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João Perassolo

Como é o Berghain, clube eletrônico mais importante do mundo

Clubbers são avaliados para entrar na balada, que serve de abrigo com sexo e drogas para amantes de techno e house

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São Paulo

Nunca passei tanto nervoso para entrar numa balada. Eu tinha lido discussões em fóruns na internet sobre quais eram os códigos para não ser barrado no Berghain —em alemão, significa algo como bosque na montanha—, o clube de música eletrônica mais famoso do mundo, antes de tentar a sorte.

Vestir preto, não ir em grupo e ficar em silêncio na fila eram as dicas mais fáceis de seguir. A parte difícil, segundo os comentários, é que o "bouncer", a pessoa que escolhe quem entra na balada, me perguntaria em alemão qual DJ eu estava ali para ver —e eu deveria dizer, em alemão, "desculpa, não falo alemão", como sinal de respeito, antes de responder em inglês.

Clube Beghain durante a instalação 'Eleven Songs', de 2020 - Reuters/Axel Schmidt

Ao sair da estação de trem a poucas quadras do clube, situado numa área descolada de Berlim, eu e meus amigos já estávamos nervosos. Combinamos de dizer na porta que estávamos sozinhos e, se algum de nós fosse barrado, os outros poderiam entrar sem mágoas. Eram 20h de domingo (14).

Na fila, a tensão era palpável. Dezenas de pessoas de preto organizadamente dispostas uma atrás da outra, em silêncio sepulcral. Uma entrada de balada em que não se socializa, se espera. À nossa frente, a famosa fachada austera do Berghain —que já virou até filtro de Instagram—, lembra um pavilhão do presídio do Carandiru sem as grades nas janelas. Clubbers do mundo todo reconhecem este prédio.

Observando da fila, diria que entre 20% e 30% de quem quer entrar não consegue. Dois bouncers avaliam cada uma das pessoas dos pés à cabeça com olhares nada discretos e gesticulam em direção à porta do clube ou dizem "sorry, no", e mandam você embora, sem dar explicação. Não vi ninguém barrado protestar, e mesmo clubbers experientes correm o risco de serem rejeitados.

Depois de 40 minutos, chegou minha vez. O porteiro me disse algo em alemão e eu não respondi nada. Em inglês, ele perguntou se eu estava sozinho. "Sim", falei, e então o gesto mágico em direção à porta da esperança se fez. Minha amiga também passou, mas nosso amigo foi barrado.

Logo na entrada, funcionários revistam bolsos e bolsas minuciosamente e colocam adesivos nas câmeras de trás e da frente dos celulares —é proibido tirar fotos no clube, por isso não há imagens de festas no Berghain. De tão tenso o processo todo, só relaxei depois de meia hora e duas cervejas.

Localizado numa antiga estação de geração de energia entre os bairros de Friedrichshain e Kreuzberg, o Berghain —foi justamente do fim de cada um dos nomes que veio a palavra Berghain—, um mastodonte de concreto e metal, é uma das baladas que definiu a estética da ruína presente na noite eletrônica ao redor do mundo, inclusive na de São Paulo.

No térreo, há sofás para descanso, a chapelaria, um bar e uma área para sexo em público. Subindo a escada está a pista de techno que dá nome ao clube e, no terceiro andar, a pista de house —chamada Panorama Bar—, o contraponto perfeito para sua irmã de baixo. Por fim, no mezanino há uma sorveteria onde se recarrega as energias.

Controlar quem entra ou não no templo da música eletrônica é uma política de exclusão, mas por outro lado garante que quem passou da porta sabe onde está. Aquele labirinto de escadas de metal recebe todos os desajustados sociais, entre aspas, de sábado à noite até a manhã de segunda, em festas que não param jamais.

É uma comunidade unida pelo amor às batidas duras do techno ou à levada melódica da house, e também por uma maneira libertária de se divertir. No banheiro, uma mulher abaixa as calças e urina no mictório masculino para não esperar a fila da cabine. Uma outra sai mexendo no nariz para se certificar de que o pó não escorre das narinas.

Perto de um dos bares, um rapaz deitado se masturba sozinho. Mais da metade dos homens está sem camisa ou quase totalmente nu —um careca veste apenas tênis e avental de açougueiro. A cor dominante é o preto, mas branco também vale, assim como roupas furadinhas que deixem as tatuagens à mostra ou trajes esportivos, como shorts de corrida e camisetas dry fit.

Considerado uma instituição cultural pelo Parlamento alemão, o Berghain oferece a essas pessoas um lugar para estar, não somente para dançar, se drogar ou fazer sexo. Você pode sair e voltar no mesmo fim de semana, pagando €5 para entrar de novo —o ingresso inicial custa €25.

Lá dentro, a vibe de festa é incrível, mas o clima não é exatamente amigável. É tudo um pouco individualista, duro, assim como as paredes de concreto e a decoração de metal enferrujado.

Enquanto Ben Klock comanda as picapes com seu som agressivo, escorro de suor por causa do calor. Na pista, centenas de corpos se movem freneticamente em meio à bruma do gelo seco e ao piscar das luzes vermelhas e azuis. Neste universo da fantasia penso que só existe o agora —criar um lugar imaginário, apartado do tempo e do mundo, talvez seja a magia do Berghain, e fica fácil de compreender o burburinho gerado no ano passado pelos boatos de que o clube ia fechar.

Com as janelas totalmente vedadas, impedindo a entrada de luz, o clube parece protegido do exterior —é um local onde as regras sociais não se aplicam, sensação esta reforçada pelo fato de que você não será fotografado. No Berghain não há passado nem futuro. Apenas o eterno presente das batidas repetitivas do techno.

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