Descrição de chapéu AIDS

Obra de Leonilson ressurge e revela potência em mostras em São Paulo e no Rio

Vítima da Aids, artista ganha exposições que exploram sua influência na arte, dos anos 1980 até o mundo contemporâneo

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Rio de Janeiro

Do alto do castelinho da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, um dos centros das artes visuais do Rio de Janeiro, uma chuva de papéis picados era atirada e caía sobre o público e a famosa piscina —que tem mais histórias que muitos museus.

Pelo espaço, uma infinidade de pessoas, muitas até mesmo fantasiadas, em meio às 123 obras da mostra "Como Vai Você, Geração 80?", uma das duas exposições mais importantes da arte brasileira na segunda metade do século 20. A outra foi "Opinião 65", realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, na década de 1960"

O artista Leonilson em retrato feito em 1986 - Bob Wolfenson

A coletiva de 1984 reunia artistas de diversas regiões do Brasil. Parte dos artistas de São Paulo trazidos para a mostra, como Leda Catunda e Luiz Zerbini, chegaram a ela por meio do artista cearense José Leonilson Bezerra Dias.

Agora, o artista é o eixo de "Leonilson e a Geração 80", na galeria Pinakotheke Cultural do Rio de Janeiro. A exposição rememora os 30 anos de sua morte, em 1993, e antecipa os 40 anos da mostra de 1984 no Parque Lage. Incluindo um vídeo restaurado da abertura. "Tinha tudo para dar errado", conta o galerista Max Perlingeiro, da Pinakotheke, responsável pela mostra atual —e que esteve presente em 1984, atirando papéis picados no público. "Eram obras grandes. Uma grande desordem." Parte das peças será exposta ao público pela primeira vez desde então.

As obras de Leonilson datam dos anos 1980 e 1990. Incluem pinturas, bordados e ilustrações, que o artista fez como colaborador deste jornal.

Pelo percurso das obras, na sala que abre a exposição, é possível observar a versatilidade do artista, no uso de diferentes materiais, como em "Las Ilusiones", de 1982, que mistura aquarela, guache, tinta de carimbo, lápis de cor e caneta hidrográfica sobre papel, com cores suaves.

O espaço dedicado a Leonilson também mostra como a circunstância da Aids, num período em que não havia os tratamentos avançados de hoje, a fragilidade física impactou seu processo criativo. No lugar da miscelânea de cores e materiais para composição, o bordado, que vemos no singelo "Macaco", de 1989.

Já a galeria Almeida e Dale, em São Paulo, realiza individual do artista morto há 30 anos.

Mas "Leonilson. Copo Político", com organização de Agustín Pérez Rubio, traz o artista para uma chave mais próxima das leituras contemporâneas.

As 70 obras estão divididas em seis espaços, com diferentes eixos temáticos. No primeiro deles, está justamente o artista de "Leo Não Consegue Mudar o Mundo", de 1989, e "Leo Não Pode Mudar o Mundo", de 1991.

As 70 obras da mostra estão divididas em diferentes temas, como a sexualidade, a afetividade e a ecologia —uma vez que Leonilson era do Ceará e convivera com histórias ligadas à depredação da natureza.

As peças que tratam de questões afetivas e sexuais ocupam um espaço importante na individual. Leonilson era gay e descobriu ser soropositivo, razão pela qual morreu, aos 33 anos, em maio de 1993.

"O Leonilson era alguém que sabia que ia morrer, mas que continuava pensando em sexo", afirma Pérez Rubio.

Isso pode ser observado, diz, nos desenhos que o artista faz para a obra "O Perigoso". "É um corpo desejante."

A mostra destaca representações homossexuais e homoeróticas, produzidos numa época em que essas relações —por causa da Aids, da falta de tratamento e do estigma social— eram brutalmente condenados moralmente.

Nesse eixo, um dos pontos de destaque são obras que abordam temas como a prática de sexo a três ou de BDSM. São o caso de "Herói Humilhado", de 1988, "Homem com Fogo nas Mãos", de 1990, e "No Yes Please", de 1990 e 1991.

São obras que, segundo o organizador, invertem o senso comum sobre práticas sexuais. "Na hora de servir, de ser um escravo, se está empoderado." Segundo Rubio, a mostra permite observar o trajeto de depuração da estética de Leonilson e seu recheio político.

"Ele se tornou mais político. Político, não panfletário." Sempre bom lembrar.

Leonilson e a Geração 80

Leonilson. Corpo Político

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