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Cinema Ásia

'Mães de Verdade' reitera dom de Naomi Kawase para captar o mínimo

Esforço da cineasta japonesa oferece asperezas que, no conjunto, anulam pieguice do filme

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Mães de Verdade

  • Quando Estreia nesta quinta (13)
  • Onde Cinemas de São Paulo e Brasília
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Hiromi Nagasaku, Aju Makita, Arata Iura, Reo Sato
  • Produção Japão, 2020

O cinema de Naomi Kawase parece estar, hoje, a anos-luz daquele que transformou a cineasta japonesa em nome cultuado por cinéfilos à caça de autoria.

Em mais de um momento, “Mães de Verdade”, longa mais recente de Kawase que chega aos cinemas agora, confirma a impressão que a diretora trocou a intensidade sensorial e metafísica que distinguia seus primeiros filmes por uma forma apenas sentimental, por histórias saturadas de efeitos emocionais fáceis, aqueles que nos fazem comentar ao final da sessão: “que filme sensível!”.

Sim, parece abissal a diferença entre os filmes da fase que culmina em “A Floresta dos Lamentos”, de 2007, e as realizações da diretora a partir de “O Segredo das Águas”, de 2014 . Sim, “Mães de Verdade” usa e abusa de planos em contraluz para quem gosta de ser cegado pela bela fotografia. Mas, sim também, o filme oferece asperezas e propõe desequilíbrios narrativos que, no conjunto, anulam sua pieguice.

Fiel a seu projeto original, Kawase é fascinada por essências e acredita no cinema como um olho que enxerga o que não vemos, o esquecido, o subterrâneo, aquilo que não é considerado.

Depois de mergulhar na densidade de questões físicas e metafísicas relacionadas à vida e à morte, ao amor e ao sentimento do mundo, a cineasta busca em “Mães de Verdade” alcançar os afetos sob a ideia de maternidade. Para isso, cruza duas histórias em torno do pequeno Asato.

Um incidente no jardim de infância introduz um primeiro tremor neste filme organizado como uma sucessão de falhas, de equilíbrios instáveis, de abalos quase imperceptíveis.

Satoko, mãe do menino, é chamada pela escola porque o filho, supostamente, machucou um colega. A partir desse lance banal, que funciona como sobressalto narrativo, a primeira parte de “Mães de Verdade” percorre a gama de sentimentos associada ao desejo de maternidade.

Kawase reafirma aqui a capacidade de seu cinema de captar o mínimo, as nuances da intimidade, os temores, a expectativa ou as frustrações que aparecem na forma de uma reação, de vibrações. São modos de mostrar o aspecto indizível dos afetos, modos correspondentes ao que Kawase conseguia, nos primeiros filmes, quando filmava a natureza como mistério e força.

Um segundo drama completa e expande a primeira parte. A experiência da maternidade da adolescente Hikari carrega os traços da dor, da perda, do abandono. Kawase percorre esta outra narrativa de uma perspectiva física, filmando o trabalho excepcional de interpretação de Aju Makita como se ela fosse um bloco de natureza, pedra ou árvore, arrancado do solo, atirado a fluxos visíveis e invisíveis.

Os antigos entusiastas do trabalho da diretora japonesa podem sentir falta dos mergulhos panteístas que Kawase conseguia alcançar na primeira parte de sua obra. “Mães de Verdade”, no entanto, não abandona este projeto original, ao contrário.

Da mesma forma que os primeiros filmes materializavam ideias em imagens, partilhavam o sensível de modo sensorial, “Mães de Verdade” mostra que o esforço agora é compartilhar sentimentos. O que, em nosso tempo brutal, não é pouco.

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