Se você também transita entre idiomas, deve entender essa pequena felicidade de encontrar a palavra perfeita, que parece quase melhor que a original, para expressar uma ideia ou sentimento. Esse é o caso do título do primeiro romance de Szilvia Molnar, "Máquina de Leite", que se passa durante os primeiros dias de uma mulher (que por acaso é uma tradutora) após o nascimento de sua filha.
O título original, "The Nursery" (o berçário) transmite a ideia de um espaço específico para crianças pequenas e não tem esse mesmo apelo corporal, animalesco, mas também robótico, que permeia o romance.
Em uma semana de vida da bebê, acompanhamos o cansaço, angústia, medo, raiva e dor da mãe. Ao voltar com a recém-nascida para casa, ela se vê em um imenso perder-se de si mesma, completamente à disposição de outra pessoa, que precisa dela o tempo todo.
Seres humanos são vulneráveis, precisam ser cuidados para sobreviver. A imensidão do que se demanda de uma mãe, o desgaste físico de parir, em geral subestimado, e a angústia de ter que manter em vida aquele pequeno ser, tão frágil entre suas mãos, são a peça central desse romance. Seu corpo, agora um "maquinário" a serviço da bebê, é onipresente.
A privação de sono, absorventes empapados de sangue, os seios doloridos que escorrem quase o tempo todo, a barriga inchada, os pontos de sutura que dificultam de se sentar e ardem ao urinar, gelo entre as pernas, hemorroidas, uma fome constante… O mal-estar é muito vívido, é palpável. Uma vontade imensa de se esconder sob as cobertas e chorar, mas não há tempo, porque a bebê está chorando, com a fralda cheia.
É durante o nascimento de sua filha, de sua família, que ela vive o luto de si mesma. O luto de sua autonomia, da pessoa inteira, que fazia seu próprio uso do seu tempo antes de parir. Agora seus dias são ditados pelas necessidades desse corpo minúsculo. Sua escrivaninha, seu livro, propostas excitantes de trabalho, tudo está ali, pegando poeira. Nas noites em claro ela tenta não acordar o marido presente, mas ineficiente. Ele precisa dormir, enquanto ela delira de exaustão.
Não há nada que a impeça de sair de casa. Ainda assim, ela não consegue colocar os pés nas escadas da frente do prédio, tomar um café olhando para a rua, como costumava fazer, nem acompanhar sua bebê nas primeiras consultas médicas.
Enclausurada no apartamento, rodeada de roupas, caixas e louças que se amontoam. Fechada em seu próprio isolamento, construindo para nós um quadro sufocante de dor, enquanto recebe visitas de um vizinho idoso, e seu galão de oxigênio, incomodado com o choro da bebê. Impossível não notar a referência à pandemia de Covid-19, período no qual o livro foi escrito.
Um relato terrificante só poderia nascer (perdoe o trocadilho) durante um momento aterrorizante, não? Talvez, mas só porque subestimamos o parto, o puerpério e a maternidade, a ponto de uma juíza e uma promotora dizerem para uma criança, como foi o caso da menina de 11 anos grávida após um estupro em Florianópolis, que ela pode "suportar mais um pouquinho".
Ao sugerir parir e entregar o bebê para a adoção se o pai (o estuprador, vejam bem) concordasse, restringia seu acesso ao direito de abortar, quando seu direito a uma vida sem abusos já havia sido violado.
No fim, quando alguém põe em palavras a tempestade de sentimentos contraditórios que envolvem algo severamente encantado, santificado e idealizado, como a maternidade, corre o risco de ser encaixotada em um diagnóstico de crise de saúde mental. Mas e se ela estiver apenas sendo honesta sobre a dor profunda infligida por uma mudança visceral que se abate sobre si mesma?
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