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Nick Cave lança álbum perfeito para aumentar a depressão na pandemia

Músico se junta a parceiro da banda Bad Seeds para construir emaranhado sonoro fantasmagórico de 'Carnage'

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Carnage

  • Onde Disponível nas plataformas de streaming
  • Autor Nick Cave e Warren Ellis
  • Gravadora Goliath Records

“Deixai toda a esperança, vós que entrais”, nos avisa o poeta italiano Dante Alighieri no portão do inferno. Bem, essa sempre foi mais ou menos a vibração de se pôr um álbum de Nick Cave para rodar, e “Carnage”, lançado há duas semanas nas plataformas de streaming, mais uma vez toca nessa paleta sombria.

É de se perguntar quem, no atual momento pandêmico mundial, gostaria de ficar mais deprimido, mais desgostoso, mais infeliz? A resposta é: aqueles capazes de enfrentar qualquer coisa por boa música.

O álbum é uma parceria com Warren Ellis, violinista que entrou na banda de Cave, a Bad Seeds, em 1993. Apesar de ser o primeiro álbum puro, digamos, assinado pelos dois, a dupla já trabalhou em 13 trilhas-sonoras de cinema e duas de teatro desde 2005.

Vale lembrar que os dois últimos discos lançados por Cave, “Skeleton Tree”, de 2016, e “Gostheen”, de 2019, falavam da morte de um de seus filhos gêmeos. Em 2015, Arthur morreu após cair de um penhasco no sudeste da Inglaterra, aos 15 anos.

Assim chegamos à nova floresta negra de Cave, com “Hand of God”. É uma música experimental, que pode assustar, nos dois sentidos, quem esperava apenas uma balada amarga. Traz notas dissonantes e gritos, que passam de uma pessoa para um coral.

Em “Old Time”, Cave passeia de carro e dá vazão a seus pesadelos: “Peguei uma saída errada em algum lugar/ Direto para o passado/ Direto para o passado, com certeza/ As árvores são negras e antigas/ Nos põem de joelhos num tempo frio/ Ah, os sonhos de todo mundo estão mortos/ Onde quer que você esteja, querido, eu não estou muito atrás”.

Com letras nesse naipe e a famosa voz cavernosa de Cave, o multi-instrumentista Ellis vai construindo um fantasmagórico emaranhado sonoro.

Mais reminiscências surgem na canção que dá nome ao disco, “Carnage” —carnificina ou massacre, em inglês—, com o lamento do vocal acompanhado por um dedilhado, cordas e mais corais. Aqui há pela primeira vez um esboço de refrão, em “E é só amor/ Com um pouquinho de chuva/ E eu espero te ver de novo”.

De batida hipnótica, “White Elephant” é quase uma música. Dá até para balançar a cabeça com o ritmo, no entanto a letra é falada, não cantada. E o que o artista tem a nos dizer? “Vou atirar na porra da sua cara/ Caso você pense em vir aqui”.

A segunda metade do disco, se pensarmos no formato LP, mídia formadora de Cave e em que “Carnage” também está sendo lançado, é nitidamente mais leve. São quatro baladas delicadas e mais convencionais, se é que se pode dizer isso de qualquer música deste trabalho.

O que não se pode dizer é que o autor esteja vendo a luz do sol. “Albuquerque”, assim como todo o álbum, foi escrito em 2020, durante a quarentena.

“Nós não iremos para Amsterdã/ Nem para aquele lago na África, amor/ Nós não iremos para lugar nenhum/ Em nenhum momento deste ano”.

“Lavender Fields” retoma a ideia da existência de um reino dos céus, já citada em “Hand of God” e “White Elephant”.

Em um disco conceitual como esse, em que todas as canções estão amarradas por uma tristeza comum, “Balcony Man” encerra servindo como uma redenção.

Cave repete seis vezes que “Esta manhã é incrível/ Assim como você”. Mas a conclusão que vem a seguir é menos palatável, mudando o ditado de que o que não te mata te faz mais forte.

Para o artista, não é bem assim: “O que não te mata te deixa mais louco”. Deve ser difícil ser Nick Cave nesses tempos atuais.

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