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Silvina Ocampo, em 'As Convidadas', comprova imaginação exuberante

Livro traz contos que enveredam para o inesperado, apesar de autora argentina por vezes cair na trivialidade

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As Convidadas

  • Preço R$ 79,90 (264 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Silvina Ocampo
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Livia Deorsola

A originalidade da escritora argentina Silvina Ocampo não é menor que a de seu marido Adolfo Bioy Casares ou de seu amigo Jorge Luis Borges. Sua importância tampouco.

Com sua voz característica, ela é precursora de uma linhagem que reúne algumas das autoras mais interessantes da atualidade —Mariana Enríquez, María Fernanda Ampuero e Carmen Maria Machado, para citar três exemplos—, cujo registro, mesmo quando se leva em conta suas diferenças de estilo e temática, vai muito além do realista.

Capa do livro "As Convidadas", de Silvina Ocampo
Detalhe da ilustração para a capa do livro 'As Convidadas', de Silvina Ocampo - Divulgação

"As Convidadas" reúne 44 contos muito diferentes entre si. É difícil encontrar um denominador comum menos vago e fugidio do que a já mencionada voz de Ocampo. Dezenas de personagens, cenários e situações têm seus contornos delineados em narrativas de abordagem e extensão variadas. Até mesmo o realismo está lá, embora não predomine.

O próprio tratamento pode, aqui, assumir qualquer tom entre o humor matreiro —"Carta Debaixo da Cama", o hilário "A Galinha de Marmelo"— e a tristeza dilacerante —"O Mouro", "A Escada". Ocampo transita bem por todos.

O caso é que, quando se trata da literatura de Ocampo, quase sempre estamos diante ou de uma situação insólita —crianças que voam, por exemplo— ou de um observador que confere sentidos insólitos a uma situação mais ou menos corriqueira —ou seja, os narradores e personagens são muitas vezes versados em decodificar e interpretar sinais que nem sequer percebemos ou julgamos existirem.

No excelente "Visões", uma mulher que convalesce em um leito de hospital experimenta estados alterados de consciência. Sons e imagens comuns assumem, para ela, significados inusitados que dependem em boa medida da memória e da imaginação.

O final exemplifica bem a flutuação de sentidos no léxico abrangente de Ocampo. "Um leito não é sempre um leito. Há o leito do nascimento, o leito do amor, o leio da morte, o leito do rio."

Mesmo a estreiteza de visão é apresentada como algo fascinante e como uma espécie de problema filosófico, sempre com humor. Para evidenciar a ingenuidade de uma personagem, Ocampo escreve que ela "achava que as sereias existiam porque figuravam nos dicionários".

Alguns contos, como "Fora das Jaulas", assumem deliberadamente um tom de uma fábula infantil em que os animais, embora não sejam antropomorfizados, desempenham um papel central. Outros exibem uma estranheza desconcertante e perturbadora —e que em nada lembra as histórias para crianças—, como "A Cara na Palma" e "A Expiação".

Não raro uma narrativa de Ocampo envereda, uma ou mais vezes, por um caminho totalmente inesperado. Veja o conto que dá título ao livro, no qual os pais do menino Lucio planejam levar o filho ao Brasil. Lucio acaba contraindo rubéola e, além de não poder se juntar a eles para conhecer "o Corcovado, o Pão de Açúcar e a Tijuca", tem de comemorar o aniversário de seis anos isolado de todos.

No último minuto, porém, como se Lucio fosse um adolescente que aproveita a ausência da família para dar uma festa, eis que começam a chegar à casa, diante do olhar atônito da babá, uma série de meninas saídas não se sabe de onde. Ocampo então desfia, numa espécie de comédia humana em miniatura, as características e comportamentos inusitados das pequenas convidadas de Lucio.

Em alguns contos, no entanto, ela escorrega justamente na banalidade e na previsibilidade, algo que sua imaginação no geral exuberante e seus expedientes incomuns tornam ainda mais evidente.

Mas há de se ter um certo cuidado aqui. Em Ocampo, mesmo num contexto que aparenta ser banal, algo tende a estar levemente deslocado ou distorcido, provocando uma sensação inquietante que o leitor nem sempre consegue identificar de imediato.

Feita a ressalva, nem todos os contos são, de fato, ótimos. É o caso de "O Crime Perfeito", cujo humor bobinho só faz diminuir sua estatura ao lado de verdadeiras pérolas do gênero, numa prova de que mesmo a literatura de Ocampo consegue, embora raramente, cair na trivialidade.

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