Descrição de chapéu Obituário O.J. Simpson (1947 - 2024)

Morre O.J. Simpson, astro da NFL que sofreu 'julgamento do século' por morte de ex-mulher

Lenda do futebol americano, ele teve carreira no cinema e ficou famoso pelo julgamento do assassinato de sua esposa

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Robert D. McFadden
Nova York | The New York Times

A estrela do futebol americano O.J. Simpson, que ficou conhecido pelo julgamento da morte de sua ex-mulher, morreu nesta quarta-feira (10), aos 76 anos, em Las Vegas, nos Estados Unidos. Ele enfrentava um câncer, e a morte foi confirmada por sua família nas redes sociais.

"No dia 10 de abril, nosso pai, Orenthal James Simpson, sucumbiu à sua batalha contra o câncer. Ele estava cercado por seus filhos e netos. Durante este período de transição, a família pede respeito a seus desejos de privacidade", diz a nota dos familiares. Ele deixa quatro filhos e três netos, afirmou seu advogado, Malcolm P. LaVergne, ao New York Times.

O ex-jogador de futebol americano O.J. Simpson em 1976
O ex-jogador de futebol americano O.J. Simpson em 1976 - Robert Walker/The New York Times

Considerado uma lenda da NFL, a National Football League, a principal liga de futebol americano, Simpson se destacou no esporte antes de fazer diversos filmes, propagandas e aparições na televisão.

No cinema, ele se destacou como parte do trio de protagonistas das comédia "Corra que a Polícia Vem Aí!", com Leslie Nielsen, lançada em 1988, que ganhou duas continuações nos anos 1990. Antes, já havia atuado em filmes de ação e policiais como "Os Homens Violentos do Klan", de 1974, "Mercenários do diamante", de 1976, e "Poder de Fogo", de 1979.

Mas sua carreira ficou marcada pelo julgamento do assassinato de sua ex-mulher e um amigo dela, em 1995, que chocou os Estados Unidos e foi noticiado em todo o mundo.

Todo o caso e sua cobertura pela TV americana seriam condensados anos depois na minissérie "The People v. O. J. Simpson: American Crime Story", de 2016, com Cuba Gooding Jr. no papel do astro. A minissérie foi feita por Scott Alexander e Larry Karaszewski, os mesmos responsáveis pelo roteiro de "O Povo Contra Larry Flint", de 1996.

Há ainda o documentário "O.J.: Made in America", também de 2016, que resume a história, e está disponível no streaming Star+ no Brasil.

O caso infame, que refletiu um espelho rachado dos Estados Unidos negro e branco, absolveu Simpson, mas arruinou sua vida. Em 1997, uma ação civil movida pelas famílias das vítimas o considerou responsável pelas mortes de Nicole Brown Simpson e Ronald L. Goldman e ordenou que ele pagasse US$ 33,5 milhões em danos. Ele pagou parte da dívida, mudou-se para a Flórida e lutou para reconstruir sua vida, criar os filhos e se manter distante de problemas.

Em 2006, ele publicou um livro, "If I Did It" —ou se eu fiz, sem tradução para o português. Ele ainda deu uma entrevista de TV, com um relato hipotético dos assassinatos que ele sempre negou ter cometido. Um clamor público encerrou ambos os projetos, mas a família de Goldman adquiriu os direitos do livro, acrescentou material imputando culpa a Simpson e o publicou.

Em 2007, o ex-atleta foi preso depois de invadir, junto a outros homens, um quarto de hotel em Las Vegas de alguns negociantes de memorabilia esportiva. Eles levaram um tesouro de colecionáveis. Simpson alegou que os itens haviam sido roubados dele, mas em 2008 a Justiça o considerou culpado de 12 acusações —incluindo roubo à mão armada e sequestro. Ele então foi condenado a 33 anos em uma prisão estadual de Nevada. Cumpriu a pena mínima, de nove anos, e foi solto em 2017.

Ao longo dos anos, a história de Simpson gerou uma onda de livros, filmes, estudos e debates sobre questões de Justiça, relações raciais e celebridades em um país que adora seus heróis —especialmente aqueles moldados em estereótipos de ascensão social e financeira—, mas nunca se sentiu confortável com suas contradições mais profundas.

E houve muitas na trajetória de Simpson. Antigos recortes de jornal revelam os primeiros retratos de uma criança do pós-guerra e da pobreza que teve raquitismo e foi forçada a usar aparelhos ortopédicos de aço em suas pernas. Ele teve uma vida difícil em um projeto habitacional e andou com gangues adolescentes nas ruas de San Francisco, onde aprendeu a correr.

"Correr é o que eu faço", ele disse em 1975, quando era um dos jogadores de futebol americano mais conhecidos e bem pagos dos Estados Unidos, jogando no Buffalo Bills. "Toda a minha vida eu fui um corredor."

Em sua trajetória, Simpson quebrou recordes universitários e profissionais, ganhou o troféu Heisman e foi consagrado no Hall da Fama do futebol americano. Ele apareceu em dezenas de anúncios memoráveis para a Hertz e outros clientes, foi comentarista esportivo das emissoras ABC e NBC, adquiriu casas, carros e uma família radiante. Se tornou um ídolo americano —um guerreiro bonito com os olhos gentis e a voz suave de um cara legal. E ele jogava golfe.

Parecia ser uma vida boa. Mas havia uma realidade mais profunda e problemática —uma filha bebê se afogando na piscina da família, a separação de sua namorada do ensino médio, um casamento turbulento com uma jovem garçonete deslumbrante e suas frequentes ligações para a polícia quando ele agredia a mulher, além de acessos de ciúme de um homem frustrado.

Intervenções da polícia

Os abusos deixaram Nicole Simpson machucada e aterrorizada em dezenas de ocasiões, mas a polícia raramente tomava medidas substanciais. Após uma ligação para a polícia no Ano Novo de 1989, as autoridades a encontraram espancada e seminua, escondida nas moitas do lado de fora de sua casa. "Ele vai me matar!" ela disse.

Simpson foi preso e condenado por abuso conjugal, mas acabou solto com uma multa e liberdade condicional. O casal se divorciou em 1992, mas os embates continuaram. Em outubro de 1993, Nicole ligou para a polícia novamente. "Ele voltou", ela disse, e os policiais mais uma vez intervieram.

Em 12 de junho de 1994, Nicole, então com 35 anos, e Goldman, com 25, foram atacados do lado de fora de seu condomínio em Los Angeles —não muito longe da propriedade de Simpson. Ela foi quase decapitada, e ele, esfaqueado até a morte.

A faca nunca foi encontrada, mas a polícia descobriu uma luva de golfe ensanguentada no local e muitas pistas de cabelo, sangue e fibras. Cientes dos abusos anteriores de Simpson, os investigadores acreditavam desde o início que ele, então com 46 anos, era o assassino. Foi encontrado sangue em seu carro e, em sua casa, uma luva de golfe ensanguentada que correspondia àquela encontrada perto dos corpos. Nunca houve outro suspeito.

Depois de comparecer ao funeral de Nicole com seus dois filhos, Simpson foi acusado dos assassinatos, mas fugiu em seu Ford Bronco. Com seu velho amigo e companheiro de equipe Al Cowlings ao volante e o fugitivo no banco de trás segurando uma arma na cabeça e ameaçando suicídio, o carro liderou uma frota de carros de patrulha e helicópteros de jornais numa perseguição televisionada por estradas da Califórnia.

As redes de TV interromperam a programação do horário nobre para mostrar o espetáculo, com uma audiência de 95 milhões de pessoas nos Estados Unidos. Em certa altura, Simpson finalmente voltou para casa e foi levado sob custódia.

O julgamento subsequente durou nove meses, de janeiro a outubro de 1995, e hipnotizou o país —e vários outros ao redor do mundo— com os relatos sórdidos dos assassinatos e as táticas e estratégias dos promotores e advogados de defesa.

A acusação tinha o que pareciam ser evidências avassaladoras —testes mostrando que sangue, pegadas de sapato, fios de cabelo, fibras de camisa, fios de carpete e outros itens encontrados tinham vindo de Simpson ou de sua casa, além de testes de DNA que mostraram que a luva de golfe ensanguentada encontrada na casa dele correspondia àquela deixada na cena do crime. Fora uma lista de 62 incidentes de comportamento abusivo contra a mulher.

Mas, à medida que o julgamento se desenrolava, tornou-se aparente que a investigação policial havia sido falha. Provas fotográficas haviam sido perdidas ou mal rotuladas, o DNA havia sido coletado e armazenado de forma inadequada, levantando a possibilidade de contaminação. E uma testemunha-chave, o detetive Mark Fuhrman, admitiu que havia entrado na casa de Simpson e encontrado a luva correspondente e outras evidências cruciais, mas sem um mandado de busca.

A defesa argumentou, mas nunca provou, que ele plantou uma segunda luva. Mais prejudicial, no entanto, foi seu histórico de comentários racistas. Fuhrman jurou que não havia usado linguagem racista por uma década. Mas quatro testemunhas e uma entrevista de rádio gravada o contradisseram e minaram sua credibilidade.

No que foi visto como o erro crucial do julgamento, a acusação pediu a Simpson, que não foi chamado para depor, para experimentar as luvas de golfe. Ele teve dificuldade. Aparentemente, elas eram muito pequenas.

No final, foi a defesa que teve o caso esmagador, com muitos motivos para dúvida razoável, o padrão para absolvição. Mas eles queriam mais. Eles retrataram a polícia de Los Angeles como racista, acusaram perseguição a um homem negro e instaram o júri a pensar além da culpa ou inocência e enviar uma mensagem a uma sociedade racista.

No dia da decisão, colecionadores de autógrafos, vendedores de camisetas, pregadores de rua e paparazzi ocuparam os degraus do tribunal. Após o que alguns veículos de imprensa chamaram de "O Julgamento do Século", produzindo 126 testemunhas, 1.105 itens de evidência e 45.000 páginas de transcrições, o júri —isolado por 266 dias, mais do que qualquer outro na história da Califórnia— deliberou por apenas três horas.

Muitos americanos pararam para assistir. Até o presidente Bill Clinton deixou o Salão Oval para se juntar às suas secretárias. No tribunal, gritos de "sim!" e "ah, não!" ecoaram por toda a nação, já que o veredito deixou muitas pessoas negras jubilantes e muitas pessoas brancas chocadas.

Na sequência, Simpson e o caso se tornaram o material para especiais de televisão, filmes e mais de 30 livros, muitos por participantes que fizeram milhões. Simpson, com Lawrence Schiller, produziu "Quero Te Contar", um volume fino de cartas, fotografias e comentários que vendeu centenas de milhares de cópias e rendeu a Simpson mais de US$ 1 milhão.

Ele foi solto após 474 dias sob custódia, mas seu sofrimento estava longe de acabar. Grande parte do caso foi ressuscitada para o processo civil pelas famílias Goldman e Brown. Um júri predominantemente branco com um padrão de prova mais flexível considerou Simpson culpado e concedeu às famílias US$ 33,5 milhões em danos.

Após gastar grandes quantias em sua defesa criminal, ele recuperou a guarda dos filhos que teve com Nicole e em 2000 se mudou para a Flórida, comprou uma casa em Miami e se estabeleceu com uma vida tranquila, jogando golfe e vivendo com pensões de cerca de US$ 400 mil por ano. Simpson era visto em restaurantes e shoppings, onde prontamente atendia a pedidos de autógrafos.

Em 2006, à medida que a dívida para as famílias das vítimas do assassinato crescia com juros para US$ 38 milhões, ele foi processado por Fred Goldman, pai de Ronald Goldman, que alegava que seu livro e a venda dos direitos do livro "If I Did It" para a televisão haviam rendido US$ 1 milhão.

Os projetos foram cancelados pela News Corporation, controladora da editora HarperCollins e da rede de televisão Fox, e um porta-voz da empresa disse que Simpson não iria receber um adiantamento de US$ 800 mil.

A família Goldman comprou os direitos do livro após um processo de falência e o publicou em 2007 sob o título "If I Did It: Confessions of the Killer". Na capa do livro, o "se" aparecia em letras pequenas, e o "eu fiz isso" em letras vermelhas grandes.

Questões sobre sua culpa ou inocência nos assassinatos de sua ex-mulher e de Goldman nunca desapareceram. Em maio de 2008, Mike Gilbert, um negociante de memorabilia e ex-amigo, disse em um livro que o ex-atleta, sob efeito de maconha, havia admitido os assassinatos para ele após o julgamento.

Gilbert disse que ele não carregava faca alguma, mas que usou uma que Nicole tinha na mão quando abriu a porta. Também afirmou que ele parou de tomar remédios para artrite para deixar suas mãos inchadas para que não coubessem nas luvas no tribunal. O advogado de Simpson, Yale L. Galanter, negou as alegações.

Em 2016, mais de 20 anos após seu julgamento, a história de O.J. Simpson foi contada duas vezes para enormes audiências fascinadas na televisão. "The People v. O.J. Simpson", minissérie de Ryan Murphy na antologia "American Crime Story", tratou do julgamento em si e nos personagens reunidos pelo réu.

Já "O.J.: Made in America", uma série de cinco partes e quase oito horas da ESPN —lançada nos cinemas—, também detalhou o julgamento, mas estendeu a narrativa para incluir uma biografia de Simpson. Também trouxe uma análise de raça, fama, esportes e Los Angeles ao longo do meio século anterior.

A criança

Orenthal James Simpson nasceu em San Francisco em 9 de julho de 1947. Quando bebê, sofria de raquitismo por deficiência de cálcio e usava aparelhos ortopédicos por vários anos, mas superou sua deficiência.

Seu pai, um zelador e cozinheiro, deixou a família quando Simpson tinha 4 anos, e sua mãe, uma auxiliar de enfermagem hospitalar, criou as crianças em um projeto habitacional. Na adolescência, a lenda da NFL odiava seu nome. Ele se chamava de O.J. e andava com gangues de rua.

Aos 15 anos, foi apresentado por um amigo a Willie Mays, do San Francisco Giants. O encontro mudou a vida dele. Simpson se juntou à equipe de futebol americano da Galileo High School.

Em 1967, ele se casou com a namorada do ensino médio, Marguerite Whitley. O casal teve três filhos, Arnelle, Jason e Aaren. Pouco depois do divórcio em 1979, Aaren, com 23 meses, caiu em uma piscina em casa e morreu uma semana depois.

Simpson se casou com Nicole Brown em 1985, com quem teve uma filha, Sydney, e um filho, Justin. Ele deixa Arnelle, Jason, Sydney e Justin Simpson e três netos, afirmou seu advogado, Malcolm P. LaVergne, ao New York Times.

O jogador

Simpson era um talento natural no campo de futebol americano. Ele tinha velocidade deslumbrante, poder e finesse em um campo aberto que o tornava difícil de ser alcançado ou derrubado.

Começou sua carreira universitária no San Francisco City College, marcando 54 touchdowns em dois anos. No terceiro ano, se transferiu para a Southern Cal, onde quebrou recordes —correndo para 3.423 jardas (cerca de três quilômetros) e 36 touchdowns em 22 jogos— e levou os Trojans ao Rose Bowl em anos consecutivos. Ele ganhou o Heisman como o melhor jogador de futebol americano universitário do país em 1968. Algumas revistas o chamaram de o maior running back na história do jogo universitário.

Sua carreira profissional foi ainda mais ilustre, embora tenha levado tempo para decolar. Primeira escolha do draft de 1969, ele foi para o Buffalo Bills e foi usado com parcimônia em sua temporada de estreia. No segundo ano, ficou de fora após sofrer uma lesão no joelho, mas em 1971 começou a decidir os jogos.

Em 1973, Simpson se tornou o primeiro a correr mais de 2.000 jardas (cerca de dois quilômetros), quebrando um recorde de Jim Brown, e foi nomeado o jogador mais valioso da NFL. Em 1975, liderou a Conferência de Futebol Americano em corridas e pontuação.

Depois de nove temporadas, foi negociado com o San Francisco e jogou seus dois últimos anos com os 49ers, de sua cidade natal. Se aposentou em 1979 como o jogador mais bem pago da liga, com um salário acima de US$ 800 mil, tendo marcado 61 touchdowns e corrido mais de 11.000 jardas (10 quilômetros) em sua carreira. Entrou no Hall da Fama do futebol profissional em 1985.

O trabalho do Sr. Simpson como comentarista esportivo de televisão coincidiu com seus anos de futebol americano. Ele atuou na ABC de 1969 a 1977 e para a NBC de 1978 a 1982. Ele se juntou novamente à ABC de 1983 a 1986.

O ator

Simpson teve uma carreira de ator paralela. Ele apareceu em cerca de 30 filmes e produções de televisão, incluindo a minissérie "Raízes" (1977) e os filmes "Inferno na Torre" (1974), "Mercenários do Diamante" (1976), "A Travessia de Cassandra" (1976), "Capricórnio Um" (1977), "Poder de Fogo" (1979) e outros, incluindo "Corra que a Polícia Vem Aí!" (1988) e duas sequências.

Ele não fingia ser um ator sério. "Sou um realista", disse. "Não importa quantas aulas de atuação eu tivesse, o público simplesmente não me compraria como Otelo."

Colaborou Lucas Brêda

Erramos: o texto foi alterado

O.J. Simpson foi jogador de futebol americano, não de futebol, como apontou incorretamente versão anterior do título do texto.

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