Descrição de chapéu Folhajus

Em 'Os 7 de Chicago', Justiça sucumbe a desumanização de réu e ao abuso de poder

Filme com seis indicações ao Oscar foi debatido no Ciclo de Cinema e Psicanálise nesta terça-feira (23)

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São Paulo

Acompanhando um dos julgamentos mais emblemáticos da história americana, que durou meses e foi iniciado por motivação política, o longa “Os 7 de Chicago”, de Aaron Sorkin, expõe diversas formas pelas quais a violência de Estado se perpetua, muitas vezes propagando a destruição dos ideais civilizatórios.

A psicanalista Marcella Monteiro, que participou do Ciclo de Cinema e Psicanálise nesta terça-feira (23), explica que, segundo Sigmund Freud (1856-1939), a Justiça é a primeira exigência da civilização. “Em ‘O Mal-estar na Civilização’, ele retoma o conceito de pulsão de morte e afirma que o ser humano não é uma criatura dócil, a gente porta uma boa dose de agressividade. Por isso, é necessário um estatuto legal que regule as relações humanas, restrinja os excessos e assegure uma certa igualdade.”

Porém, segundo Monteiro, pelo fato de as leis serem escritas por pessoas em posição de poder e que as podem utilizar em favor próprio, esse aparato pode acabar não favorecendo o bem comum e a civilização, mas “a barbárie na qual o desejo de um grupo é transformado em lei imposta aos demais”.

O filme é inspirado no julgamento decorrente das manifestações contra a Guerra do Vietnã que ocorreram durante a Convenção Nacional Democrata de 1968, em Chicago. O que começou como um protesto pacífico terminou em um confronto entre a polícia e os manifestantes, que tinham a intenção de marchar até o local onde a convenção ocorria.

O processo acusou oito ativistas de conspiração e incitação à violência, sendo que um deles, Bobby Seale, cofundador do Partido dos Panteras Negras, nem sequer estava na região quando o conflito ocorreu.

O desdobramento do julgamento se dá entre o final do governo democrata de Lyndon B. Johnson e o governo republicano de Richard Nixon. Junto ao aumento do recrutamento de americanos para a Guerra do Vietnã, há o crescimento da insatisfação e dos movimentos pacifistas e de direitos civis nos Estados Unidos.

“Um mundo marcado por vários conflitos, em crise, com polarização de ideias, emergência de protestos questionando a ordem vigente, que era bélica, autoritária e tradicional nos costumes”, define Monteiro.

Para a psicanalista Luciana Saddi, que mediou o debate, o que surpreende no filme é a atualidade perturbadora do tema, com poucas mudanças mesmo 50 anos após o ocorrido. Ela elenca o racismo estrutural na sociedade, a repressão às manifestações, a violência policial e a desigualdade social, educacional, política e econômica. “O mundo inteiro hoje assiste ao retorno da instabilidade social e a permanência dos problemas enfrentados por aquela geração, que estão longe de serem superados.”

Também participou do debate o advogado criminal e colunista Luís Francisco Carvalho Filho, da Folha, que reforçou o caráter persecutório do julgamento. Segundo ele, os réus foram escolhidos a dedo, trazendo representantes da política, do Partido Internacional da Juventude, pacifistas e acrescentando o cofundador do Partido dos Panteras Negras para dar um caráter de quadrilha ao grupo. “O governo Nixon tenta reunir todos esses matizes ideológicos como se fosse uma coisa só e essa é talvez a grande farsa desse julgamento.”

Segundo Monteiro, o juiz do filme age de forma violenta e sádica. Ele ignora a reivindicação de Bobby Seale por seus direitos constitucionais, o amordaça, acusa todos aqueles que reclamam de sua arbitrariedade de desacato e anula narrativas às quais ele não quer que o júri tenha acesso. “São atos dignos de ditadura, chegando até a profunda desumanização do outro.”

Saddi perguntou ao advogado se era possível fazer um paralelo entre o julgamento do filme e os que acontecem no Brasil.

De acordo com a experiência dele, o erro judiciário decorre da corrupção e da violência da polícia somada à incapacidade das pessoas de poderem provar sua inocência, porque na maioria das vezes não conseguem pagar por advogados, e também à própria organização judiciária do Brasil, marcada pelo elitismo dos juízes. “É um pequeno massacre aquilo que a gente vê em material penal no Brasil”, diz Carvalho Filho.

O Ciclo de Cinema e Psicanálise é um evento quinzenal promovido a distância pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, com apoio da Folha e do Museu da Imagem e do Som, o MIS. A próxima edição do ciclo será no dia 13 de abril, às 20h, com o filme austríaco "Quando a Vida Acontece", de Ulrike Kofler.

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