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Artistas se endividam com Lei Aldir Blanc e vão à Justiça contra Prefeitura de São Paulo

OUTRO LADO: Administração municipal reconhece falha no contato com vencedores de edital, mas diz que erro foi pontual

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São Paulo

Cerca de 40 artistas estão processando a Prefeitura de São Paulo por terem contraído dívidas na Receita Federal após receberem recursos da Lei Aldir Blanc, criada para ajudar o setor cultural durante a pandemia de Covid-19.

A Prefeitura não os avisou, por meio do edital, que os recursos seriam tributáveis. Um funcionário da Secretaria Municipal de Cultura enviou um email a um dos artistas informando que não haveria incidência do fisco sobre o dinheiro.

Em nota enviada à Folha, a Prefeitura de São Paulo admite o envio do email equivocado e diz que todos os vencedores do edital receberam um manual com instruções sobre a tributação.

Foto do compositor e escritor Aldir Blanc, morto em 2020
Foto do compositor e escritor Aldir Blanc, morto em 2020 - Leo Martins/Agência O Globo

Os artistas afirmam que não receberam qualquer manual, mas que uma cartilha foi publicada na internet tempos depois de o dinheiro ter sido depositado, sem que houvesse comunicação prévia de sua existência.

Em alguns casos, a dívida dos artistas com o fisco passa dos R$ 30 mil. Ao perceberem o problema, eles criaram um grupo de WhatsApp que reúne 143 pessoas e ajuizaram uma ação via Defensoria Pública da União contra a prefeitura, o governo do estado e a União Federal.

O edital, publicado em 2020, de fato não menciona a existência de impostos. É uma postura diferente, por exemplo, da que foi adotada pelo governo do Rio de Janeiro, que em seu edital alertava que a responsabilidade sobre os tributos era de responsabilidade dos artistas.

Um email anexado ao processo mostra que uma artista entrou em contato com a Secretaria Municipal de Cultura em 2021 perguntando como deveria identificar o projeto na declaração de imposto de renda. Na resposta, um servidor escreve que o dinheiro é isento de tributação.

"Ninguém previu o pagamento do imposto, mas, depois que fiz a declaração, descobri que meu CPF tinha sido bloqueado", diz Victor Siqueira Serra, membro do coletivo artístico Cia dxs Terroristas, que ficou com uma dívida de R$ 29 mil.

Os artistas dizem que, além da falha na comunicação, os problemas foram causados pelos informes de rendimentos que a prefeitura emitiu. Nos documentos, consta que os proponentes receberam integralmente os valores, mas eles afirmam que não ficaram com o dinheiro todo.

O edital previa que uma pessoa física poderia representar coletivos artísticos e receber toda a verba em sua conta. Mas, por terem distribuído o dinheiro para outros profissionais, eles acreditam que os informes deveriam ser individuais.

"Tínhamos na ficha de pagamento 45 pessoas. Por esse projeto todo, recebi R$ 2.100, mas ficamos com mais de R$ 28 mil de dívida na Receita", diz Murilo Gaulês, que também é membro do coletivo Cia dxs Terroristas.

O coletivo anexou ao processo imagens da movimentação bancária de Victor, o proponente do projeto. Os documentos atestam as transferências para artistas do coletivo.

"A gente se endividou muito para pagar a dívida. Eu precisei voltar a morar com a minha mãe", diz Gaulês. "Tenho crise de pânico até hoje."

Apesar de a dívida estar quitada, ele diz que o coletivo entrou na Justiça para que o valor seja restituído. "É injusto. Como que esse valor é dividido para várias pessoas e só uma é tributada?"

Pergunta parecida se faz Geovaldo José de Jesus, proponente do Elo Perdido Cultural. O coletivo que ele representa recebeu R$ 100 mil, mas ele precisou arcar sozinho com uma dívida de R$ 34 mil.

Por essa razão, teve problemas de saúde, perdeu trabalhos e não conseguiu reabrir seu espaço cultural. "A lei é feita para combater problemas, mas acabaram aumentando a nossa vulnerabilidade."

Íntegra da nota da Prefeitura de São Paulo

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, esclarece que recomendamos aos premiados dos módulos I e II do Edital Prêmio Aldir Blanc de Apoio à Cultura e do módulo I do Edital Prêmio Aldir Blanc de Apoio ao Audiovisual, que possuem valores maiores, a consulta a um contador antes de realizar a declaração. Porém, seguem algumas orientações:

- Independente da tributação, é fundamental que o contemplado se organize com a gestão dos gastos relacionados a esse recurso, ou seja, crie uma organização de despesas e pagamentos. Essa organização deverá prever a reserva da quantia necessária para recolhimento do imposto, se devido.

- O beneficiário deverá, no período de declaração de Imposto de Renda, lançar o valor recebido da premiação como receita.

A informação sobre a tributação dos recursos da Lei Aldir Blanc estava publicada no manual entregue a todos os contemplados do edital (itens 10 e 11), documento que alertava que os valores poderiam sim ser tributados pela Receita Federal.

Na época, a cartilha também foi publicada no site institucional da SMC: https://bit.ly/3JiYoyc

A pasta afirma que o e-mail em questão foi um equívoco isolado de um funcionário, mas ressalta que todos os artistas receberam a cartilha com as informações corretas e que sempre esteve à disposição para atender eventuais dúvidas dos contemplados.

A Secretaria Municipal da Fazenda informa que, de acordo com as informações da Secretaria Municipal da Cultura, os pagamentos foram realizados aos proponentes que lideraram os projetos e por estes divididos entre os demais. Alguns coletivos solicitaram que fosse indicado o valor recebido por cada integrante de respectivo grupo, com informações prestadas pelos próprios coletivos.

A partir da dúvida sobre a possibilidade da cobrança do Imposto de Renda de forma individualizada no caso de valores captados pelos coletivos, a SF elaborou uma consulta à Receita Federal (Processo 10265.257609/2022-15) para esclarecimentos formais sobre a interpretação da legislação tributária relacionada ao tema.

Tal consulta segue pendente de resposta por parte da autoridade tributária federal. Cabe destacar que as retificações de declarações por motivos diversos, que não dependem do retorno da consulta à RFB, já foram realizadas.

A Secretaria salienta, ainda, que recebeu alguns contatos de artistas e buscou atuar naquilo que estava ao alcance dos seus servidores, corrigindo os casos para os quais havia elementos neste sentido e comunicando a SMC sobre eventuais necessidades de correção das informações prestadas à Fazenda.

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