Após baque inicial, venda de livros cresce na pandemia e livrarias se reinventam

Temor inicial de quebradeira de lojas acabou resultando no aumento das vendas em julho, puxadas pelo digital

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Livraria da Vila, em São Paulo

Entrada da Livraria da Vila, em São Paulo Leonardo Finotti/Divulgação

São Paulo

“Quando veio março e eu vi que teria que fechar as portas, pensei, e agora?” Variações dessa frase vêm saindo da boca de um monte de livreiros.

Pegas de surpresa pelo coronavírus, livrarias que estavam em ascensão tiveram seus planos interrompidos, lojas que estavam com a corda no pescoço agravaram sua crise e quem soube se adaptar a um mercado digital se deu melhor.

Isso porque a demanda por livros, mesmo sofrendo um baque, não esmoreceu —o que se atesta pela última pesquisa de mercado da Nielsen com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, que mostra um aumento real no volume e no faturamento de livros vendidos de 15 de junho a 12 de julho, em comparação com o mesmo período do ano passado.

Se as vendas caíram quase pela metade na virada de março para abril —o susto do “e agora?”—, elas foram escalando aos poucos nos meses seguintes, até que em julho ficaram 4% acima do ano passado.

Os números parecem indicar que a reabertura das livrarias, permitida em São Paulo desde junho, trouxe alívio ao setor. Mas é preciso cautela. Samuel Seibel, presidente da Livraria da Vila, diz estar tirando cerca de 30% do faturamento normal nas lojas reabertas, e Rui Campos, dono da Travessa, afirma que o movimento gira em torno de um quinto da média.

É um reflexo de leitores ainda temerosos em sair às ruas enquanto a pandemia mata mais de mil brasileiros por dia. “Se houvesse um suporte financeiro suficiente, talvez fosse melhor manter fechado”, diz Seibel. “Mas seria uma atitude quixotesca, porque você vai ser o único.”

O dono da Vila ressalta que o cuidado na reabertura foi muito grande —e, de fato, uma visita à unidade da rua Fradique Coutinho faz o leitor encontrar um funcionário medindo temperatura na porta, livros encapados em plástico para facilitar a limpeza e um cartaz orientando a formar uma fila na porta quando já houver 12 visitantes lá dentro.

A Livraria Simples, que ocupa uma casa da Bela Vista, foi uma que preferiu não reabrir por ora, tendo como primeiro motivo preservar a saúde de clientes e funcionários. “O segundo motivo”, diz o sócio Beto Ribeiro, “é que, apesar de o faturamento ter diminuído, não diminuiu tanto.”

Se as compras caíram para um quinto do total no começo da pandemia, uma atividade intensa de entregas e de abordagem por mídias sociais fizeram com que a Simples fechasse julho vendendo 20% a mais do que o mesmo mês do ano passado.

Dono de uma editora e duas lojas que levam seu nome em São Paulo, Alexandre Martins Fontes também conta uma história que, segundo ele, o confirma como feliz exceção à crise. Já em maio, o ecommerce da livraria quadruplicou as vendas. Somado a encomendas por WhatsApp e retiradas na porta, a Martins Fontes viu seu faturamento subir.

Mas, pensando na sobrevivência de lojas com menos estrutura e capital de giro, o livreiro mobilizou o projeto Retomada na Câmara Brasileira do Livro, que quer arrecadar R$ 500 mil até 31 de agosto para distribuir a 50 pequenas livrarias —mais da metade do dinheiro já foi reunida.

Aquelas que puderam se reinventar rápido amorteceram um possível desastre. A Mandarina, que tinha poucos meses de idade em Pinheiros quando a quarentena a obrigou a fechar, se segurou na venda por redes sociais e na oferta de cursos online. As próprias sócias, Daniela Amendola e Roberta Paixão, passaram a pegar o carro para fazer entregas.

“Quando você tem uma estrutura muito grande, a flexibilidade é mais lenta”, afirma Paixão. “É mais difícil uma empresa com 200 lojas conseguir fazer essa virada rápida, como nós fizemos. A gente é um veleiro, eles são um transatlântico.”

Para ficar na metáfora marinha, os dois maiores navios do mercado ainda estão no meio de uma forte tormenta. Tanto a Livraria Cultura quanto a Saraiva, que não quiseram fazer comentários, se veem enredadas em processos de recuperação judicial.

As duas suspenderam o pagamento a editoras no início da pandemia, e a Justiça decidiu que a Saraiva deveria devolver a elas metade do seu estoque. Desde o início da pandemia, a rede fechou 13 das 75 filiais que tinha pelo Brasil —e, no último desdobramento do processo, propôs dividir suas lojas restantes em dois grupos e vender um deles. Um relatório mostrou que, em maio, o faturamento da Saraiva foi 85% menor que no mesmo mês do ano passado.

Presidente da Associação Nacional de Livrarias, Bernardo Gurbanov diz não ter identificado um cenário de quebradeira assolando o setor, como se temia quando a pandemia começou. E celebra a inclusão de pequenas livrarias e editoras na Lei Aldir Blanc, que vai destinar R$ 3 bilhões para o setor cultural.​

Gurbanov aponta que a emergência mostrou que as grandes plataformas online “correm com vantagem muito grande”. Ou, nas palavras de Alexandre Martins Fontes, “a Amazon é inquestionavelmente a grande beneficiada desta pandemia”.

“Hoje a Amazon se converteu no principal cliente das editoras, até porque não trabalha com consignação”, diz o presidente da ANL. “E claro que políticas comerciais mais agressivas acabam prejudicando as pequenas, porque a competição não é em condições minimamente equitativas.”

Alexandre Munhoz, gerente-geral de livros na Amazon, afirma que a empresa se esforça “para que o setor livreiro continue pulsando, com incentivos para todas as pontas”.

Ele diz que a plataforma tem “uma obsessão” por ampliar as opções de livros para os clientes, inclusive aqueles só disponíveis em lojas menores, mais especializadas. “Milhares de livrarias e sebos vendem pelo site da Amazon no modelo de marketplace, que dá segurança para quem não tem condições de ter um site e atrair tráfego. Reconhecemos um valor enorme nas livrarias pequenas e queremos que continuem prosperando.”

É difícil de contestar que a pandemia acelerou um modelo de venda mais híbrido, em que a livraria física se alicerça em outros meios de alcançar seu leitor.

“A minha loja virtual dobrou o movimento, mas é paradoxal”, comenta Rui Campos, da Travessa. “Porque o mercado não vive sem a livraria. O desejo pelo livro não é entrar num site, é conviver, tocar, ver a capa. O dia em que não tiver mais livraria, não tem mais online também, porque o livro vai ter se tornado dispensável.”

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