Descrição de chapéu Financial Times

Entenda como a inteligência artificial impacta a indústria musical e os direitos autorais

Especialistas dizem que o efeito da tecnologia é semelhante ao do site de compartilhamento Napster no início dos anos 2000

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Anna Nicolaou
Financial Times

Há alguns meses, o DJ francês David Guetta postou um vídeo que provavelmente causou arrepios em alguns artistas e executivos do setor musical. "Há algo que eu fiz como brincadeira e funcionou tão bem que não pude acreditar", disse Guetta, maravilhado.

No clipe, Guetta está se apresentando como DJ diante de milhares de fãs, em uma casa noturna escura. Ele toca uma canção que parece ser um sample do rapper Eminem, cuja voz muito característica encanta a multidão.

DJ francês David Guetta em apresentação em Vieilles Charrues, Plouger - AFP

"Eminem, mano!", diz Guetta. Só que na verdade não era Eminem. Em vez disso, Guetta usou um site de inteligência artificial para gerar letras ao estilo de Eminem e, em seguida, inseriu essas letras em outro site de inteligência artificial que recriou o som da voz de Eminem. O resultado: "Toquei o disco e as pessoas ficaram loucas".

O uso de inteligência artificial para produzir música deixou o setor cada vez mais alarmado nos últimos meses, com pessoas bem informadas comparando o desordenamento com aquele que foi causado pelo site de compartilhamento Napster no início dos anos 2000.

A barreira de entrada para a produção de música já era muito mais baixa do que, por exemplo, para a produção de um filme. Artistas podem produzir músicas em seus quartos. Mas a inteligência artificial abriu ainda mais os portões. Nunca foi tão fácil criar uma música e adicioná-la ao Spotify. Um site que permite isso, chamado Boomy, diz que seus usuários geraram mais de 14 milhões de canções. Como comparação, o catálogo completo do Spotify tem cerca de 100 milhões de canções.

Lucian Grainge, presidente-executivo da Universal Music, decidiu acionar o alarme. "A inteligência artificial generativa apresenta muitos perigos se não for controlada", ele disse a investidores no mês passado. Recentemente, a Universal Music enviou uma carta a todas as principais plataformas de streaming alertando-as a não permitir que a tecnologia de inteligência artificial se treine usando música protegida por direitos autorais, noticiou o Financial Times no mês passado.

Há alguns motivos para essas preocupações. O primeiro é óbvio: violação de direitos autorais. Um falso Drake gerado por inteligência artificial só é capaz de produzir um som semelhante ao do astro porque aprendeu a fazê-lo ouvindo Drake. Portanto, as empresas de música argumentam que Drake deveria receber parte do dinheiro que as canções geradas dessa maneira faturam. No entanto, alguns músicos, como a cantora canadense Grimes, não se importam em aceitar e permitir que suas vozes sejam duplicadas, dividindo a renda dos royalties em 50/50. A questão dos direitos autorais pode levar algum tempo para ser resolvida, mas, em algum momento, as empresas de música e outras partes interessadas criarão uma estrutura para licenciar músicas usadas por geradores de inteligência artificial.

Mas há outro motivo pelo qual a Universal está preocupada. A participação de mercado da música das grandes gravadoras nas plataformas de streaming vem diminuindo, de forma lenta, mas constante. Em 2017, as quatro grandes gravadoras respondiam por 87% da música ouvida no Spotify. Em 2022, a proporção havia caído para 75%.

As músicas que vêm sendo ouvidas cada vez mais são trabalhos de artistas independentes, bem como faixas ambientais e músicas geradas por inteligência artificial. Grainge passou os últimos meses falando sobre um "excesso de oferta" de conteúdo no Spotify, onde 100 mil faixas novas são adicionadas a cada dia. Ele diz que a inteligência artificial vem sendo um dos principais fatores para isso.

As grandes empresas de música se preocupam com isso porque ganham bilhões de dólares em royalties, o que está diretamente ligado à sua proporção de streams. Mas essa mudança também está alterando fundamentalmente o que é o Spotify e levanta grandes questões sobre como consumiremos música no futuro.

Durante muito tempo, o Spotify se comparou à Netflix. Era o lugar onde o ouvinte podia pagar uma assinatura mensal para ter acesso a um grande catálogo de canções produzidas profissionalmente. Mas o Spotify está se transformando mais em uma combinação de Netflix e YouTube —uma plataforma onde você pode ouvir os maiores astros, mas também clipes de 30 segundos de sons de chuva que podem ser criados em segundos por qualquer pessoa com acesso a um computador.

A inteligência artificial ajudou a estimular essa mudança. Um executivo sênior do setor musical descreveu a música gerada por inteligência artificial como "UGC com esteroides", em uma referência à sigla para "conteúdo gerado pelo usuário" —os clipes caseiros de gatos, memes, covers de músicas populares, etc., que dominam o YouTube.

Grainge e seus colegas, a exemplo de Robert Kyncl, presidente-executivo da Warner Music, estão falando sobre o desenvolvimento de um modelo econômico para o streaming. "Não é possível que um streaming de Ed Sheeran tenha exatamente o mesmo valor... que o som da chuva caindo no telhado", disse Kyncl recentemente.

Como seria esse modelo? Talvez toda a música gerada por usuários seja desviada para uma plataforma totalmente diferente, enquanto a música profissional é mantida em serviços premium. Pode ser que o Spotify relute quanto a aceitar isso. Mas outras mudanças no setor estão se aproximando. "O desordenamento do setor musical teve apenas um capítulo", diz Mark Mulligan, analista da consultoria Midia. "Há mais por vir."

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.