Em sua última postagem em sua página no Instagram, o músico Moraes Moreira compartilhou um cordel de sua autoria sobre a quarentena do coronavírus.
"Oi, pessoal. Estou aqui na Gávea [no Rio de Janeiro] entre minha casa e escritório que ficam próximos, cumprindo minha quarentena, tocando e escrevendo sem parar. Este cordel nasceu na madrugada do dia 17, envio para apreciação de vocês. Boa sorte", escreveu Moraes.
O poema inicia falando de medo da pandemia, mas também menciona violência, milícia e Marielle Franco. "Eu temo o coronavírus/ E zelo por minha vida/ Mas tenho medo de tiros/ Também de bala perdida/ A nossa fé é vacina/ O professor que me ensina/ Será minha própria lida."
Moraes Moreira, fundador dos Novos Baianos, morreu às 6h da manhã desta segunda (13), no seu apartamento, na zona sul do Rio de Janeiro, aos 72 anos.
A morte foi confirmada pelo cantor e compositor Paulinho Boca de Cantor, que está repassando a informação a antigos companheiros de Moraes, como Pepeu Gomes e Baby do Brasil.
O cantor, compositor e violonista iniciou a carreira ainda na adolescência, tocando sanfona em festas juninas em Ituaçu (BA), sua cidade natal.
Em 1969, ele e dois companheiros da pensão onde morava em Salvador, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão, acompanhados de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, estrearam os Novos Baianos no Quinto Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record.
O primeiro disco do grupo, "É Ferro na Boneca", saiu em 1970. É em 1972, no entanto, que o grupo estoura, com "Acabou Chorare". O álbum, que abriga no repertório a música de mesmo nome e faixas marcantes como "Brasil Pandeiro", "Preta Pretinha" e "A Menina Dança", vendeu mais de 100 mil cópias e se tornou um clássico no cancioneiro brasileiro.
Confira o cordel na íntegra:
Quarentena
Eu temo o coronavirus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida
Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mas atenção
O sentimento é profundo
Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito
De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estupro
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não a todo dia
Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
Às vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido
Até aceito a polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta
Com tanta coisa inda cismo...
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também à misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia
As coisas já forem postas
Mas prevalecem os relés
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres
O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não tem tempo, nem idade
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