Na visão de Rirkrit Tiravanija, uma panela é uma panela, um fogão é um fogão e uma cadeira é uma cadeira. Na contramão da ideia que transformou a noção de arte desde o início do século 20, quando Marcel Duchamp começou a destituir objetos de sua função utilitária para os transformar em obras, o interesse do artista tailandês nascido em Buenos Aires está justamente em apresentar as peças dentro do contexto do uso cotidiano.
É por isso que a divulgação da mostra "A Lot of People", ou muita gente, dedicada à carreira de Tiravanija no MoMA PS1, o braço do distrito do Queens do Museu de Arte Moderna de Nova York, vem enfatizando o fato de que os visitantes podem jogar pingue-pongue, comer comidas típicas tailandesas como curry ou pad thai e inclusive tocar instrumentos e gravar músicas.
Dentro dessa que é a maior exposição do artista até o momento, com mais de cem obras produzidas nas últimas quatro décadas, essas atividades aparentemente corriqueiras têm garantido ao museu o cumprimento de um dos seus maiores objetivos, o engajamento do público.
Foi no fim dos anos 1990, por causa de uma exposição coletiva em Nova York, que Tiravanija decidiu realizar a sua primeira experiência gastronômica no meio da arte.
À época, a ideia de servir curry aos espectadores veio da vontade de fazer algo que soasse familiar para ele. Mas para o artista, que desde cedo brincava de preparar alimentos usando um conjunto de panelas de barro em miniatura, o ato de cozinhar seria também uma forma de trazer vida aos espaços museológicos.
Era sua maneira de realizar uma espécie de crítica institucional e discutir o que acontece quando os artefatos culturais são deslocados de seu ambiente original para se tornar objetos de pura contemplação.
A despeito dos 5.000 anos de história reunidos na coleção de arte asiática do Instituto de Arte de Chicago, onde ele se formou, o que chamava a atenção de Tiravanija no espaço era como esculturas budistas e cerâmicas da Tailândia se tornaram fontes de conhecimento desprovidas de qualquer contexto.
"Faltava vida em torno delas", o artista lembra, enfatizando que estátuas de Buda, em seu país, são itens usados diariamente.
Enquanto na cultura tailandesa não há distinção entre sujeito e objeto, a perspectiva ocidental que torna essas duas unidades dicotômicas passou a intrigar Tiravanija a ponto de sua prática artística se desenvolver em direção à criação de formas para diluir essa separação.
"Sempre tive problema com a estetização. A estética é um conceito muito ocidental e separa o sujeito do objeto", afirma. Ir contra esse conceito, no entanto, nunca foi fácil.
Nas primeiras vezes em que transformou galerias de arte em cozinhas improvisadas, trazendo para o centro de suas exposições panelas elétricas e ingredientes culinários típicos, Tiravanija notou que os visitantes experimentavam a ação com alguma distância, como se estivessem diante de um espetáculo no qual o próprio artista assumisse o lugar de objeto.
A solução, dali para frente, foi trazer os espectadores para o campo de ação, convidando todos para tomar parte da proposta de uma perspectiva cada vez mais próxima. Talvez por isso, depois de quase quatro décadas de prática, pouco pareça importar se Tiravanija está ou não presente.
A experiência de participar de um jantar comandado por ele, como aconteceu numa das ações propostas pela Performa 2023, tradicional festival de performances de Nova York, em nada difere dos almoços preparados no MoMA PS1 pelos alunos do próprio Tiravanija na Universidade Columbia, onde ele dá aulas há mais de 20 anos.
Toda vez que pode, o artista tailandês reafirma que não está interessado nas noções de autoria e autenticidade.
Acredita na existência de ideias que devem ser constantemente citadas e reconsideradas – no caso da arte, todas aquelas que exploram as aproximações entre a vida o fazer artístico, ajudando a desmanchar qualquer tipo de hierarquia. As situações criadas por ele podem ser realizadas ao modo de uma receita.
"Se as pessoas acharem boa, vão usar para fazer refeições, mas, depois que aprenderem, podem aprimorar a seu próprio gosto", afirma. O propósito, no fim, está muito menos no ato de cozinhar do que na experiência que a prática proporciona.
Dessa forma, obras como "Untitled 1992 (Cure)", na qual o convite é fazer o próprio chá dentro de uma tenda de cor laranja açafrão –referência às túnicas dos monges budistas–, ou "Untitled 1993 (Café Deutschland)", em que um café turco é servido numa sala repleta de livros e catálogos à disposição de quem quiser ler, se tornam espaços de experiência comunitária e trocas interculturais.
Mas não só isso, pois seria pouco, na obra de Tiravanija, reduzir panelas, fogões e cadeiras a panelas, fogões e cadeiras, ainda que o artista coloque muitas vezes nesses termos. Nessas situações construídas, que convidam o público a realizar atividades como comer e beber, fazer ou ouvir música, como ressalta o historiador Jörn Schafaff no catálogo de "A Lot of People", o artista não pretende introduzir experiências autênticas no mundo da arte, mas insere essa realidade na dimensão simbólica do teatro.
Os cenários apresentados por ele, dessa forma, podem ser explorados ativamente pelos visitantes, e todos desempenham ali um duplo papel, o de ator e o de espectador.
Antes de ser eleito pela Art Review no ano passado como a terceira entre as cem personalidades mais influentes do mundo da arte, Tiravanija não nutria nenhuma ambição em relação à carreira como artista. "Imaginava que seria coletor de lixo, lavador de pratos", lembra. "A minha expectativa era sempre ter um trabalho e levar a arte em paralelo."
E, mesmo agora, enquanto recebe o crédito de ter encontrado um equilíbrio entre o momentâneo e o monumental, o local e o internacional, ele diz que ainda não planeja viver da própria arte. Dentro desse meio, prefere pensar a si mesmo como alguém que vê o ônibus passar e, à beira da estrada, apenas acena.
"Digo que não tenho espaço porque, na verdade, não quero ter espaço. Eu me vejo como um viajante, alguém que vai de um lugar a outro", Tiravanija define, acrescentando que, durante o percurso, gosta sempre de encontrar muitas pessoas pelo caminho.
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