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Brasilidade se tornou virulenta com Bolsonaro, diz Denise Ferreira da Silva

Em 'Homo Modernus', filósofa defende que modernidade global é baseada em violência racial, que exclui e aniquila negros

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Yasmin Santos
Rio de Janeiro

Denise Ferreira da Silva é conhecida por uma visão original sobre a globalização. Para a filósofa carioca, as estruturas da vida moderna são baseadas na violência racial e só por ela são possibilitadas, tese que é desenvolvida no livro "Homo Modernus - Por uma Ideia Global de Raça".

Originalmente publicada em inglês em 2007, a obra percorreu um longo caminho até chegar ao Brasil. O texto é baseado na tese de doutorado defendida por Silva em 1999 na Universidade de Pittsburgh. A autora passou dois anos e meio transformando o trabalho acadêmico em um livro e, em 2005, começou a procurar editoras americanas para publicá-lo.

A artista e filósofa Denise Ferreira da Silva, professor da Universidade de British Columbia em Vancouver, Canadá - @egsvideo no YouTube

Há quase 30 anos nos Estados Unidos, a filósofa leciona na Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, na Monash University, na Austrália, e é professora convidada da Universidade de Nova York. Também artista, Silva já teve obras expostas em instituições como o Centro Pompidou, em Paris, a Whitechapel Gallery, em Londres, e o MoMA, em Nova York.

A tradução de "Homo Modernus", recém-lançada pela Cobogó, nos convida a refletir se o que chamamos modernidade significa nada mais do que o arcaico com um novo verniz. Apesar de mudanças significativas, as estruturas seguem as mesmas.

A eleição de 2018, argumenta, deixou a subjugação racial ainda mais explícita. "Com Bolsonaro, a brasilidade virou virulenta. Nos últimos quatro anos o governo se colocou na posição de defender a brasilidade de todo mundo. De um lado está o Brasil e, do outro, o resto. Eles ficaram com o monopólio da bandeira, do hino e da brasilidade. É o que chamo de mobilização letal da identidade", comenta.

O livro identifica duas modalidades de subjugação racial: exclusão e obliteração. "As ações afirmativas dão conta de mitigar a exclusão. Já as mobilizações contra a violência policial chegam mais perto da lógica da obliteração", defende.

"Os ataques a terreiros de religiões de matriz africana são uma violência para a destruição. Não é uma separação no sentido de que ‘eu vou para a minha igreja e você fica no seu terreiro’. É para não existir. Essa é a lógica da obliteração", comenta.

A primeira vez que a autora tratou dessa lógica foi no mestrado, defendido em 1991 na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ao pesquisar a representação simbólica da cor nas novelas das oito da Globo, Silva se deparou com um ideal de modernidade que ignorava a população negra.

"Não era apenas uma questão de só ter personagens negros em papéis subalternos. Eles não tinham vida interior, não existiam como sujeitos, como personagens modernos", lembra.

A exclusão da modernidade ocorre também com o Nordeste, região que a autora defende ter sofrido um processo de racialização. "A situação econômica e política do Nordeste é sempre explicada por conta do seu percentual de negros e indígenas. É a região mais pobre porque mais preta e indígena", afirma.

"O que podemos chamar de ‘desinvestimento’ em relação ao Nordeste [no início do século 20] coincidiu com o investimento do governo na imigração europeia para povoar o Sul e o Sudeste", diz. "Isso ajuda a explicar, entre outras coisas, a repulsa ao Nordeste —e a região soube fazer do lugar do preto, pobre, indígena um lugar político."

Silva preocupa-se com o modo com que os instrumentos democráticos estão sendo usados para eleger líderes e promover manifestações antidemocráticas. Além de Bolsonaro e Donald Trump, cita a vitória de Giorgia Meloni na Itália, que retoma elementos da tradição fascista e, na Suécia, a liderança de ultradireita autointitulada Democratas Suecos.

"Em cada país há uma movimentação que apela para o que é tradicional e se fundamenta na identidade racial. O objetivo é ocupar os espaços de poder. De um lado, a tomada de decisões que podem excluir pessoas não brancas e, do outro, o controle dos instrumentos repulsivos do Estado", afirma.

"A forma como as populações racialmente subjugadas são construídas é usada como justificativa para o uso da violência —o que torna o trabalho da mobilização política muito mais difícil. A gente vai ter que reorganizar o nosso léxico para lidar com isso", diz.

O desafio de unir o país e retomar os símbolos nacionais foi reiterado no discurso de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a vitória na eleição presidencial deste ano. "O desafio agora é que outros setores o coloquem em prática. O Executivo não vai conseguir fazer isso sozinho", afirma. "Esse discurso é o mapa para sairmos desse atoleiro, mas ainda temos que construir a carroça, temos que pavimentar a estrada."

Homo Modernus - Para uma ideia global de raça

  • Preço R$ 89 (480 págs.)
  • Autor Denise Ferreira da Silva
  • Editora Cobogó
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