perderam o rumo, ou ainda “brasas da criação”. 

O poema-resposta é feito dessa profusão de visões em convívio poético. O repertório inclui superstições, mitos, crenças, informações científicas obsoletas ou vigentes, narrativas de toda sorte, rudimentares ou esplendorosas, todas conduzidas por uma escrita profundamente plástica e sonora.

Ao mesmo tempo generosa e precisa, a escrita de Eliot se faz por afirmações que se sucedem numa enxurrada vertiginosa de imagens que nos coloca mais perto da percepção originária e do limiar entre o conhecido e o desconhecido. Certamente um livro para ler e reler.

O crítico literário Eliot Weinberger, autor de "As Estrelas"
O crítico literário Eliot Weinberger, autor de "As Estrelas" - Reprodução

"As estrelas" surgiu de uma encomenda do MoMA de Nova York que pôs em contato Eliot e a artista Vija Celmins, cujo trabalho interroga o céu noturno. Os percalços da lenta realização do livro interessam na medida em que confirmam o processo minucioso pelo qual o texto foi chegando a sua forma final.

Se “cada estrela tem um nome e mais um nome secreto”, o nome secreto dessa poesia pode ser ensaio. Apesar de estar escrito em versos, Eliot prefere denominá-lo assim. Seja por modéstia – “tenho respeito demais pela poesia”, diz o autor –, seja porque sua escrita resulta de uma pesquisa que o ligaria ao gesto ensaístico de reflexão não controlada e inacabável. 

Numa rápida visita às origens etimológicas do termo “ensaio”, encontramos a palavra “enxame”. Foi Starobinski quem chamou atenção para o fato de que a palavra examen, de onde deriva o ensaio, remeteria às noções de peso, controle e medição, mas também designaria o enxame de abelhas e, por parentesco, a revoada de pássaros. É disso que se trata aqui, uma revoada de saberes e crenças anônimos que o escritor recolhe e nos devolve em versos orquestrados na língua do poema. 

As estrelas pertence ao fértil time de livros “transgênero”, que tem em Anne Carson uma firme companhia, tributários da intranquila identidade da escrita e da errância do pensamento.

Os versos são guiados por um “critério sonoro”, afirma Eliot, o que faz pensar que As estrelas seja também orientada por uma ontologia fonética ou uma “ontofonia” como diria o escritor romeno Ghérasim Luca. O poeta seria aquele artista que coleciona, seleciona e reedita a matéria de um vasto repertório histórico e cultural porque sabe colocar-se à escuta da memória da língua, liberando os saberes sonoros nela represados.

Essa sensibilidade musical permite reunir visões e crenças díspares sem que se anulem umas às outras. Mitos maori são interrompidos por lendas escandinavas, estas por ciência moderna, e logo tudo explode em imagens da mitologia grega, tudo isso sem sair do tom. 

"As estrelas" recria antigas alianças entre o poema e o mito, deslizando numa língua que ainda canta. Para a nossa sorte, os versos ressoam muito bem em português, graças à excelente tradução de Samuel Titan, sensível à cativante cadência dessa escrita.

Laura Erber [Rio de Janeiro, 1979] é escritora, editora e professora de História e Teoria da Arte da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio.

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