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Último dia da Flip começa com reflexões sobre arte e a sensibilidade das plantas

Cantora Adriana Calcanhotto e o filósofo italiano Emanuele Coccia conversaram sobre a vida sob um ponto de vista botânico

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Nathan Fernandes
Ubatuba (SP)

No encontro deste domingo que marcou a abertura do último dia da Flip 2021, a poética das plantas foi o grande destaque.A mesa "Metamorfoses" contou com participação do filósofo Emanuele Coccia e da cantora Adriana Calcanhotto, que conversaram sobre família, morte e a vida sob um ponto de vista botânico.

O interesse de Calcanhotto pelas plantas pode ser visto em trabalhos como "A Mulher do Pau-Brasil", que foi idealizado como "concerto-tese", resultado da residência artística feita na Universidade de Coimbra, da qual a artista é professora e embaixadora desde 2015.

A relação com a mulher, Suzana de Moraes, vítima de um câncer em 2015, também ajudou a cantora a ter um olhar atento às plantas. "Suzana era jardineira, mais do que cineasta", definiu. "Nesses 25 anos que vivi com ela, as plantas sempre estiveram muito presentes. Quando estava viva, sempre que queria encontrá-la era só seguir a mangueira, que ela estaria em uma das pontas."

O filósofo italiano Emanuele Coccia
O filósofo italiano Emanuele Coccia - reprodução/selvagem ciclo

Na visão de Coccia, que dedicou um de seus livros ao irmão gêmeo já morto, "morrer significa apenas mudar a forma da presença". Para ele, toda a vida terrestre descende de uma única fonte de vida, a do próprio planeta. "A única forma de fundar uma ética ecológica é reconhecer isso, que, apesar de diferentes, assim como irmãos gêmeos, temos todos a mesma origem."

Coccia é um dos pensadores mais conhecidos do que se convencionou chamar de "virada vegetal", na qual a sensibilidade e a inteligência das plantas passam a ter um destaque inédito na cultura do Ocidente.

Em livros como "Metamorfoses", da editora Dantes, e "A Vida das Plantas", da Cultura e Barbárie, o italiano reflete sobre a importância da centralidade desses seres não humanos.

Normatizando a ideia de que plantas e animais são indivíduos dignos de respeito, o filósofo propõe novos questionamentos. "A pergunta é o que queremos fazer com esses novos amigos que foram excluídos durante séculos?", aponta. "É uma pergunta mais estética do que moral, tem relação com a quantidade de prazer que queremos trocar com os indivíduos não humanos, e os grandes especialistas no prazer sensível são os artistas."

Nesse sentido, antes de encerrar a mesa com uma música, Calcanhotto comentou o projeto no qual criou um estúdio, no meio da mata, em Paraty, no litoral fluminense, para registrar suas novas composições. "A música é permeável ao meio", afirma. "A diferença entre gravar um disco em Copacabana e aqui é impressionante. Nossas sensações, o jeito que a gente fica, tudo isso vai para a música. E Paraty é um lugar com muita cultura oral para ser registrada."

A concepção de mundo que se abre, ao compreendermos a ideia de que nem toda inteligência necessita de um cérebro nos moldes humanos, tem, para Coccia, uma consequência avassaladora.

"Isso nos leva para uma relação completamente nova com os demais seres vivos, passamos a ter com eles a mesma relação que um antropólogo tem com culturas diferentes", diz ele, concluindo que "isso significa que estamos inseridos em um imenso universo de culturas com as quais temos muito a aprender, e a arte tem um papel fundamental nisso".

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