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Série sobre refugiados com Cate Blanchett sofre com soluções fúteis

Em seis episódios, 'Estado Zero', da Netflix, tem atriz australiana como uma das criadoras

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Estado Zero

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  • Onde Netflix

Em primeiro lugar, “Estado Zero” não é uma boa tradução para o título original, “Stateless”, que significaria, antes, sem pátria, apátridas, sem lugar. Quase qualquer outro título, aliás, seria mais apropriado do que “Estado Zero”, que parece introduzir algum documentário sobre ideias econômicas neoliberais.

Nada disso. A minissérie nos lembra em seis capítulos de um problema maior, que a pandemia acabou por soterrar, o dos refugiados e, pior, dos campos de refugiados que hoje assolam a Europa, sobretudo, mas não só. Esse é o primeiro eixo da minissérie, o que impõe sua relevância temática geral.

O segundo é o caso real de desaparecimento de uma cidadã australiana nascida na Alemanha. O fato se deu na virada do século, onde se situa a ação da série, embora com nomes trocados. Insatisfeita com os familiares e frustrada com a vida em geral, Sofie Werner, papel de Yvone Strahovski, se joga nos braços de uma seita suspeitíssima e se dá mal. Ao deixar a seita, Sofie não sabe nem mais quem é, sofre de medo patológico e só quer sair da Austrália. Desarvorada e sem identidade, acaba, ironicamente, recolhida ao campo como imigrante ilegal. Ela constitui o segundo eixo da história

Entre os refugiados, o centro é Ameer, vivido por Faissal Bazzi, afegão que tenta introduzir sua família na Austrália a partir do Paquistão e sobre quem desaba uma tempestade de catástrofes, mal-entendidos e baixezas que desaguam no comportamento kafkiano das autoridades australianas de imigração.

Aí começam os problemas de “Estado Zero”. Colar a história de uma australiana de mente conturbada à de refugiados em situação material desesperadora pode ser até tentador, mas é tarefa delicada. São universos distantes e questões diversas.

Completa o quadro o drama dos agentes do campo. Os centrais são Clare, interpretada por Asher Keddie, burocrata durona e recém-empossada como gerente do lugar, com a missão de fazer com que ele suma do noticiário. Entre seus subordinados está Sandford, papel de Jai Courtney, que, tendo uma bela família, topa o emprego como guarda no local.

Clare vai sendo aos poucos consumida pela tarefa amarga de despachar os refugiados de volta a seus países, sejam lá quais forem as consequências. Já Sandford, homem de bom coração, vai se deixando absorver pela violência daquela porta de inferno.

Temos então dois eixos –os de dentro da Austrália e os de fora; um caso coletivo (o dos refugiados) e alguns casos pessoais (australianos). Para fazer disso uma unidade, os responsáveis pela série recorreram ao trivial do cinema contemporâneo –a família.

Num mundo onde todos perdemos referência, resta a família como único ponto de apoio do sujeito. Ela pode ser problemática como a de Sofie, miserável como a de Ameer, quase feliz, como a de Sandford, destruída antes de existir, como a de Clare. Não importa, a família é o centro.

O estratagema banal conduz à reiteração contínua das questões levantadas. Acima de cada personagem paira sempre a relação familiar. É possível temer, odiar, proteger, rejeitar essa relação et cetera. O fundo é sempre o mesmo.

Com alma de narrativa, a série passa pelos acontecimentos de forma mais ou menos indiferenciada, dando igual ênfase, não raro, às sequências interessantes e aos momentos banais. Com isso, o essencial e o convencional se confundem e desembocam, invariavelmente, em soluções melodramáticas fúteis.

“Estado Zero”, em que Cate Blanchett comparece como cocriadora, corroteirista e quase figurante, poderia se reduzir a quatro capítulos dotados de certa energia, em lugar de seis com frequência chochos.

Mas, sim, os temas da sorte dos refugiados e da violência dos departamentos de imigração policial justificam sua existência e a atenção que o espectador lhe possa eventualmente dispensar.

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