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Cinema

O que representam os bonecos de 'Scarface' no caso Queiroz?

Figuras de ação do personagem na estante do advogado Frederick Wassef evocam delinquentes e gângsteres do cinema

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A imagem da semana não é, nem de longe, a da prisão espetaculosa de Queiroz (produção rotineira da marca PF), menos ainda a do bombeiro preso outro dia (embora sua casa evoque, em ponto menor, a cafonice de Tony Montana em “Scarface”, o filme de Brian De Palma de 1983).

A imagem que ficará marcada foi a da estante do advogado Frederick Wassef. Ali, um pôster homenageia o AI-5, aspiração nada oculta do bolsonarismo. A enquadrar o pôster, bonecos de Tony Montana, mais conhecido como Scarface.

Pôster do AI-5 ao lado de bonecos do personagem Tony Montana encontrados na casa em Atibaia em que Fabrício Queiroz estava escondido quando foi preso pela Polícia Civil de São Paulo - Polícia Civil - 18.jun.2020/Divulgação

De onde vem a ideia? O que representa? Uma homenagem ao crime mais notório de Montana (tráfico de cocaína)? Ou ao fato de que o principal traço de Scarface era o uso de resolver seus problemas a bala (com armas pesadas se possível)?

Não foi Queiroz quem plantou as coisas ali. Ele não tem o menor talento para Tony Montana ou para o Tony Camonte do “Scarface, a Vergonha de uma Nação”, de 1932, ou Tony Curtis, ou qualquer outro Tony. Seu talento é o do subalterno disciplinado e útil, o peixe pequeno porém indispensável.

Quem tem jeito de gângster dos anos 1930 é Wassef. Ele usa ternos bem cortados, como o elegante Guino Rinaldo, vivido por George Raft, o número dois de Scarface no filme original, de Howard Hawks.

A cabeleira completa o figurino —a gomalina abundante também parece bem ajustada à figura de George Raft. Mas também remete a Al Pacino, não o do mal-ajambrado Tony do filme de 1983, mas aquele de “O Poderoso Chefão” —usa terno chique e cabelo de Gumex (“dura lex, sed lex, no cabelo só Gumex”, dizia o antigo e antológico reclame tão a propósito para o dia de hoje).

Há o rosto —o de Wassef não é aquela coisa caótica de Montana, lembra mais o de Gaffney, papel de Boris Karloff, um dos rivais que Tony Camonte liquida no primeiro “Scarface”.

Existe, por fim, o preso, Queiroz. Terá sido ele a plantar as figuras no escritório? Duvido. Queiroz é calmo, organizador, paciente, frio. Não é homem de ideias. É, sim, fiel à família, seja ela qual for, mas a prioridade, sem dúvida, é a mais próxima. Mulher e filha. São fantasmas que podem assombrar, caso sejam envolvidos.

No mais é um homem feliz. Talvez nem saiba quem foi Tony Montana, ou Camonte, ou qualquer outro Tony, desde que não faça parte de seu círculo (o que inclui cúmplices e laranjas das rachadinhas). Tem vaga lembrança do que seja AI-5. Para um PM, como ele, o AI-5 nunca deixou de existir.

Wassef, ao contrário, tem a ambição de Tony Camonte. Soube se aproximar do clã Bolsonaro quando ninguém o levava a sério. Ganhou sua confiança. Tornou-se advogado de Flávio no caso mais complexo enfrentado pela família até aqui. Conseguiu paralisar as investigações a horas tantas.

Nessa ocasião, alguém o ouviu ao telefone —e a revista Época publicou. “A decisão… Amor… O meu nome… Tá o Brasil inteiro me chamando de Deus! Você não tem noção! É uma bomba atômica! Amor, está comigo, te mando agora. O Flávio, o presidente, tudo infartado, chorando.”

Ser chamado de Deus e levar isso a sério é outra maneira, digamos assim, de interpretar a frase-chave de “Scarface” (os dois) “the world is yours” —ou o mundo lhe pertence. Naquele momento, pelo menos, baixou no advogado o vulcânico Montana e o demencial Camonte.

A decoração com os bonequinhos de Al Pacino são coisa dele, isso é certo. O cartaz com o AI-5 está lá mais para agradar a alguém um pouco acima, mas que precisa muito mais de Wassef do que Wassef precisa dele —the world is yours.

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