Filme afegão reflete sobre a importância da fala e da escuta para a emancipação

'A Pedra da Paciência', de 2012, foi debatido na última edição do Ciclo de Cinema e Psicanálise

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Guarulhos

O drama afegão “A Pedra da Paciência”, do premiado escritor e cineasta Atiq Rahimi​, estreou nos festivais de cinema há quase uma década, mas segue dialogando com o cotidiano ao refletir sobre temas como a fala, a escuta, a violência e a religião.

Em pouco mais de 1h e 40 minutos, o longa entrelaça os quatro eixos ao contar a história da protagonista, uma mulher muçulmana cujo nome não é dito ao público, que cuida de seu marido, um herói de guerra que está em coma. Residente numa área de conflito armado, ela se divide entre os cuidados médicos, a criação das duas filhas pequenas e seu processo de autoconhecimento.

Isolada com o esposo, a mulher, interpretada pela iraniana Golshifteh Farahani, inicia um monólogo confessional no qual conta seus segredos, desejos e mágoas, sentimentos suprimidos ao longo de 10 anos de relação conjugal nos quais ela não pôde falar. Daí vem o nome “pedra da paciência”, um dito popular da cultura persa segundo o qual homens e mulher compartilham seus pensamentos com uma pedra e, quanto esta se quebra, eles estão livres —na metáfora do longa, a pedra seria o marido.

Para a psicanalista Luciana Saddi, é impossível não traçar uma associação com o processo de escuta analítica. “A análise organiza uma oportunidade de falar e ser escutado, algo bastante raro.”

Por meio da verbalização dos sentimentos chega-se ao autoconhecimento e também à cura, o que o filme mostra. “Do processo de análise surge a autonomia. Quando alguém fala em nome próprio e não se sujeita ao saber do outro, a pedra da paciência já pode ser despedaçada.”

Saddi participou como mediadora de um debate sobre o filme na última terça-feira (8), no âmbito do ciclo de Cinema e Psicanálise, evento virtual promovido pelo Museu da Imagem e Som (MIS), com apoio da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e da Folha.

O médico Luiz Carlos Uchôa Junqueira Filho, membro e ex-presidente da SBPSP, acrescenta que há um elemento importante da busca pela própria personalidade, que pode ser visto tanto na protagonista, quanto em suas filhas.

“Existia uma relação onde o marido era o senhor e a esposa a escrava. Na hora que ele perde a voz [pois está em coma], ela ganha voz; há uma inversão existencial.”

A tomada de consciência da protagonista ocorre ainda em um cenário costurado pela violência da guerra e pela religião, fatores sem os quais o filme perderia sentido, diz o jornalista Diogo Bercito, mestre em estudos árabes, que comanda o blog Orientalíssimo na Folha.

Ele chama a atenção para elementos implícitos no enredo: em nenhum momento, por exemplo, é dito ao público o nome do território onde se passa a história. Ainda que a produção seja do Afeganistão, Bercito explica que o pano de fundo é semelhante para muitos outros países árabes.

“Parece mais correto pensar em termos culturais —da cultura persa e islâmica—, do que em fronteiras.”

Para os olhos ocidentais, é preciso ainda o exercício de afastar preconceitos. “No filme vemos uma versão muito extrema, excepcional e minoritária do que é o islã”, alerta Bercito.

O Afeganistão é um país predominantemente sunita —vertente muçulmana majoritária e considerada a mais tradicional e ortodoxa.

O longa ainda se destaca por ser uma produção afegã. O diretor Atiq Rahimi​ nasceu em Cabul, capital do país, mas fugiu para o Paquistão após a invasão soviética em 1984 e se refugiou em Paris (França) por quase 20 anos.

“O filme é uma ótima oportunidade para parar um minuto e tentar imaginar a vida de uma pessoa em um país desses, ou mesmo a vida de pessoas do nosso país que vivem cercadas de violências diárias”, acrescenta Bercito.

É possível assistir ao filme no Mubi, em mubi.com/mis. É necessário fazer um cadastro prévio, que dá acesso gratuito a todo o catálogo por 30 dias.


assista à íntegra do debate:


A próxima edição do Ciclo de Cinema e Psicanálise debaterá o filme “Druk - Mais uma Rodada”, de Thomas Vinterberg, em 22 de junho. A produção está disponível em diferentes plataformas de streaming, como Now, Apple TV, Google Play, YouTube, Vivo Play e Sky Play​.​

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