Descrição de chapéu The New York Times Filmes

Como o cinema indiano, além de Bollywood, tem contado histórias mais reais

Filmes como 'Kaathal - O Núcleo', que retrata um homem gay, tem provocado discussões sobre casta, classe, gênero e religião

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Mujib Mashal
Kochi (Índia) | The New York Times

É um filme indiano sem música e dança. Os amantes não trocam uma palavra, sua principal interação é um momento fugaz de contato visual na chuva de monções. Não há perseguições de carro nem acrobacias. Os homens são vulneráveis. Eles choram.

E ainda assim, quando "Kaathal - O Núcleo", obra em língua malaiala sobre um político de meia-idade enrustido, foi lançado no mês passado, o filme se tornou um sucesso comercial e também crítico. Os cinemas no estado indiano de Kerala, lar da indústria cinematográfica malaiala e de cerca de 35 milhões de pessoas, tiveram os ingressos esgotados. O fato de uma das maiores estrelas do sul da Índia ter assumido o papel de um homem gay e o ter retratado de forma tão sensível gerou conversas que ultrapassaram Kerala.

Pôster do filme 'Kaathal' em Kochi, na Índia
Pôster do filme 'Kaathal' em Kochi, na Índia - Priyadarshini Ravichandran/The New York Times

Fora da Índia, o cinema do país é frequentemente associado ao glamour e ao barulho de Bollywood, como é chamada a indústria cinematográfica dominante em língua hindi. Mas, nesta vasta nação de 1,4 bilhão de habitantes, existem muitas indústrias regionais cujos estilos são tão distintos quanto suas línguas. "Kaathal" é o exemplo mais recente do que o cinema malaiala se tornou conhecido —histórias progressistas que são de baixo orçamento, sutis e carregadas de drama humano real.

O que o distingue de outros cinemas regionais, dizem os observadores, é que ele encontrou um equilíbrio raro. Cada vez mais, o público de Kerala parece entusiasmado com essas histórias modestas em língua malaiala sobre pessoas comuns, assim como aos blockbusters de alta adrenalina, muitas vezes importados de outras partes da Índia.

O resultado tem sido o sucesso comercial para o tipo de filmes discretos que em outros lugares são vistos como experimentais, na maioria das vezes relegados a circuitos de festivais ou enviados diretamente para plataformas de streaming.

"Temos um público maravilhoso aqui", disse Jeo Baby, diretor de "Kaathal". "O mesmo público cria sucesso para filmes de massa e, ao mesmo tempo, para filmes pequenos e comédias."

A narrativa sutil do cinema malaiala tem recebido mais exposição na era pós-Covid. A rápida expansão dos serviços de streaming na Índia, que começou com a pandemia, e a competição por novos conteúdos, criaram espaço para o cinema regional encontrar audiências nacionais e globais.

Bollywood, por sua vez, inicialmente teve dificuldades para atrair o público de volta aos cinemas após a pandemia. Seus filmes recentes de maior bilheteria têm se baseado principalmente em tramas já conhecidas, turbinadas com mais violência, efeitos visuais cada vez mais sofisticados e doses pesadas de populismo e propaganda. As superestrelas ainda dominam Bollywood, e um ambiente de censura e autocensura prevalece.

"Lá há muito mais intervenção", disse Swapna Gopinath, professora de estudos de cinema e cultura no Instituto de Mídia e Comunicação Symbiosis, na cidade de Pune. "Isso dificulta o florescimento do cinema independente."

Até recentemente, disse Gopinath, o cinema malaiala não era diferente —apresentava filmes com atores famosos e tramas recicladas, que frequentemente celebravam valores tradicionais e patriarcais.

Mas isso mudou cerca de uma década atrás, depois que vários filmes inovadores de jovens diretores tiveram sucesso popular. Foi uma afirmação de que o público de Kerala, que lidera a Índia em padrões de vida, estava aberto a conteúdos experimentais e sutis.

"A partir daí, o cenário do cinema mudou no que diz respeito ao cinema malaiala", disse Gopinath. "Começamos a ter filmes que falavam sobre gênero, sobre casta."

Público compra ingresso para o filme 'Kaathal' em cinema de Koichi, na Índia
Público compra ingresso para o filme 'Kaathal' em cinema de Kochi, na Índia - Priyadarshini Ravichandran/The New York Times

Um estudo recente de filmes malaialas pela Ormax Media, uma empresa de consultoria, descobriu que três quartos deles eram dramas de cidades pequenas cujos protagonistas eram pessoas comuns, não heróis maiores do que a vida.

Os temas tendem a ser modestos e locais —como a política confusa de alargar uma estrada de uma pequena vila quando todos têm interesse ou um padre em uma nova capela que é assombrado pela história do espaço como um cinema pornô.

Baby, que dirigiu "Kaathal," é conhecido por enfocar o que muitas vezes passa despercebido na vida cotidiana. Ele ganhou reconhecimento amplo dois anos atrás com "The Great Indian Kitchen", uma meditação sobre o impacto do machismo em uma família.

Quando os roteiristas de "Kaathal" o abordaram com sua história sobre as lutas de um homem gay enrustido, o diretor disse que pensou em apenas um ator para o papel —Mammootty, uma estrela de 72 anos com uma grande base de fãs em Kerala.

Ele interpreta Mathew Devassy, um ex-funcionário de banco casado, com uma filha na faculdade. Enquanto se prepara para concorrer nas eleições da vila, sua mulher, interpretada pela atriz Jyotika, pede o divórcio porque ele sabia durante todo o casamento que era gay e teve secretamente um amante masculino. O filme tem cenas de tribunal, mas se concentra nos silêncios da casa, nos rumores que circulam na vila e na luta interna de Mathew.

O ativista Jio Jessy Kuriakose e amigo em casa na cidade de Kochi, na Índia
O ativista Jio Jessy Kuriakose e amigo em casa na cidade de Kochi, na Índia - Priyadarshini Ravichandran/The New York Times

A decisão de Mammootty de estrelar e produzir "Kaathal" ajudou a manter o filme e o assunto que ele aborda em evidência, disse Baby, o diretor. A Índia descriminalizou o sexo gay há apenas cinco anos, e seu Supremo Tribunal recentemente rejeitou uma petição para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, embora tenha afirmado que os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo devem ser respeitados.

Jijo Kuriakose, um artista e ativista na cidade de Kochi, em Kerala, disse que "Kaathal" lidou de forma sensível com as pressões sociais que obrigam muitos indianos gays a viverem vidas paralelas.

Ele disse que quase se casou com uma mulher há cerca de uma década, mas em vez disso se assumiu para sua família na noite do noivado. Seus pais ainda o estão incentivando a se casar com uma mulher, ele disse.

"'Okay, você é homossexual, nós entendemos, mas se case com uma mulher' é uma resposta padrão há muitos anos", disse Kuriakose.

O filme tem provocado muitas discussões para além de Kerala sobre como casta, classe, gênero e religião afetam as escolhas disponíveis para os personagens. Sreelatha Nelluli, uma poeta e tradutora que recentemente se separou de um homem gay que vivia no armário, disse que o filme a tocou pessoalmente.

"Eu amei suas expressões, constantemente confusas e quase assustadas", Nelluli escreveu para Mammootty e Baby em uma carta aberta. "Vocês entenderam e incorporaram esse homem."

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