Zeca Pagodinho brilha com sua simplicidade ao abrir turnê de 40 anos de carreira

Sambista transformou Engenhão em roda de samba, sem deixar megaestrutura de turnê ofuscar sua espontaneidade

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Tito Guedes
Rio de Janeiro

O estádio Nilton Santos, o Engenhão, no Rio de Janeiro, se transformou na quadra do Cacique de Ramos quando Zeca Pagodinho subiu ao palco na noite deste domingo para celebrar seu aniversário de 65 anos de vida e 40 de carreira.

O show marcou a estreia de uma turnê que irá percorrer outras cidades brasileiras
ao longo dos próximos meses. Diogo Nogueira, Jorge Aragão, Xande de Pilares e Pretinho da Serrinha foram convidados para uma roda de samba no centro do palco.

Zeca Pagodinho em show no Engenhão, no Rio de Janeiro
Zeca Pagodinho em show no Engenhão, no Rio de Janeiro - Vera Donato/Divulgação

A espontaneidade dessas reuniões ficou evidente quando Zeca e Jorge erraram a entrada da primeira música e se confundiram ao informar quem a tinha gravado pela primeira vez. "Acho que a Alcione gravou", arriscou Jorge. "Ela gravou?", perguntou Zeca em seguida, entre muitos risos.

A apresentação no Engenhão insere Zeca Pagodinho na nova tendência de mercado da música —a de megashows e turnês grandiosas. Jão, Ludmilla e Ivete Sangalo, por exemplo, também vão passar este ano em cima de palcos de proporções exorbitantes.

O curioso é que, diferente desses outros três artistas, acostumados às pirotecnias próprias do mundo pop e dos grandes espetáculos, Zeca Pagodinho mantém uma postura quase oposta a gradiloquências. Sua presença é de uma simplicidade quase radical, sem firulas ou marcações excessivas. O gênero em que se consagrou, o samba do Cacique de Ramos, é mais comum em casas de show, quadras e rodas tradicionais.

Mas foi justamente esse contraste que fez o show funcionar. Ainda no início da apresentação, Zeca interrompeu a gravação do DVD para coçar o pé e arrancou risadas do público. "Vocês podem coçar o pé à vontade, eu preciso pedir licença", ele disse, antes de cantar mais um clássico que fgoi acompanhado em coro por uma legião de fãs.

Uma hora antes do horário previsto para o início da apresentação, a chuva apertou e parte do público esvaziou a pista para se abrigar no interior do estádio. O show começou vinte minutos depois do horário prometido.

O telão projetou nomes de músicos importantes para a história do samba ou para a trajetória de Zeca, como Martinho da Vila, Jovelina Pérola Negra, Monarco, Arlindo Cruz e, claro, Beth Carvalho. Beth, a madrinha de Zeca no samba, foi relembrada na primeira música, "Camarão que Dorme a Onda Leva", que o lançou como compositor.

Na sequência, Zeca enfileirou uma série de sucessos de diversas épocas, como "Ser Humano", "Vai Vadiar", "Quando a Gira Girou", "Mais Feliz" e "Judia de Mim". Em quase todas o cantor conferiu a letra no teleprompter.

O maestro Rildo Hora foi ovacionado pelo público ao entrar para tocar flauta em "Lama nas Ruas", parceria de Zeca com Almir Guineto. Marcelo D2, pioneiro em estabelecer a ligação entre o rap e o samba já nos anos 1990, entrou para cantar "Minha Fé", enquanto Djonga, expoente da nova geração do rap, fez a oração de São Jorge em "Ogum".

O show esquentou de verdade depois da roda de samba. Àquela altura Zeca já estava com outra roupa e —mais importante— sapatos mais confortáveis, o que pareceu melhorar seu humor. O público do setor VIP se levantou das cadeiras, se aproximou mais do palco, e assim permaneceu até o fim do show, sem nenhum momento morno dali em diante.

A roda de samba foi também o número mais longo com os convidados especiais. Quase todas as outras participações foram aparições relâmpago, sem muita interação com Zeca —talvez pelo tempo cronometrado da transmissão ao vivo. Marcelo D2 e Djonga, por exemplo, evocaram a relação do rap com o samba em canções que evidenciam a religiosidade de Zeca, mas poderiam ter sido mais impactantes. Seu Jorge, um dos mais aplaudidos pelo público, permaneceu menos de cinco minutos no palco para cantar alguns versos de "Saudade Louca".

A participação mais bem aproveitada foi a de Alcione. Nos primeiros acordes de "Mutirão do Amor", Zeca perguntou à banda: "É ela?". Parte do público pareceu adivinhar de quem se tratava e começou a aplaudir. Quando Alcione entrou no palco, a plateia serviu a maior ovação da noite. Ela e Zeca esbanjaram química e carinho mútuo ao cantarem abraçados. A união deu tão certo que Alcione foi convencida a apresentar mais uma música. Só deixou o palco depois de cantar, por sugestão do próprio Zeca, o grande sucesso "Sufoco".

A última convidada especial a subir no palco foi Iza. Ela cantou "Cadê Meu Amor?" em dueto com Zeca. Encerradas as participações, Zeca enfileirou nova série de sucessos infalíveis —"SPC", "Coração em Desalinho", "Deixa a Vida me Levar" e Verdade". O cantor encerrou o show com "Bagaço da Laranja", quando convidou sua família para subir no palco com ele. Agradeceu ao público do Engenhão rodeado por netos, filhos e filhas.

O resultado foi um show marcado pela espontaneidade e a comunhão com o público. Zeca errou várias entradas, tropeçou em diversas letras, mas nada disso soou fora do lugar ou incomodou quem assistia, que riu e aplaudiu até os pequenos equívocos. Afinal, ninguém espera a perfeição ensaiada de Zeca Pagodinho. Quem estava ali queria sambar ao som de seus maiores sucessos.

Zeca Pagodinho deixou o palco do Engenhão com mais um ano de vida e 40 de carreira no samba com consagração popular e de mercado semelhante à de gigantes do pop.

Zeca Pagodinho 40 anos

  • Quando De 04/12 a 06/12
  • Onde Pelo país
  • Preço De R$ 250 a R$ 520.
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