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02/03/2012 - 13h39

Conexão defeituosa pode ter feito partículas serem mais velozes que a luz

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ALOK JHA
DO "GUARDIAN"

Quando, no ano passado, cientistas na Itália anunciaram que tinham registrado partículas subatômicas deslocando-se em velocidade superior à da luz, foi o início de um frenesi. Mas um resultado experimental que infringia uma das leis mais fundamentais da física não podia deixar de ser implausível. E agora os cientistas identificaram a possível causa dos resultados equivocados: falhas de conexão.

Reprodução
Deslocamentos em velocidade superior à da luz contrariam a teoria da relatividade especial, do alemão Albert Einstein (1879-1955)
Deslocamentos em velocidade superior à da luz contrariam a teoria da relatividade especial, do alemão Albert Einstein (1879-1955)

Deslocamentos em velocidade superior à da luz contrariam a teoria da relatividade especial, de Albert Einstein. Se isso fosse possível, abriria a possibilidade preocupante de serem enviadas informações para trás no tempo, tornando menos nítida a separação entre passado e presente e colocando de ponta-cabeça o princípio fundamental de causa e efeito.

Em seu experimento original, relatado em setembro, os cientistas dispararam feixes de partículas subatômicas chamadas neutrinos através da terra a partir do CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, na sigla em inglês), nas proximidades de Genebra, para um laboratório em Gran Sasso, Itália, a 720 quilômetros de distância. Os neutrinos aparentemente chegaram 60 bilionésimos de segundo antes do que o previsto se estivessem se deslocando à velocidade da luz em um vácuo.

CETICISMO

O físico e apresentador de televisão Jom Al-Khalili, da Universidade de Surrey, exprimiu a incredulidade de muitos outros profissionais da área quando disse que, se os resultados fossem comprovados e os neutrinos tivessem de fato rompido a velocidade da luz, "comerei minhas cuecas samba-canção na televisão ao vivo".

Físicos de todo o mundo passaram os meses desde então procurando razões pelas quais o experimento pode ter falhado ou desenvolvendo novas hipóteses capazes de explicar o resultado anômalo.

Na noite de 22 de fevereiro, cientistas do projeto colaborativo Opera (Oscillation Project with Emulsion-tRacking Apparatus), em Gran Sasso, que realizaram os experimentos iniciais, divulgaram um comunicado descrevendo dois erros potenciais no hardware que utilizaram. "Se forem confirmados, um deles aumentaria as dimensões do efeito medido, e o outro as diminuiria", disse o comunicado, publicado no site do CERN.

Um dos erros possíveis é uma conexão falha de fibra ótica no mecanismo usado para cronometrar a chegada dos neutrinos em Gran Sasso. Para fazer as medidas, cientistas precisam marcar o momento exato em que os neutrinos são criados no CERN e também o momento exato em que as partículas chegam ao detector do Opera.

"Eles utilizam um sistema de sincronização por GPS, e, para que isso funcione, é preciso ter algumas antenas que possam enxergar os satélites e então é preciso deitar cabos pelo subsolo a partir das antenas, centenas de milhares de metros de cabos, e calcular corretamente o comprimento dos cabos", disse Ryan Nichol, que trabalha em um experimento semelhante, o Minos (Main Injector Neutrino Oscillation Search), no Fermilab, perto de Chicago.

SUSPEITA

Os cientistas do Opera suspeitam que uma conexão nesta fibra ótica possa ter se quebrado ou ficado solta durante os experimentos feitos no ano passado. "Se for o caso, isso pode ter levado à subestimação do tempo de voo dos neutrinos", segundo o comunicado do Opera.

A segunda fonte potencial de erro pode ser um problema com o próprio sistema GPS, que o faria produzir carimbos de tempo incorretos no experimento do Opera. "Eles têm um relógio que cronometra os eventos no detector e um relógio com GPS situado em outro lugar, que lhes informa o horário real", explicou Nichol. "Precisam transferir informações entre esses relógios. O Opera parece sugerir que um desses relógios tivesse apresentado algum erro."

Esse erro, se for confirmado, implicaria em um resultado ainda mais espantoso que o que foi anunciado em setembro: que os neutrinos teriam viajado ainda mais rapidamente do que se suspeitou, e que a anomalia de 60 bilionésimos de segundo teria sido fruto de uma subestimação.

Conectores soltos não são incomuns em grandes experimentos de física, disse o professor Jon Butterworth, físico de partículas no University College London e chefe da equipe do Reino Unido no detector Atlas, do CERN. "Temos muitas conexões falhas no Atlas, mas sabemos onde todas estão, as monitoramos, temos milhões delas e estão todas em paralelo", disse Butterworth.

Ele precisou ainda que ocasionalmente os físicos do CERN registram alguns eventos de aparência altamente incomum: "Você tem um conector falho, alguma energia faltante, e de repente parece que você encontrou matéria escura, mas então pensa 'não, espere aí, aquele calorímetro não estava funcionando bem naquele ponto'. Chamamos isso de monitoramento da qualidade de dados; se você não for experiente, pode se enganar com isso. Geralmente a irregularidade é corrigida em um ou dois dias, de modo que nem sequer chega aos blogs."

Resultados que contrariam as regras estabelecidas ou previstas da física são alvos do maior escrutínio. "É preciso tomar grande cuidado com isso, porque, se não tiver cuidado, pode acabar enxergando apenas o que espera, na medida em que atribui peso muito maior aos resultados que correspondem às suas expectativas", disse Butterworth.

"Imagine se o experimento dos neutrinos tivesse dado como resposta a velocidade da luz. Eles nunca teriam voltado e checado os conectores ou a coisa do GPS com o cuidado necessário. Existe na ciência a tendência de, se você obtém o resultado que esperava, não checá-lo. Já se você recebe um resultado inesperado, passa horas ou anos verificando-o."

O professor Al-Khalili disse que os cientistas do Opera estão demonstrando grande honestidade ao anunciar potenciais falhas em suas medições. "Mas creio que agora, mais que nunca, a teoria de Einstein e minhas cuecas samba-canção estão seguras."

Os cientistas só saberão qual dos erros suspeitos é o culpado pelos resultados anômalos (se é que um deles o é) até realizarem mais experimentos, previstos para maio.

TESTAR E TESTAR

Em novembro do ano passado eles excluíram outra fonte potencial de erro. Os pulsos dos neutrinos transmitidos pelo CERN no experimento original foram relativamente longos, cerca de dez microssegundos cada, de modo que medir o tempo exato de chegada das partículas em Gran Sasso poderia dar erros relativamente grandes.

Para dar conta disso, o CERN transmitiu pulsos milhares de vezes mais curtos --cerca de três nanossegundos--, separados por intervalos grandes de 524 nanossegundos. Isso permitiu aos cientistas cronometrar a chegada dos neutrinos em Gran Sasso com precisão maior.

Cerca de 20 eventos com neutrinos foram medidos na versão do experimento com sintonia fina, sendo cada um associado com precisão a um pulso que deixou o CERN, e, a partir das novas medições, os cientistas concluíram que os neutrinos ainda assim pareciam estar chegando em menos tempo do que deveriam.

O professor Dave Wark, diretor de física de partículas no Laboratório Rutherford Appleton, em Oxfordshire, disse que os fatos mais recentes mostram o esforço árduo da equipe do Opera para compreender os resultados.

"Assim como teria sido um equívoco concluir imediatamente que os resultados iniciais eram frutos de uma anomalia, seria desaconselhável fazer suposições agora. É da natureza da ciência que as teorias precisem ser testadas, testadas novamente e testadas outra vez."

Tradução de CLARA ALLAIN.

 

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