O que mais um filme inspirado em “Frankenstein” pode trazer de novo (ou de diferente) à longa lista de versões cinematográficas do romance de Mary Shelley? A trama e as imagens fortes desse Prometeu moderno surgiram na forma literária em 1818 e vêm, com altos e baixos, assombrando o cinema pelo menos desde 1910.
“O Mistério de Frankenstein”, produção grega de 2020, retoma o mito sem pretender atualizar sua questão central –a tentação humana de se sobrepor à natureza, de assumir o papel divino de criador, de dominar uma força capaz de superar a morte, gerando, no fim das contas, um monstro.
O diretor Costas Zapas se inspira no paradigmático romance de Shelley e o funde a seu próprio livro, “Frankenstein: REC”, para compor o roteiro. Assim, o projeto busca ter vida própria, se liberando de comparações com versões anteriores e tentando afirmar sua originalidade.
O longa acompanha uma jovem repórter obcecada pela ideia que toda ficção esconde uma verdade. Quando um grupo teatral chega à cidade para apresentar uma montagem de “Frankenstein”, ela mergulha num mundo paralelo povoado por sombras, máscaras, duplos e personagens.
Na cena de abertura, vemos a personagem imersa numa situação onírica, assustada por uma criatura aterrorizante. O diretor parte dessa alteração perceptiva dos sonhos e a prolonga nas peripécias vividas pela protagonista.
Jornalistas no cinema têm a mesma função que os detetives, estão ali para desvendar fatos e fazer a história avançar. Mas Zapas recusa as convenções narrativas lineares, pois prefere a estilização plástica. Seu filme tem pouco interesse pela trama e está dedicado a criar imagens visualmente impactantes.
A manipulação da luz, a dessaturação das cores até a fotografia adquirir uma tonalidade monocromática irrealista, o trabalho dedicado da direção de arte e a teatralidade enfatizada na composição dos planos e na interpretação dos atores são aspectos evidentes dessa vontade de se diferenciar do cinema arroz com feijão, de criar um filme artístico.
O efeito colateral comum desse tipo de proposta, no entanto, é enrijecer as possibilidades expressivas, substituindo a dramaturgia pela visualidade. As formas são ostentadas de tal maneira, atraem tanto a atenção que passamos a olhar para elas em vez de as ver, desistimos de tentar ler o que elas dizem, pois elas escondem o vazio de sentido.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.