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19/03/2012 - 17h54

David Byrne, o colaborador cabeça

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HADLEY FREEMAN
DO "GUARDIAN"

Sempre é agradável descobrir que o habitat natural de uma pessoa é exatamente como você sempre visualizou para ela, e, nesse quesito, o espaço de trabalho de David Byrne em Nova York é especialmente agradável.

Carlos Cecconello - 9.jul.11/Folhapress
David Byrne durante a coletiva de imprensa na Flip, em Paraty
David Byrne durante a coletiva de imprensa na Flip, em Paraty

Situada no SoHo --núcleo de artistas de vanguarda nos anos 1980; hoje, porém, todos menos os mais bem-sucedidos foram obrigados a mudar-se para o Brooklyn, em função da alta dos preços--, a entrada é tão complicada que instruções são enviadas por e-mail três vezes por vários assistentes, e, mesmo assim, um deles é obrigado a descer num elevador de carga para me resgatar da rua.

Chegando lá em cima, abro caminho entre corredores sinuosos e, de repente, me vejo numa sala grande e bela com piso de madeira escura, obras de arte nas paredes, móveis coloridos e, o mais atraente de tudo, prateleiras altas repletas de quinquilharias intrigantes que só consigo resistir ao desejo de examinar de perto porque o próprio David Byrne aparece de repente.

DOÇURA

Flutuando lá ao alto, acima das ruas sujas e encharcadas de chuva do SoHo, a sensação é de estar numa fantástica fábrica de chocolates para artistas; o lugar dá a impressão de ser um ambiente altamente divertido para se trabalhar. É a própria imagem do espaço em que deveria passar seus dias uma das figuras fundamentais do cenário musical "new wave" do final dos anos 1970 e início dos anos 1980 em Nova York, hoje um dos polímatas mais produtos e interminavelmente curiosos que há por aí, alguém que já recebeu prêmios Oscar, Grammy e Globo de Ouro.

Mas o próprio David Byrne não corresponde inteiramente ao que eu imaginava. Fisicamente, sim, é bastante semelhante ao esperado, com calças pretas, camiseta preta, agasalho descolado cinza com capuz e aquele rosto juvenil e um pouco amassado coroado por fartos cabelos brancos.

Mas a inquietude que às vezes parecia ser a característica que mais o definia, como o rosto público dos Talking Heads, se suavizou, virando uma doçura gentil e amigável.

Divulgação
Byrne canta "Asa Branca" com a banda brasileira Forro In The Dark; cena está em documentário de Lírio Ferreira
Byrne canta "Asa Branca" com a banda brasileira Forro In The Dark; cena está em documentário de Lírio Ferreira

Byrne não é um sujeito descontraído --a voz ainda é staccato, e ele tem tiques quase constantes, empurrando suas mãos para frente e para trás sobre a mesa. Mas ri com facilidade e tem um hábito simpático de empregar expressões americanas anacrônicas que não se costumam ouvir muito desde 1954: "Jeez Louise!" "Gosh!" "Boy, oh boy!".

"Tome, pensei que você poderia gostar disto", ele fala, tão desajeitado quanto um garoto adolescente dando um presente de aniversário a sua mãe, e me entrega um CD de seu show ao vivo em 2004 com Caetano Veloso, no Carnegie Hall.

"Fiquei muito nervoso me apresentando com ele, é claro." Mas ele curtiu? "Oh yeah. Oh yeah!"

É um testemunho à generosidade e curiosidade de David Byrne o quanto ele gosta de fazer colaborações. Além de seus trabalhos muito conhecidos com Brian Eno, Byrne já colaborou com artistas tão diversos quanto Twyla Tharp e Arcade Fire.

No momento está trabalhando em duas colaborações com artistas que não poderiam ser mais diferentes: Annie Clark, a cantora e compositora pop barroca americana conhecida como St. Vincent, e Fatboy Slim --sim, isso mesmo.

Alex Brandon - 19.mai.11/AP
David Byrne no jantar dos correspondentes na Casa Branca
David Byrne no jantar dos correspondentes na Casa Branca

Este último projeto soa espantoso. Intitulado "Here Lies Love", é um projeto favorito de Byrne, que o vem preparando em sua cabeça há anos: uma ópera sobre Imelda Marcos. Será apresentada integralmente pela primeira vez no verão americano deste ano, no interior de Nova York. O que o levou a passar quase os últimos dez anos escrevendo com Fatboy Slim um musical sobre a viúva louca por sapatos de um ditador deposto?

"Ela adorava frequentar discotecas", é a resposta, não inteiramente inesperada. "Gostava de cantar, mas também gostava muito de ir a clubes e tinha um globo de discoteca em sua casa em Nova York. Então pensei: 'Maravilha! Uma pessoa que tem história e que já vem com sua própria trilha sonora.'"

E como Norman Cook reagiu quando foi convidado a cooperar? Byrne riu por um minuto. "Ah, sim. A gente teve dois encontros e então ele disse 'ok, vamos ver se dá certo'. Então ele vem fazendo boa parte da parte musical e dos ritmos, como Norman costuma fazer, ou me dá um ritmo e eu componho uma canção em cima dele. Fica bem definido quem está fazendo o que."

David Byrne, que nasceu na Escócia e cresceu no Canadá e Estados Unidos, fala com fluência e prazer sobre seu trabalho, mas, quando lhe é feita uma pergunta um pouco mais pessoal --aquilo que ele procura num colaborador--, o staccato vocal fica mais pronunciado, e suas mãos avançam e recuam pela mesa com vigor redobrado.
"Ahn.... alguém que eu admiro, mas cujo trabalho seja suficientemente diferente do meu para que eu pense que talvez possa aprender algo com essa pessoa e ver como ela funciona. Numa colaboração, você se beneficia quando a outra pessoa faz o trabalho dela, você faz o seu, e vocês dois entram no mesmo fluxo, mas com cada pessoa fazendo a sua própria coisa."

Comento que soa quase como um relacionamento romântico. Byrne gosta dessa ideia. "Yeah! Yeah, yeah."

Byrne e eu estamos reunidos para falar sobre ainda outra colaboração com um artista, desta vez alguém tão diferente de Fatboy Slim quanto sinos de vento são de um conjunto de som: o cantor punk/folk americano Will Oldham.

Como o "solipsista pós-punk dos Apalaches" (para citar uma descrição crítica de Oldham) se compara, como colaborador, com o compositor de "Right Here, Right Now?" Novamente Byrne riu muito. "Yeah, são bem diferentes!"

Byrne convidou Oldham para trabalhar sobre canções para o filme ainda inédito "This Must Be the Place", estrelado por Sean Penn e dirigido por Paolo Sorrentino. O título, é claro, é uma homenagem à canção dos Talking Heads.

LIBERDADE CRIATIVA

Byrne concordou em trabalhar no projeto porque era fã do filme anterior de Sorrentino, "Il Divo", e já trabalhou em muitos filmes diversos, incluindo "O Último Imperador", pelo qual recebeu um Oscar, enquanto Oliver Stone praticamente construiu "Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme" em torno de suas canções.

"São todos filmes muito diferentes. Acho que procuro filmes no qual vou ter liberdade criativa. O que penso é que, se um diretor ou estúdio procura algo muito específico em termos de música, deve procurar alguém que faça esse tipo de música. Se chamar a mim, bem, você vai receber algo que seja meu."

A música de "This Must Be the Place" é linda, como se poderia esperar de uma colaboração Byrne/Oldham, mas o filme é francamente ridículo.

"Robert Smith, do The Cure, como caçador de nazistas", Byrne gargalha outra vez. "Não sei se as pessoas vão aderir, mas vamos ver." E ri mais um pouco.

O filme começa com Sean Penn representando um roqueiro recluso, sósia de Robert Smith, que abandonou a música nos anos 1980, no auge do sucesso, aposentou-se na Irlanda com sua mulher (Frances McDormand) e agora passa seu tempo passeando em shoppings e praticando esportes com a mulher numa piscina esvaziada.

Se fosse apenas isso, poderia ser um filme bastante interessante, mas, infelizmente, a história vira uma saga desvairada em que Penn atravessa os Estados Unidos de carro procurando o nazista que torturou seu pai, morto há pouco tempo.

Há uma cena especialmente embaraçosa em que Sean Penn grita para Byrne: "David Byrne, você é um artista!" Como Byrne conseguiu deixar de gargalhar quando filmaram isso? "Foi difícil", ele reconhece. "Mas, não surpreendentemente em se tratando de Sean Penn, quando ele está atuando ele realmente mergulha no personagem. Então pensei: 'Simplesmente reaja como se alguém estivesse falando com você desse jeito'." Como se alguém estivesse gritando "David Byrne, você é um artista!"? Byrne responde gargalhando novamente. E isso não lhe deu vontade de atuar mais? "Não, não, não!"

O que falta a essa cena em matéria de diálogo não absurdo é compensado em termos de nos lembrar quão incansavelmente e até corajosamente produtivo Byrne vem sendo desde sua época áurea, nos anos 1980, na medida em que ela o contrasta com Cheyenne, o personagem de Sean Penn.

O TRABALHO É SUA VIDA

Não são poucos os músicos que, como Cheyenne, optam por afastar-se do palco depois de fazer sucesso, mas Byrne, 59 anos, não apenas continua a fazer música de muitos gêneros como escreve livros: o bem recebido "Diários de Bicicleta", de 2009, e "How Music Works", ainda inédito. Além disso, escreve colunas no "New York Times", mantém um blog prolífico e faz exposições de arte.

"Mas posso me solidarizar totalmente com o personagem (de Penn): alguém que já fez o que queria fazer e agora vai viver sua própria vida."

Fica claro que para David Byrne, o trabalho é sua vida. Eu já tinha sido informado inequivocamente antes da entrevista que só poderia fazer perguntas sobre o filme, mas Byrne se mostra mais que disposto a comentar todos seus outros projetos, em muitos casos mencionando-os ele próprio. Sua energia vai se intensificando à medida que os discute em toda suas particularidades.

Sabe, digo quando estamos encerrando a entrevista, é engraçado o que você falou sobre Imelda Marcos adorar o som disco e ter sua própria trilha sonora, porque Osama bin Laden era obcecado por Whitney Houston, logo, penso nisso como sendo a trilha sonora dele. Byrne ri tanto que se balança na cadeira e fica boquiaberto.

"Eu não sabia disso! Jeez Louise! Uau! Uau! Dá para imaginar a trilha com 'The Greatest Love of All'! Eu não sabia disso."
E ele vai embora, possivelmente para compor uma balada de ópera sobre Osama bin Laden.

Tradução de CLARA ALLAIN.

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