Obra de artista indígena emula escola para educar e fugir do mercado da arte

Denilson Baniwa leva para Octógono da Pinacoteca estrutura onde línguas e culturas indígenas do Brasil serão ensinadas

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São Paulo

Para a sua primeira exposição individual num museu, Denilson Baniwa optou por não mostrar pinturas ou fazer uma de suas performances. O trabalho que ele apresenta a partir de sábado no Octógono da Pinacoteca, em São Paulo, faz o espectador se perguntar qual é a sua proposta de arte.

Trata-se de uma estrutura de três andares feita de metal e madeira, com duas grandes velas laterais de pano que remetem às asas de uma borboleta. Em cima de tudo, um círculo estampado mostra o ciclo de vida de uma mariposa. A instalação é alta —quem está no topo consegue ver parte do acervo do museu exposto no último andar.

Estrutura de Denilson Baniwa na Pinacoteca - Zanone Fraissat- 16.mar.23/Folhapress

Dentro deste grande casulo vão acontecer aulas das línguas baniwa e guarani e de cultura, pensamento e história indígena no Brasil, abertas para o público. No último andar, músicos indígenas poderão compor, ensaiar e se apresentar para os visitantes.

Mas a "Escola Panapaná", como se intitula a obra de arte, também é um espaço aberto à espontaneidade, ou seja, o próprio Baniwa pode aparecer por ali ao acaso e conduzir uma atividade com o público, ou os visitantes podem fazer da estrutura um ponto de encontro para conversar e namorar, diz o artista.

Indígena do povo baniwa, comunidade do Amazonas que habita as margens do rio Negro, próximo da fronteira com a Colômbia e a Venezuela, o artista teve papel fundamental nos últimos anos ao fazer o circuito de museus e galerias integrar em sua programação a arte de povos originários.

Contudo, como se vê pelo trabalho agora mostrado na Pinacoteca, ele não está interessado em pendurar quadros nas paredes para atiçar o interesse dos colecionadores.

"Qual repertório eu posso trazer para cá que não seja simplesmente apresentar um trabalho como uma pintura, por exemplo? Não que isso seja menor ou maior, mas acho que não faz sentido para mim. Seria entregar a minha capacidade de produção de pensamento para um mercado [de arte], alimentar um mercado que já é bem gordinho", ele diz.

Como a "Escola Panapaná" não tem caráter comercial, o artista argumenta que faz mais sentido apresentar a obra numa instituição pública como a Pinacoteca, sob o comando do governo do estado de São Paulo, ao invés de em um museu privado, mais interessado na inserção de artistas no mercado.

O propósito de sua escola, uma obra que se realiza no encontro e na troca, é juntar uma comunidade interessada em arte indígena e também refletir sobre a presença de um artista originário da Amazônia num museu, afirma ele. Na Pinacoteca, Baniwa já havia plantado um jardim no estacionamento, um trabalho que fez parte da mostra de arte indígena "Véxoa", em 2020.

"Panapaná" é uma palavra tupi que designa um coletivo de borboletas. A estrutura no Octgóno se apresenta inicialmente sem as "asas" e a "cabeça" da mariposa —estas partes aparecerão com o passar do tempo, à medida que a obra for ativada, começando por um show de Brisa Flow e Ian Wapichana no sábado de manhã. Na cultura baniwa, o desabrochar da mariposa serve como metáfora das fases da vida.

A estrutura tem três andares - Zanone Fraissat - 16.mar.23/Folhapress

A desvinculação do trabalho de Baniwa de objetos soa radical, ainda mais se considerarmos que o artista de 38 anos fez seu nome expondo pinturas em espaços importantes, algumas das quais foram adicionadas aos acervos de museus.

Ele também ficou conhecido por uma performance de protesto na Bienal de São Paulo de 2019, na qual se vestiu de pajé-onça para chamar a atenção sobre a representação de povos originários em pinturas e fotografias.

O artista Denilson Baniwa, na Pinacoteca - Zanone Fraissat - 16.mar.23/Folhapress

Junto a ele, outros artistas indígenas ganharam bastante projeção nos últimos anos, como o pintor Jaider Esbell, que expôs na Bienal de São Paulo e na Bienal de Veneza, e a pintora, performer e pesquisadora Daiara Tukano, que só este ano teve uma mostra individual na galeria Millan e organizou outra, dedicada a criadores de povos originários, no Museu da Língua Portuguesa.

Por mais que questione o sistema da arte, Baniwa reconhece ter entrado no jogo e não ter como sair. "Só se tiver uma falta grave ou aposentadoria", diz. "O mercado por si só vai nos englobando aos poucos, mesmo que a gente queira fugir, né?"

Denilson Baniwa: Escola Panapaná

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