Visões cissexistas (sexistas e orientadas pelas normas da cisgeneridade —condição de quem se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer) tendem a invisibilizar a pluralidade das pessoas trans, por isso o uso de termos como "pessoas que menstruam" busca enfrentar o perigo da história única de apagamento de homens trans e pessoas transmasculinas em seus direitos sexuais e reprodutivos.
O incômodo em usar nomes como esse ou "pessoa gestante", que visibilizam particularidades dos sujeitos outrora ignorados, demonstra uma tentativa de se agarrar a concepções que prejudicam a resolução de problemas básicos causados pela transfobia, tais como uso de nome e banheiro, enquanto as mulheres trans e travestis, homens trans, pessoas transmasculinas e não-binárias seguem acossadas.
Homens podem engravidar. Homens trans que gestam recorrem ao suicídio após serem submetidos a um pré-natal precário, tendo que lidar com a ausência de políticas públicas e violência institucional. Jamais se pretendeu, com palavras, excluir mulheres que menstruam e/ou gestam, ou reduzir a cisgeneridade a características biológicas, mas pontuar que também concerne aos corpos transmasculinos temas como gestação, aborto, estupro e saúde menstrual, o que evidencia o caráter ético no uso dessas expressões.
O pensamento de Sojourner Truth atravessou séculos, alimentando o feminismo negro no século 20 e o transfeminismo no século 2. Ainda lançamos a pergunta retórica: "E eu não sou uma mulher"? O transfeminismo, linha de pensamento e ação feminista protagonizada por todas as pessoas trans, também abarca as masculinidades trans, que têm muito a ensinar aos modelos tóxicos de masculinidade que falsamente se colocam como os únicos possíveis para homens.
Os homens cis não são os únicos homens, como as mulheres cis não resumem a complexidade das feminilidades. Pessoa alguma pode ser restringida a funções de seu organismo. As demandas da população trans precisam vir à tona quando feministas pautam, por exemplo, direitos sexuais e reprodutivos, senão recairemos na arcaica "universalização" da categoria "mulher" como cisgênera, e de menstruação e gestação como características unicamente "de mulheres", o que legitima discursos de ódio.
É papel da intelectualidade que se preocupa com os direitos humanos adotar um lugar de escuta para com "o outro lado", que apesar do silenciamento sistêmico, fala, escreve e pesquisa há tempos, mas não é reconhecido. Seguiremos apontando transfobia e cissexismo, inclusive de pessoas aliadas, mas também recomendamos que nos leiam, para que compreendam nossas reflexões e propostas.
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