O que é trivial se desnaturaliza quando uma variável nova entra em cena. Se por exemplo alguém quisesse propor que o futebol fosse jogado não com uma, mas com duas bolas, é certo que passaríamos a ver a forma antiga com olhos novos.
Desculpada a comparação esdrúxula, vamos ao caso concreto: João Doederlein, que se assina Akapoeta, publica poemas em sua conta no Instagram e abre sua página mostrando mais de 1.400 publicações e mais de um 1,1 milhão de seguidores. Em cada quadrado, sempre com fundo de cor creme, há um poema ou uma imagem, desenho ou foto do próprio autor.
Eles apresentam o número de likes que aquele poema granjeou e quantos comentários mereceu —vai de algumas centenas até as dezenas de milhares.
Vai-se a esses últimos e, surpresa, o primeiro é sempre do autor. Ali ele pode se estender em comentário sobre alguma imagem do poema, anotar o nome de pessoas, divulgar sua obra impressa e sugerir ao leitor que compre em certa livraria. Num deles, diz que ali está o melhor poema que fez a partir de uma estratégia —pediu que leitores lhe dessem três palavras quaisquer.
Sobre as participações dos leitores, uma impressão não científica, mas sólida: mais de 80% são mulheres; metade comenta com coraçãozinho, enquanto um quarto recomenda que amigos também leiam o que ali está.
Essa dinâmica toda se impôs à leitura deste resenhista; e essa dinâmica se antepôs à apreciação da poesia em si. Era a segunda bola entrando no jogo e obrigando a perguntas novas: Quem é o leitor? O que ele busca? O que ele encontra? Que diferenças tem com o leitor do livro impresso? O sujeito lê um poema como o fiel que consulta um versículo de livro sagrado? Como quem lê pílula de sabedoria para enfrentar o dia? Como quem leva o horóscopo a sério?
Akapoeta é muito jovem. Tem uma comovente fé nas virtudes do amor, da amizade, da verdade. Aborda experiências vitais dessa fase da vida, desde as contrariedades amorosas adolescentes até o opressivo vestibular, passando por momentos de busca da frase de sabedoria, como em “Corpo”, que assim começa: “É aquilo que o Mundo mais percebe sobre a pessoa que sou”; em itálico, se lê: “nada nele é feio. tudo nele é meu”. Que eu tenha visto, este é o horizonte máximo disponível.
Tem coisa bem banal, como “E, mesmo quando / eu ainda não sabia / o seu nome, / eu sabia que você / existia”. E algo mais maduro também. Mas o aspecto geral, sem likes ou comentários, é um conjunto de variações sempre no plano das amenidades, ficando os poemas com a tarefa de encontrar um jogo de palavras, um trocadilho, um giro de linguagem acima do pensamento edificante, o que muitas vezes não consegue.
Sem ironia, sem autocrítica, sem dúvidas no poder de sua palavra, Akapoeta é autor de textos de consolação para o leitor, que ali encontra —dizem os números— a figura do amigo, do camarada, do conselheiro.
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