Descrição de chapéu
Livros LGBTQIA+

Obra de Paul Preciado acusa a psicanálise de domesticar transexuais

'Eu Sou o Monstro que Vos Fala' tem na íntegra palestra do filósofo em Paris, marcada por reação negativa da plateia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marilene Felinto

Autora de "Mulher Feita e Outros Contos" e "As Mulheres de Tijucopapo". Mantém o site marilenefelinto.com.br

Uma plateia de 3.500 psicanalistas assistiu perplexa e ultrajada a uma conferência de Paul B. Preciado em 2019, o filósofo espanhol "transexual" —assim, entre aspas, ele utiliza essa palavra— convidado a falar na Jornada Internacional da Escola da Causa Freudiana em Paris.

Preciado não mede palavras na crítica ácida que pronuncia, então, à prática psicanalítica como tecnologia de gestão do aparelho psíquico "fechado" na epistemologia patriarcal e colonial da diferença sexual, do binarismo de gênero, e à opção pelo homem branco heterossexual e burguês como sujeito da enunciação central nos discursos e nas instituições psicanalíticas ainda hoje.

Paul B. Preciado na conferência de abertura da Documenta 14
Paul B. Preciado na conferência de abertura da Documenta 14 - Olaf Kosinsky

Nascido Beatriz, em 1970, Preciado passou por um processo de transição para o gênero masculino em 2014, quando fez de seu próprio corpo objeto de pesquisa desse radical processo de subjetivação.

"Eu Sou o Monstro que Vos Fala" foi publicado pela primeira vez em espanhol, em 2019. Trata-se da íntegra do discurso de Preciado em Paris, abreviado, na ocasião da palestra, pela reação negativa da plateia psi. "Quando pedi às instituições psicanalíticas que assumissem sua responsabilidade diante da atual transformação da epistemologia sexual e de gênero, metade da sala riu, enquanto outros reagiram com gritos ou me pedindo para sair", conta o filósofo.

Ao modo de "relatório" —o subtítulo do livro é "Relatório Para Uma Academia de Psicanalistas"—, a narrativa segue o fio condutor pelo qual um indivíduo que viveu como mulher até os 38 anos começou primeiro por se definir como pessoa de gênero não binário e, em seguida, incorporou-se ao mundo masculino.

Mas que logo constataria que a masculinidade normal e naturalizada não era nada além de uma nova jaula: "Eu não tinha, contudo, nenhum desejo de me tornar um homem como os outros. Sua violência e arrogância política não exerciam em mim nenhuma sedução".

A saída que encontrou para escapar do peso da identidade, das "jaulas" identitárias que experimentou como mulher, lésbica e transsexual masculino foi não se calar, foi falar publicamente: "E então fiz do meu corpo, do meu espírito, da minha monstruosidade, do meu desejo, da minha transição um espetáculo público".

Fala então como o monstro —um mutante, um habitante de outro planeta (Urano, como sugere em outro texto seu)— que foi , segundo ele, construído pelos discursos e práticas clínicas da medicina, da psicologia e da psicanálise: "Eu sou o monstro que se levanta do divã e toma a palavra, não tanto como paciente, mas como cidadão, como um igual monstruoso".

O "monstro" acusa a psicanálise —os "psicanalistas brancos da burguesia, os binários, os patriarco-coloniais", acomodados em sua confortável identidade normativa "esclerosada e rígida"— de ter estacionado nos anos de 1940, de agir para neutralizar a potência dos processos de transição de gênero e de querer domesticar a transexualidade.

Preciado dedica este livro à norte-americana Judith Butler, uma das principais teóricas contemporâneas das questões de gênero, ela que, como o filósofo espanhol, não considera a masculinidade e a feminilidade como fatos naturais, que pensa o conceito de gênero não como escolha imposta ou inscrita no indivíduo, mas como herança social reproduzida de forma "performativa" e "teatral".

Paul B. Preciado revolucionou as teorias sobre sexualidade quando do lançamento de seu "Manifesto Contrassexual" —lançado no Brasil em 2015, pela N-1 e, agora, relançado pela Zahar. É autor também de "Texto Junkie" (N-1, 2018) e "Um Apartamento em Urano" (Zahar, 2020). É filósofo associado ao Centro Pompidou, em Paris, e doutor em filosofia e teoria da arquitetura pela Universidade de Princeton (EUA).

Eu sou o monstro que vos fala: Relatório para uma academia de psicanalistas

  • Preço R$ 39,90 (96 págs.); R$ 27,90 (e-book)
  • Autor Paul B. Preciado
  • Editora Companhia das Letras

Autora de "Mulher Feita e Outros Contos" e "As Mulheres de Tijucopapo". Mantém o site marilenefelinto.com.br

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.