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'Editoras grandes não gostam de preto escrevendo sobre preto', dizem autores

Com fala militante, Jovina Souza e Lande Onawale participaram de festa literária na Bahia

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Cachoeira (BA)

"Nenhuma editora grande gosta de preto, muito menos de preto escrevendo sobre preto." As palavras da poeta e mestre em teoria e crítica literária Jovina Souza saem com um sotaque calmo, mas cortante. 

E é com uma firmeza quase branda que ela aprofunda ainda mais essa lâmina. "Mesmo as editoras que publicam escritores pretos só aceitam livros com um certo tom. Quando você dá nome aos bois e mostra o racismo às claras, isso não agrada e não é publicado. Faz parte do jogo racial esse disfarce."

A escritora baiana participou ao lado do conterrâneo e também poeta Lande Onawale da Flica, a Festa Literária Internacional de Cachoeira, que terminou no último domingo (27) na cidade do Recôncavo Baiano, a 130 km de Salvador.

No município com cerca de 30 mil habitantes e com mais de 30 terreiros de candomblé, a plateia predominante negra aplaudiu de pé cada fala.

Mas pensando que as grandes editoras não querem falar abertamente sobre o racismo, como ficam os casos de escritores como Ana Maria Gonçalves, publicada pela Record? Ou de Djamila Ribeiro, colunista da Folha que lança na próxima semana "Pequeno Manual Antirracista", pela Companhia das Letras? 

Onawale diz que elas são exceções. "Há outros casos, como o próprio Ferréz. Mas, justamente por serem exceções, eles confirmam a regra."

Segundo eles, a alternativa para os autores negros é buscar opções que estejam à margem do mainstream. Ambos, por exemplo, começaram a escrever seus textos nas páginas da Cadernos Negros, publicação fundada nos anos 1970 que reúne contos e poesias de autores negros.

Se a literatura que chega às livrarias e principais prêmios literários insiste em ser branca, masculina e heterossexual, cabe aos escritores que não se encaixam nesse padrão produzir seus trabalhos de forma independente.

"De antemão, há um entendimento de que somos incapazes de fazer o texto literário —dádiva que só brancos, de preferência sulistas, têm a capacidade de alcançar", ironiza Jovina.

A autora acaba de publicar o livro de poemas "O Amor Não Está", enquanto Lande Onawale lança "Pretices e Milongas". Embora compostos por versos contundentes sobre questões raciais, os livros não bastam para, sozinhos, mudarem a realidade, acredita o escritor. 

"É preciso que coisas estruturais mudem. Mas é aquele clichê: livros não transformam o mundo, mas mudam pessoas, que mudam o mundo."

Com a voz branda e cortante, Jovina completa: "Quero ser lida pelos jovens que estão morrendo, tomando tapa na cara da polícia, sendo impedidos de entrar no shopping. Para que eles saibam que não são um problema."

O jornalista viajou a convite da Flica

O Amor Não Está

  • Preço R$ 25 (84 págs.)
  • Autoria Jovina Souza
  • Editora Òmnira

Pretices e Milongas

  • Preço R$ 40 (124 págs.)
  • Autoria Lande Onawale
  • Editora Organismo
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