'Empresas preferem ser racistas a capitalistas', afirma ex-consulesa da França

Alexandra Loras lança documentário que mostra panorama da questão racial no Brasil

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São Paulo

Durante três anos, a consultora e ativista Alexandra Loras gestou, geriu e dirigiu o documentário "Inconscientes Revelados", com o intuito de mostrar um panorama da questão racial no Brasil.

O filme, que teve pré-estreia em 6 de novembro, estreou oficialmente no dia 20, Dia da Consciência Negra, no YouTube. Com 70 minutos de duração, debate fatos históricos e sociais que, somados, ajudam a manter de pé o racismo estrutural no país.

"Eu queria ajudar as pessoas a entenderem um pouco melhor a questão racial no Brasil. Estou feliz de poder contribuir", diz a ex-consulesa da França. "Mais jovens negros morrem no Brasil do que nos Estados Unidos", compara.

"O que me incomoda no Brasil é que muitas pessoas se incomodam quando se fala de racismo, mas não se importam com o racismo em si", diz ela, que vê no Brasil a construção de uma cultura que tem como base a ideia de que "o negro não é gente".

O filme de Loras mostra a formação do brasileiro até o cenário atual e retrata as cicatrizes e estruturas do racismo ainda presente na sociedade. "Foram 400 anos de estupro e violência. Como é possível alguém achar que só uma Lei Áurea iria resolver?", pergunta a ex-consulesa, lembrando a importância de conhecer melhor a história do país. "Não tem um único super-herói negro em um país que tem a segunda maior população negra do mundo. Não dá para dizer que esse racismo é velado."

Loras questiona também o papel do setor privado na manutenção desse modelo de sociedade. "As empresas preferem ser racistas a ser capitalistas", analisa.

Segundo ela, o país tem uma situação social que define como "um apartheid cordial'', em que a população negra do Brasil vive pior do que na África do Sul ou nos Estados Unidos —dois países que tiveram segregação racial oficializada pelo Estado. "Aqui é mais sofisticado", conta Loras, que busca explicar esses conceitos em seu documentário.

O filme é conduzido por entrevistas com personagens como o antropólogo do afroconsumismo, Fernando Montenegro, além de Luislinda Valois, ex-ministra dos Direitos Humanos, e o historiador Leandro Karnal.

Loras também contou com a participação do projeto do Mooc, agência especializada em diversidade, com maioria de profissionais negros. "O filme evoluiu e foi produzido contando, majoritariamente, com uma equipe de profissionais negros", diz.

O documentário busca ainda falar sobre responsabilidades e privilégios diante de uma sociedade que reproduz o racismo. "O branco de hoje não é responsável pela escravidão, mas somos todos responsáveis por resolver as desigualdades existentes atualmente. Eu consigo perceber os meus privilégios, a questão é o que você faz com o privilégio que tem", afirma.

Outro ponto importante abordado no filme é o apagamento cultural e político da população negra. O documentário lembra escritores, inventores, intelectuais e outras figuras negras que foram importantes para a construção do país que são pouco lembrados ou, ainda, foram embranquecidos ao longo de décadas. Outro exemplo é o Carnaval. "Cada etnia africana tem essa característica de se pintar, mas muita gente associa o Carnaval brasileiro com Veneza [na Itália]", diz Loras.

“Existe uma segregação racial cordial no Brasil e esse é um dos focos do 'Inconscientes Revelados'. No documentário, expomos as raízes de comportamento dos brasileiros, assim como os vieses de pensamento que constroem essa nação diversa, porém austera, em que ainda é latente a cultura do racismo”, diz Loras. Segundo ela, é preciso descolonizar as mentes. "Ocorreu a tentativa de branqueamento, em que a ideia é apagar a presença dos negros" na formação do país.

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