Um pacote com mais de 80 desenhos chegou às mãos do curador Marcus Lontra durante os preparativos das mostras da Estação Cultural de Olímpia, espaço inaugurado na cidade do interior de Sâo Paulo no ano passado.
O que um colecionador conhecido do prefeito da cidade guardava nesse grande empilhado eram todos trabalhos do artista e arquiteto modernista Flávio de Carvalho que nunca foram exibidos para o público. E, brinca Lontra, ainda bem que eles ficaram numa cidade seca como Olímpia —fosse no litoral, os desenhos já estariam tomados de bolor a essa altura.
Precisou de um restauro relativamente simples para que os trabalhos compusessem a principal exposição de inauguração do espaço. Com retratos de mulheres se repetindo entre as obras, o organizador resolveu investigar o feminino na obra do artista que ele considera o "enfant terrible" do modernismo brasileiro.
As 40 obras exibidas, entre gravuras, pinturas e os próprios desenhos são parte importante do trabalho de Carvalho, defende Lontra, porque nelas estão reveladas os gestos rápidos e incisivos do artista. É uma agilidade expressionista que desvela a intimidade daquelas pessoas.
"A questão expressionista na obra de Flavio de Carvalho tem um erotismo e uma sexualidade curiosos", diz ele.
São qualidades comuns num passeio bem amplo de materiais. Além dos trabalhos mais clássicos com nanquim, o conjunto de obras tem desenhos em que o artista já trabalhava com uma caneta piloto neon, e indica que ele foi até o fim da vida inquieto na experimentação de linguagens.
Isso é reflexo da trajetória mais macro do artista de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, que foi pioneiro da arquitetura moderna no país, fez experimentações teatrais importantes e, com frequência, teve exposições fechadas pela polícia sob alegação de atentado ao pudor e de imoralidade.
Segundo Lontra, Carvalho e Di Cavalcanti são os dois modernistas com obras em que a presença da mulher é recorrente, mas Carvalho se afasta da romantização desses corpos com essas pinceladas mais agressivas. Aqui, os retratos mobilizam uma angústia e até a miséria da existência humana.
Nesse grupo dos artistas modernos, aliás, o artista também é como um "cometa de órbita distinta", defende o organizador, para quem é importante que a mostra aconteça no interior do estado de São Paulo —apesar de haver expectativa de que os trabalhos sejam expostos na capital paulista.
A Estação Ferroviária de Olímpia, onde essas obras são exibidas, funcionou até 1968 quando foi desativada e substituída por rodovias. Foram 15 anos sem uso até se tornar um centro cultural, com obras iniciadas em 2019.
"Ao começar a exibir essas obras aqui, a gente coloca em foco a força do interior", diz Marcus Lontra. "Nesse cenário do modernismo paulista, Flávio era um estranho. Ele mostra que tinha muita coisa rolando fora do Rio de Janeiro e de São Paulo."
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