Quem é Arthur Verocai, arranjador de Ivan Lins redescoberto por rappers

Músico teve disco de estreia revivido pelas novas gerações após ostracismo e vive onda de colaborações dentro e fora do Brasil

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Arthur Verocai na gravação do disco homônimo de 1972

Arthur Verocai na gravação do disco homônimo de 1972 Fernando Bergamaschi/Divulgação

São Paulo

Arthur Verocai comeu o pão que o diabo amassou. Se hoje o maestro por trás de arranjos de Ivan Lins, Elis Regina e Jorge Ben nos anos 1960 faz trilha sonora para desfiles da Louis Vuitton, é nome forte de festivais como o Primavera Sound de Barcelona, toca com o descolado grupo BadBadNotGood e é sampleado a rodo por rappers do mundo todo, o músico precisou viver de jingles nos anos 1970 para sustentar a família.

"Eu não queria ser um cantor e vender milhões de cópias. Eu sabia que isso não ia acontecer. Preferi fazer um disco de qualidade", diz Verocai, em entrevista por telefone. O que ele não esperava, porém, é que "Arthur Verocai", lançado em novembro de 1972, fosse uma bomba.

Arthur Verocai na gravação do disco homônimo de 1972
Arthur Verocai na gravação do disco homônimo de 1972 - Fernando Bergamaschi/Divulgação

À frente de seu tempo, o disco foi ignorado pela imprensa e não foi promovido pela gravadora, a Continental. Segundo o músico, tocava apenas nas rádios elitizadas, como Rádio Tamoios, na parte da noite. Foi uma frustração para Verocai. "Era uma propaganda do meu trabalho", afirma.

O álbum destoava do que estava sendo lançado à época —"Transa", "Elis", "Expresso 2222", "Acabou Chorare". Gravado com uma orquestra no Rio de Janeiro, é uma mistureba de samba, jazz e soul, com faixas que alfinetam a ditadura militar de forma discreta e complexa, caso de "Pelas Sombras" e "Presente Grego" —a última passa longe dos hinos militantes que ganharam o coração da juventude do período.

A massa sonora que chegou a empilhar 12 violinos lembra Ravel e Villa-Lobos, com um quê de Tim Maia e guitarras com muito groove. Em entrevista a Charles Gavin, Ivan Lins classificou os arranjos de Verocai como transgressores e inquietos. "O mercado não estava acostumado com a minha estética, era muito careta na época. Causou desconfiança nos artistas e nos produtores", diz o músico.

Podado de fazer as músicas como gostaria, ele se afastou da música e se aproximou da publicidade.

Quem redescobriu o arranjador foram rappers como Ludacris e Madlib, nos anos 1990 e 2000, interessados em obscuridades que rendessem bons samples para suas batidas. Com Madlib, a parceria rendeu um show em Los Angeles, em 2009, que foi ponto de virada para a carreira de Verocai.

Hoje, a primeira prensagem do disco, raríssima, é vendida no eBay por milhares de dólares. Algumas reedições foram feitas. Em 2003, nos Estados Unidos, em 2007 por Charles Gavin pelo selo Livraria Cultura e, agora, no Brasil, em vinil pela Três Selos, e em Londres pela Mr. Bongo.

"O Verocai tem um direcionamento de arranjo próprio e uma assinatura muito forte", diz Rafael Cortes, a frente da Três Selos. Ele coordenou de perto o relançamento do disco, que incluiu a busca pela fita original, considerada perdida até então.

Existe a particularidade de Verocai, como o grupo Azymuth e a cantora Joyce, estar entre os músicos brasileiros com apelo bem mais forte fora do Brasil do que no país. Foi, afinal, de fora para dentro que se deu a redescoberta dele e ele é headliner nos festivais estrangeiros enquanto aqui aparece como acompanhante de grupos gringos, como o BadBadNotGood.

Atualmente, são nomes como Criolo, Marisa Monte, Xênia França e Glue Trip. Os australianos da Hiatus Kaiyote, diz Verocai, inventaram uma turnê na América do Sul só para vir ao Brasil para trabalhar com ele. Ele toca no Mita com o BadBadNotGood, neste sábado (27), no Rio de Janeiro, ao lado de nomes atuais como Lana del Rey, HAIM e Florence and the Machine.

Sem estardalhaço, o arranjador empilha apresentações marcadas neste ano. No final de semana seguinte ao Mita, se apresenta com Mano Brown, Céu, Ivan Lins, Carlos Dafé, Paula Santoro e Clarisse Grova no Memorial da América Latina em uma celebração do cinquentenário do disco de 1972 que demorou tanto a render frutos. Depois, ele embarca para Barcelona no Primavera Sound.

"Os jovens agora gostam muito do meu trabalho, eu acho isso o maior barato. Antigamente eu ouvia as coisas e achava tudo chato, música de elevador. Hoje admiro o jovem, os jovens não acham minha música chata", diz.

Mas o otimismo dele acaba aí. O músico não se empolga com o futuro da música brasileira. "A evolução da música está muito tecnológica, o modismo está muito eletrônico. O lado humano fica em segundo plano. Eu não vejo com bons olhos", afirma.

Para Cortes, é difícil diagnosticar porque ele é maior fora do Brasil do que aqui, mas ele acredita que tenha a ver com educação musical. "No Japão, por exemplo, a pesquisa é muito profunda, eles vão muito além do básico, os catálogos de bossa nova são gigantescos."

Apesar do renovado apelo pop, o músico ainda é visto como uma preferência de nicho. "Verocai é um bom vendedor de disco de vinil, mas é pequeno no streaming", afirma João Varela, também da Três Selos. "É um público pequeno que acessou ele na nova geração. É diferente do Caetano ou do Gil."

Mesmo nichada, a fama tardia aumentou a demanda pelo trabalho de Verocai. Mas ele continua na dele e conserva o modus operandi do arranjador, de esperar ser buscado por quem tem interesse em trabalhar com ele. "O arranjador é como se fosse a costureira que vai fazer o vestido de casamento da sua filha. Não adianta cinquenta pessoas se oferecerem, tem que ser alguém de confiança", diz.

"Verocai é um cara discreto inicialmente, ele já passou por muita coisa, então ele tem muitas questões com a obra dele", afirma Cortes.

Esse perfil transparece com facilidade. Questionado pela reportagem como estava se preparando para a apresentação no Primavera Sound, Verocai respondeu apenas que vai fazer seu show como faz normalmente. "Acho que é o suficiente."

Mita

Artur Verocai

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