Ao abrir a porta do quarto, Nita Pronovost tomou um susto com o que se deparou. Uma camareira estava segurando as calças que a escritora havia usado naquela manhã para correr. Hospedada no hotel em Londres a trabalho, Nita percebeu que a desconhecida sabia muito sobre sua intimidade ao apenas limpar e arrumar o quarto diariamente. A autora, por outro lado, não sabia nada sobre a funcionária.
A cena ficou marcada na memória de Nita —e se tornou a ideia que deu origem a seu romance de estreia, "A Camareira", que ela assina como Nita Prose. "Foi como ser atingida por um raio", diz a canadense de 49 anos. No avião, voltando para casa, ela ouviu com clareza a voz da protagonista, a camareira Molly, em sua cabeça. O primeiro rascunho do prólogo foi improvisado no guardanapo sob o drinque.
Há mais de dez semanas na lista de best-sellers do The New York Times, "A Camareira" traz a personagem-título em um quiproquó e tanto. Depois de encontrar um defunto em um dos quartos do hotel cinco estrelas em que trabalha com afinco, Molly é a principal suspeita de matá-lo.
A personagem é neurodivergente —a interpretação que ela faz do mundo é literal. A querida avó que a criou lhe servia de intérprete, mas morreu há poucos meses. Molly, uma jovem mulher da classe operária londrina, se vê sozinha no centro do mistério, e o que há por trás da opulência do Hotel Regency Grand vem à tona.
"A Camareira" é um "whodunnit" —gênero que aborda crimes a serem desvendados— narrado em primeira pessoa pela ótica de Molly e traz fortes traços de Agatha Christie, a mestre dessas histórias. A obra de Prose antecipa o leitor em relação à camareira, que prejudica a si mesma por não perceber nuances e cair em mal-entendidos.
Afinal de contas, quem matou o Sr. Black, o empresário ricaço do ramo imobiliário? A esposa dele, Giselle, uma jovem socialite atrapalhada e de bom coração? Rodney, o bartender gato por quem Molly tem uma queda? Ou o Sr. Preston, o simpático porteiro? O gerente do hotel, Sr. Snow, parece estar mais ansioso do que o costumeiro. Molly, por sua vez, tem um passado misterioso —por que a responsável pelo crime não poderia ser ela mesma?
"Hotéis são lugares fascinantes, porque assim como algumas pessoas, eles têm duas caras", explica a autora. "Por trás da fachada, tem uma vida secreta. Os funcionários labutam intensamente no andar inferior para criar a ilusão de luxo pela qual os hóspedes pagam."
"A Camareira" tem uma consciência política inspirada no filme "Entre Facas e Segredos". Os trabalhadores invisíveis do setor de serviços —faxineiras, motoristas, cozinheiros— são principalmente mulheres, pobres e imigrantes, e isso se reflete no estabelecimento em que a história acontece. A pandemia, defende a escritora, nos mostra que este é um grupo social cujo trabalho deve ser mais valorizado.
O tom otimista adotado por Prose tem aberto caminhos ao livro, o que é um diferencial, dado que o "whodunnit" é conhecido por se apoiar no que há de sombrio nas pessoas. "A Camareira" é um "cozy mystery", uma rentável categoria literária em que prefere-se a leveza e o "aconchegante" ao sexo e à violência mencionados diretamente. Prose tem dito em entrevistas que o mistério do livro só pode ser solucionado com o coração humano.
"Eu quis colocar no mundo uma história que transmitisse uma sensação de bondade e, com esperança, inspirasse os leitores a serem o melhor que podem ser", diz.
Prose, que além de escritora é vice-presidente e diretora editorial da Simon & Schuster do Canadá, já foi professora de alunos com necessidades especiais, uma experiência que também inspira a trama. A garotada apresentava alta capacidade de adaptação e resiliência ao lidar com a crueldade das pessoas ditas "normais", ela conta.
"Foi importante escrever sobre como somos todos iguais e ainda assim, individualmente, diferentes. As pessoas ‘fracas’, na verdade, podem ser muito fortes."
O romance foi destaque no "Good Morning America", da emissora ABC, um dos mais populares programas de TV dos Estados Unidos, e teve uma adaptação ao cinema encomendada pela Universal Pictures, com Florence Pugh encabeçando o elenco. A atriz, uma das atuais queridinhas de Hollywood, é produtora executiva do filme com Prose. Molly há de circular com o carrinho de limpeza por mais corredores.
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