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'Alvorada' tem tom melancólico porque já sabemos como história acaba, dizem diretoras

Lô Politi e Anna Muylaert participaram de debate da Folha sobre filme que acompanha Dilma Rousseff durante impeachment

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São Paulo

Quando Lô Politi e Anna Muylaert viajaram até Brasília para perguntar a Dilma Rousseff se poderiam filmar seu dia a dia, elas não esperavam uma aceitação imediata. Afinal, “ficamos dentro da casa dela em um dos momentos mais difíceis de sua vida”, contaram as diretoras em live da Folha, nesta quarta-feira (26), mediada pela repórter especial Fernanda Mena.

O resultado das filmagens foi o documentário “Alvorada”, que estreou em abril no festival É Tudo Verdade, e entrou nesta quinta-feira nos serviços de streaming e nos cinemas.

O filme, rodado entre julho e setembro de 2016, acompanha os bastidores e o cotidiano de Dilma Rousseff durante quatro meses entre a abertura do processo de impeachment e a sua destituição pelo Senado.

Mas justamente por ser um período tão complicado, avalia Muylaert, foi o que talvez tenha motivado a decisão de ser filmada tão de perto. “Ela queria construir uma narrativa do lado dela em meio a toda aquela violência.”

A professora de ciência política da PUC-SP, Vera Chaia, que também participou da conversa, concorda com a avaliação e diz que, quando comparado com outras obras recentes sobre esse período da política brasileira, como “Democracia em Vertigem'' (2019), de Petra Costa, e “O Processo” (2018), de Maria Augusta Ramos, “Alvorada” se destaca por ser mais intimista.

"Você acompanha o sofrimento dela, vê a angústia nos atores políticos próximos à presidente, no PT", diz. E, nessa intimidade, concordam as três convidadas, o sentimento de melancolia perpassa por toda a obra.

“Sabemos que terá um fim trágico e isso dá o tom no filme”, acrescenta Politi. À época, Dilma apelidou o palácio de “bunker da resistência”. O edifício modernista de Oscar Niemeyer, com linhas de concreto duras e espaço vazio, parece alheio a toda a turbulência política.

O filme mostra como, no meio de todo turbilhão político, a rotina dos funcionários —de limpar a piscina, arrumar o jardim, lustrar os talheres de prata— persiste como se nada estivesse acontecendo. “Esse contraste reforça o tom melancólico. Ela vai passar, e as coisas continuam”, afirma Politi.

“Deu uma angústia, ela andando e andando naquele palácio vazio, entrando de sala em sala, recebendo advogados, sabendo, e nós também, que não ia dar em nada”, diz Chaia.

Mas, se por um lado, o filme mostra Dilma sozinha, num reflexo de sua dificuldade de se articular politicamente, continua a professora, também mostra um outro lado de sua personalidade. “Uma Dilma definida, que não chorou em nenhum momento em frente às câmeras, que é o significado de sua personalidade forte de quem lutou na ditadura, foi presa, torturada.”

“Todo mundo em volta vai caindo, vai se desmontando. No final, quando ela se despede, as pessoas estão aos prantos e ela, sorridente”, complementa Politi.

Sobre a relação entre as diretoras e a presidente, Muylaert e Politti acreditam que talvez, quando tenha aceitado a proposta, Dilma não imaginasse o desconforto que seria uma câmera a perseguindo a todo o momento.

Mas,​ se no começo, a presidente aparece em planos fechados, sua imagem começa a se distanciar do espectador ao longo do filme. “Ela vai aparecendo em planos mais abertos, até ficar em terceira pessoa”, diz Muylaert.

“Ela foi se cansando, mas [esse distanciamento] teve um valor. Como se ela fosse se tornando uma pessoa menos acessível e mais mítica dentro da estrutura do filme, como se saísse do poder para entrar para a história.”

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