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Semanas de moda de Paris, Londres e Milão sonham com casulos para o pós-pandemia

Desfiles mostraram menos novidades e mais retalhos de ideias do presente, com sobreposições, aconchego e pitada de glamour

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Desfile da Hermès na semana de moda de Paris

Desfile da Hermès na semana de moda de Paris Divulgação

São Paulo

Se alguém pudesse fugir para um lugar onde não enfrentasse um vírus letal e não precisasse andar nas ruas com destino certo, qual roupa gostaria de vestir?

Para parte do mundo sem horizonte de imunização, a resposta poderia esbarrar na fantasia do passado pré-Covid. Mas para a outra que já pode sonhar em tomar de volta dois dos hobbies mais antigos da humanidade —andar sem rumo e se adornar para isso—, a moda preparou respostas prontas para vestir.

Os desfiles de prêt-à-porter de inverno 2021 que terminaram nesta quarta-feira (10) em Paris, encerrando uma extensa programação de filmes exibidos virtualmente desde a temporada masculina de janeiro, mostraram menos novidades –talvez porque, por ora, não façam mesmo sentido– e mais retalhos de ideias do presente para emoldurar o look das ruas pós-pandemia.

Ele seria, segundo um olimpo que inclui dos medalhões Hermès, Chanel, Prada e Louis Vuitton aos mais “fashionistas” Dries Van Noten, Rick Owens e Isabel Marant, uma roupa que una conforto, essencial para entender a explosão dos moletons pandêmicos, mobilidade e uma estética menos apoiada no simplismo dos básicos adotados no isolamento.

Não haveria resquícios das estruturas rígidas da costura clássica, séria demais para um mundo que espera leveza, ou dos vestidos e saias que limitam os passos. Para a Prada, ainda na semana de moda de Milão, o que está por fora e por dentro da roupa convergem como um afago.

Por debaixo, segunda peles de macacões ou blusas de tricô, e por cima, combinações de casacos com desenho ampliado, espécies de casulos para se proteger do frio –ou, quem sabe, do sentimento de insegurança que pode dar a tônica desse retorno paulatino.

A coleção feita em parceria com o festejado estilista belga Raf Simons carrega os cortes de alfaiataria que o tornaram famoso, mas as mangas são dobradas, as calças, retas, e os shorts que complementam a parte debaixo, soltos para dias de correria.

O hibridismo deu o tom de todas as coleções, com peças intercambiáveis, fáceis de assimilar e, em algum ponto das apresentações, quase monótonas pela uniformização. Porém, se vistas pela perspectiva de quem as usa, as coleções ganham valor.

Na Hermès, por exemplo, a estilista Nadège Vanhee-Cybulski levou para o desfile uma série de conjuntos que fundiam o peso do couro, matéria-prima intrínseca a uma grife nascida no universo da selaria, com bases leves de jeans, pouco vinculadas à imagem classuda da grife francesa.

Não é que as roupas carregam o viés puramente “street”, ironicamente pouco importante nessa cartilha do futuro imaginada para as ruas. Mas elas agregam um desleixo calculado, pouco visto nas coleções anteriores da casa tida como a mais exclusiva do mundo.

Plissados quase lânguidos não fossem os detalhes em couro usados para compor os looks, fendas cortadas com precisão geométrica que descobrem as pernas, e cinturas ajustáveis por elástico compuseram a equação bem dirigida por Vanhee-Cybulski para o último terço do ano.

Vale ressaltar que essas roupas só chegarão às vitrines num momento em que, especula-se, parte dos compradores dessas marcas —parte do hemisfério norte rico e dos consumidores chineses cujos bolsos sustentam toda a máquina fashion—, terão um trânsito aéreo mais ou menos livre para exibir suas compras.

Por isso também, entre o desejo de tomar de volta as doses de glamour permitidas antes da pandemia e a clareza de que o mundo não é o mais o mesmo, a estilista Virginie Viard, da Chanel, foi buscar em noites intermináveis dos 1970 o brilho, os grafismos e as sobreposições –na prática, essa temporada foi quase toda sobre as camadas possíveis de usar num corpo só.

Suas modelos caminhavam por um cenário esvaziado, mas se divertiam ao misturar tops, transparências, tecidos reluzentes e toda a sorte de peças interditadas no guarda-roupa. Há uma dose cavalar de otimismo nessa receita, mas que dialoga com os novos tempos almejados pela costura.

Não foi coincidência que palavras como esperança, positividade e resiliência tenham sido usadas como alicerces dos curtas exibidos. As mensagens eram sempre ilustradas na tela por ideias de viagens distantes, como para as montanhas nevadas filmadas pela Miu Miu, ou sonhos mais próximos da elite para a qual essas marcas falam, a exemplo da pista de pouso transformada em passarela pela Balmain às portas de um boeing da Air France.

Com os pés mais fincados no chão, a Louis Vuitton resumiu o espírito escapista da temporada numa mistura clara da roupa esportiva, já triturada à exaustão pelo varejo pré-pandemia, com o aconchego dos edredons que muita gente se envolveu nos últimos meses.

Assim como fizeram as marcas Loewe e Rick Owens, que elevaram ao máximo essa ideia de enfiar trajes acolchoados gigantes para explorar a peça mais usada na cama depois do pijama, o estilista Nicolas Ghesquière pareceu criar edredons vestíveis em formato de casacos.

E como se despertasse de uma noite de pesadelos sem muita paciência para pensar ideias novidadeiras, a moda quer vestir as pessoas não com uma última tendência, mas com roupas de quem, mesmo amarrotado, saiu fugindo porque não via a hora do sono acabar.

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