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Apocalipse e caos do governo Bolsonaro regem novo livro do cartunista Galvão Bertazzi

'Vida Besta: Fim do Mundo' reúne tiras catastróficas que espelham os dramas do Brasil contemporâneo

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São Paulo

Um dia o quadrinista Galvão Bertazzi sentiu prazer em desenhar seus personagens pegando fogo. Em seguida ele incendiou os cenários. Depois as tiras ganharam temáticas apocalípticas. Isso tudo foi lá para 2018, mas segue assim até hoje. E é esse o recorte de "Vida Besta: Fim do Mundo", coletânea mais recente do autor.

Colaborador deste jornal, Bertazzi criou a série "Vida Besta" em 1998. O mote da série sempre foi a banalidade da vida cotidiana e a falta de um sentido maior para a existência. Nos últimos anos, ele incorporou à série o caos e niilismo do governo de Jair Bolsonaro e de uma pandemia que já matou mais de 680 mil brasileiros.

Um homem sentado em um sofá, abre uma bebida enquanto observa um meteóro flamejante caindo do céu de cor laranja
Capa de 'Vida Besta: Fim do Mundo', de Galvão Bertazzi - Divulgação

"Não pensei ‘agora vou fazer tiras catastróficas’", lembra o autor, falando sobre o início da fase retratada no livro. "Acho que foi um caminho natural dos desenhos e das temáticas que já povoavam meu trabalho de tiras. Pode ser que estejamos vivendo assim atualmente, fingindo uma normalidade enquanto a realidade desaba. Como as tiras sempre foram sobre nosso cotidiano, foi natural enveredarem para um cenário apocalíptico."

Uma das tiras do livro mostra uma fila de pessoas aplicando álcool em gel no próprio corpo em direção a uma mulher que joga um fósforo aceso contra cada uma delas. Em outra, uma moça faz um ritual satânico, se confunde e bota fogo no mundo —não nas velas ao seu redor. E ainda tem aquela do sujeito que instalou uma prateleira para assistir ao fim do mundo pela TV.

Tudo isso é ilustrado com o traço caricato e as cores quentes sempre presentes na produção de Bertazzi. Aliás, o laranja e o vermelho característicos do autor se tornam ainda mais apropriados em meio aos ares explosivos e infernais de sua produção recente.

"Essa ideia de urgência incendiária sempre esteve presente na minha paleta, tanto nas tiras quanto nas ilustrações e pinturas", afirma o artista. "Eu gosto dessa coisa quente e exagerada, gosto de colocar meus personagens vivendo normalmente em todo esse ambiente incendiário e voraz."

"Fim do Mundo" acaba por refletir muito dos dramas internos do artista nos últimos anos. "Eu desisti de tentar entender e racionalizar o misto de sentimentos, medos, anseios pelos quais fui atropelado nesse período de pré-pandemia, pandemia e pós-pandemia, já com a abertura geral de tudo, aglomerações e gente feliz e contente na rua como se não existisse amanhã."

A obra ainda reúne as tiras publicadas por Bertazzi na Ilustrada como substituto de Laerte, durante o período da autora afastada depois de ser internada com Covid-19. Ele classifica a experiência como "um misto de emoções" —apesar de grato pela oportunidade, também se viu sob a responsabilidade de substituir um dos maiores nomes das HQs nacionais num contexto atípico.

Série de quadrinhos unidas no livro 'Vida Besta: Fim do Mundo', de Galvão Bertazzi
Página de 'Vida Besta: Fim do Mundo' - Reprodução

"Em outro cenário, teria comemorado", afirma o autor. "Mas o convite de manter o espaço da Laerte funcionando enquanto ela se recuperava da Covid me deixou meio confuso. Eu não fiz alarde e procurei fazer o meu trabalho da melhor maneira possível, ansiando loucamente por devolver o posto para a Laerte."

Apesar de sua fase apocalíptica ainda em curso, Bertazzi diz não se considerar exatamente pessimista —mas tampouco particularmente otimista. Aos 44 anos, ele afirma estar suficientemente calejado para imaginar "um futuro bonito com todos de mãos dadas, respeitando e ajudando mutuamente". Ou até mesmo imaginar um futuro.

"Não sei se a humanidade vai deixar de existir. Seria bom, se acontecesse", diz ele, sobre os rumos da vida na Terra. "Mas não duvido da insistência e da teimosia da nossa espécie. É capaz de seguirmos por mais uns bocados de séculos, vagando por um pasto gigantesco ou uma plantação de soja, carregando respiradores e roupas com fator UV elevado."

Vida Besta: Fim do Mundo

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