Quem é a soprano que foi dos programas de auditório a cantar com Plácido Domingo

Destaque na Europa, brasileira Camila Titinger trabalhará em montagem de 'Carmen' em Londres

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Rio de Janeiro

Era quase meia-noite de um sábado no final de agosto quando a soprano Camila Titinger, de 32 anos, chegou a sua casa em Newham, na região central de Londres.

O tenor mexicano Rafael Rojas, escalado para ser Don José na ópera “Carmen”, do compositor francês Georges Bizet, havia perdido a voz. O quinto ensaio para a montagem, com estreia marcada para 2 de outubro, na Opera North, teve de ser cancelado, e Titinger tomou o primeiro trem de Leeds, no norte da Inglaterra, para voltar à capital.

Três dias antes, a soprano paulistana dera seu cartão de visitas ao elenco, levando o maestro britânico Garry Walker às lágrimas, com a interpretação da ária “Parle-Moi de Ma Mère”. “É uma personagem muito difícil, requer jovialidade e, ao mesmo tempo, elegância”, afirma ela sobre Micaela.

Última ópera de Bizet, “Carmen” estreou em 1875 na Opéra-Comique de Paris e amadureceu como um clássico da grande ópera, subgênero caracterizado pelos elencos numerosos, cenários extravagantes e a presença de um luxuoso balé.

Inspirado na novela de Prosper Mérimée, o libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy se passa em Sevilha, na Espanha, onde Carmen, uma jovem cigana, enfeitiça o cabo Don José com seu charme. Noiva do militar, Micaela tenta recuperar o juízo de Don José, que acaba cedendo às perdições da jovem.

Na montagem do diretor britânico Edward Dick para a Opera North, Carmen é a mezzo-soprano americana Chrystal E. Williams, e a trama se desvela na década de 1960. Na leitura de Dick, Don José é um viciado em drogas, Carmen, uma jazzista, e Micaela está grávida.

Desde 2015, quando foi uma das vencedoras do concurso internacional de canto Neue Stimmen, na Alemanha, Titinger se tornou uma das sopranos brasileiras de maior destaque na Europa.

Um ano depois, já cantava ao lado da Orquestra Sinfônica de Viena, na abertura do Festival Bregenz, realizado na Áustria. No mesmo ano, estreou na França, interpretando a Condessa de Almaviva, em uma montagem de “As Bodas de Fígaro”, de Mozart, na Ópera de Toulon.

Soprano lírico, Titinger se distingue pelo volume de seu canto, além da facilidade com que transita por regiões graves e agudas. Seu timbre versátil logo moldou uma afinidade com o repertório mozartiano. “Mozart tem tudo a ver com a minha ideia de perfeição. Sinto que a música dele é uma manteiga para as minhas cordas vocais.”

Não à toa, escolheu a ária “Dove Sono”, da mesma personagem, para sua performance na Operália, competição fundada pelo tenor espanhol Plácido Domingo que em 2017 aconteceu em Astana, no Cazaquistão.

No dia do recital, porém, Titinger contraiu amidalite, o que a impossibilitou de competir. Por sorte, conseguiu, junto à organização do evento, uma audição fora do certame. Quando já estava indo embora de Astana, Titinger foi surpreendida por Domingo, que, após tecer elogios em público, ofereceu a ela uma bolsa de um ano e meio em sua escola, em Valência, na Espanha.

Começava, ali, a parceria com um dos tenores mais renomados da atualidade.

De volta ao Brasil, Titinger recebeu um convite para acompanhar a rotina do maestro no teatro La Scala, de Milão, durante um mês. Em seguida, viajou com Domingo em uma turnê pela Europa e pelos Estados Unidos.

Os concertos tinham duração de três horas, e o repertório passava por “O Mio Babbino Caro” —"Gianni Schicchi", de Giacomo Puccini— e “Melodia Sentimental” —Heitor Villa-Lobos. “Ele é uma lição de comportamento, muito delicado nas orientações e muito claro.”

Filha de um cardiologista e uma pianista, Titinger foi criada no bairro Granja Julieta, na zona sul de São Paulo. Fantasiada de princesa, já aos dois anos cantava músicas dos desenhos da Disney na escola.

Aos dez, foi selecionada pelo diretor Wilton Franco para fazer parte do elenco do programa “Gente Inocente”, da TV Globo. Suas aparições em rede nacional resultaram em uma proposta de parceria com o padre Marcelo Rossi. Sua mãe aceitou o convite para Titinger participar de uma turnê e gravar uma das faixas do disco “Terra Nostra 2”, de 2000.

Hoje, a soprano acha que a mãe acertou, pois, à época, era a única maneira de uma menina gravar um CD. Por outro lado, foi castigada pelo “bullying” na escola. “Ficavam imitando a dança da ‘Reis dos Reis’”, diz, mencionando a famosa canção do padre.

Menina-prodígio, Titinger esteve nos estúdios dos principais programas de televisão do país. No programa de Gugu Liberato, cantou “My Heart Will Go On”, de Céline Dion. No "Mais Você", entoou canções natalinas. “Ficava com medo do Louro José e fiquei chateada quando descobri que tinha um homem por trás do boneco.”

Já no "Programa Livre", de Serginho Groisman, teve dificuldades para cantar os sucessos de Shakira. “Só havia jovens na plateia. Quando eles aplaudiam, achava que estavam debochando, como os meninos da escola.”

Titinger só entrou na faculdade de música na Unesp, a Universidade Estadual Paulista, porque seu pai exigia um diploma para dar a ela um carro de presente. Formada, entrou para o Ópera Estúdio, da Emesp, Escola de Música do Estado de São Paulo, onde surgiram os primeiros convites para apresentações.

Morando em Londres desde 2019, quando cantou em “Don Giovanni”, de 1787, de Mozart, no Garsignton Opera Festival, Titinger voltou ao Brasil em março do ano passado para o casamento de um primo e foi surpreendida pela pandemia.

Em São Paulo, aproveitou o tempo para aprimorar a técnica com a ajuda do pianista Ricardo Ballestero. No tempo livre, a cantora maratona a série “Friends”, ouve Céline Dion e Lara Fabian e joga golfe. “É um esporte silencioso, ninguém berra, é ótimo para a minha voz.”

Em agosto de 2020, foi Maria Alcoforado, personagem principal de “Cartas Portuguesas”, de João Guilherme Ripper, que estreou na Sala São Paulo. “Não quero ser famosa, como muitos da música popular, quero a confirmação do meu talento.”

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