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19/07/2012 - 11h37

Brooklyn, a meca dos escritores

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AARON HICKLIN
DO "OBSERVER"

O caixa da filial no Brooklyn da Trader Joe's, uma rede de empórios especializados que é tremendamente procurada, tinha uma mecha de cabelo loiro, um mestrado em literatura e um sotaque arrastado da Califórnia quando disse "oi, cara".

Ele estava guardando o chouriço de soja num saco de papel pardo quando olhou para o livro que eu tinha nas mãos --um exemplar de "Brooklyn Is", um ensaio de 1939 do escritor e jornalista James Agee-- e perguntou se eu já tinha lido. Sacudi a cabeça, indicando que não. "Cara, esse livro é incrível", ele me disse. "Todo o mundo no Brooklyn deveria ler."

Mais tarde naquele dia, enquanto lia o ensaio de Agee, fiquei pensando naquele rapaz e no que Agee teria pensado dele, e em como poderia ser a odisseia de Agee no Brooklyn se ele a empreendesse hoje.

Rafael Mosna/Folhapress
A avenida Bedford, no bairro de Williamsburg, no Brooklyn, reúne bares e restaurantes
A avenida Bedford, no bairro de Williamsburg, no Brooklyn, reúne bares e restaurantes

A própria Trader Joe's fica numa parte da Atlantic Avenue que Agee descreveu como "terrenos baldios, com os fantasmas de pisos contra suas paredes, e os bares escuros e duros nas esquinas das ruas". Poucos daqueles bares escuros e duros existem hoje, mas algumas quadras a oeste da Trader Joe's fica o Montero's, aberto em 1945.

Seu cartaz em neon e sua parafernália náutica encarnam algo da era na qual Agee escreveu, mas o bar já não abre mais às 8h para atender estivadores saídos do turno da meia-noite. Artistas e escritores (à procura de "autenticidade") tomaram o lugar dos marinheiros bálticos. O mesmo se aplica ao Sunny's, um bar de 120 anos de idade em Red Hook, bairro portuário de armazéns e casas geminadas antigas que serviu de inspiração para "Sindicato de Ladrões".

Hoje o Sunny's é procurado pelas sessões de bluegrass e os encontros literários que atraem aficionados de todas as partes da região. Não há uma noite da semana em que não seja possível assistir a uma leitura de obras no Brooklyn, ou a várias.

Muitas delas acontecem nas livrarias independentes que vêm se multiplicando nos últimos anos ou que dobraram de tamanho, como é o caso da BookCourt, em Cobble Hill, onde me recordo de esperar numa longa fila de jovens tatuados, homens e mulheres, para ouvir Bret Easton Ellis fazer uma leitura. E os escritores não estão vindo ao Brooklyn apenas para ler --estão vindo em grande número para viver.

Alguns, como Paul Auster, estão aqui há décadas; outros, como Martin Amis (a metros de distância da BookCourt), acabam de desembarcar por aqui. Aos sábados dá para divertir-se procurando ganhadores do Prêmio Pulitzer na feirinha de produtores de Fort Greene, onde Jhumpa Lahiri e Jennifer Egan podem ser flagradas comprando legumes.

Em 2005, quando Jonathan Safran Foer e sua esposa, Nicole Krauss, autora de "The History of Love", compraram uma residência em Park Slope, alguns blogueiros ficaram estupefatos com o preço: US$ 3,5 milhões.

Esses são apenas os nomes destacados em bold. Para cada Safron Foer ou Lahiri há uma centena de outros trabalhando arduamente no relativo anonimato, complementando suas rendas com aulas ou um trabalho ocasional para uma revista. A ligação entre o Brooklyn e o ofício do escritor virou tão axiomática que, quando Sergio De La Pava lançou seu romance de estreia, "A Naked Singularity", em maio, declarou em seus dados biográficos: "Sergio De La Pava é um escritor que não vive no Brooklyn".

Jonathan Lethem, natural do Brooklyn mas que no ano passado o abandonou para radicar-se na Califórnia, foi mais incisivo, declarando ao "Los Angeles Times": "O Brooklyn virou repulsivo, de tantos romancistas que abriga; há um câncer de romancistas". Em outro lugar, ele reclamou que o "borough" que representou com tanta delicadeza em seu livro "Motherless Brooklyn" ficou "mais insosso, mais acessível, e tomou conta do mundo".

Essa mudança pode ser atribuída ao aburguesamento intensivo que vem acontecendo em boa parte do Brooklyn, ou pelo menos na parte do distrito situada mais perto de Manhattan (uma pesquisa recente indicou que quatro dos 25 bairros dos Estados Unidos que vêm se aburguesando mais rapidamente estão no Brooklyn). A reação a esse processo vem sendo desigual.

Por um lado, ninguém quer voltar à situação dos anos 1980, quando um bairro como Red Hook, que hoje sedia a Ikea, foi apelidado pela revista "Life" de capital americana do crack. Por outro lado, a elevação dos aluguéis e preços de imóveis muda o caráter do lugar. Se Agee pudesse voltar para cá, ainda encontraria sírios vivendo na Atlantic Avenue e italianos em Carroll Gardens, falando o dialeto siciliano.

O ambiente ainda é polonês em Greenpoint, e os descendentes do "judeu grisalho de touca religiosa" que Agee encontrou na DeKalb Avenue estão no mesmo lugar. Mas ele encontraria outras coisas também: aluguéis cada vez mais caros, restaurantes especializados em pratos complexos à base de porco e para os quais há uma lista de espera longa; bares de apresentação impecável que se fazem passar por espeluncas da era da Lei Seca, e dezenas de cafés lotados o dia inteiro com homens e mulheres jovens olhando atentamente para seus laptops, ao som dos suspiros e chiados de máquinas de cappuccino.

É claro que escritores podem viver em qualquer lugar e de fato o fazem, mas o fato de que, nas palavras do "New York Observer", o Brooklyn virou "uma zona de infestação, não apenas de romancistas mas de jornalistas, poetas e aqueles escrevinhadores muitas vezes ocultos no armário que se descrevem como editores e agentes literários", é uma peculiaridade que o distrito não compartilha com nenhuma outra área metropolitana importante.

Quando Martin Amis se mudou para Cobble Hill, no ano passado, isso foi largamente visto pela imprensa como selo de aprovação oficial do status do Brooklyn de fábrica de escritores da América. Não que o Brooklyn já tenha passado por alguma fase de escassez de escritores: Walt Whitman editava o "Brooklyn Eagle", e Norman Mailer viveu em Brooklyn Heights por boa parte de sua vida, ao lado de Truman Capote--, mas o fenômeno é tão pronunciado hoje que seria possível afirmar, sem exageros, que existem dois caminhos principais recomendados para candidatos a escritores nos EUA.

O primeiro é aceitar pagar o preço exorbitante de um dos cursos de redação criativa no país, que não param de se multiplicar (geralmente são mestrados em Belas Artes, ou Master of Fine Arts [MFA]); o segundo consiste em mudar-se para o Brooklyn.

TREMOR DE SILÊNCIO

Chad Harbach fez as duas coisas e então escreveu um ensaio espirituoso e reflexivo sobre o assunto. "MFA vs NYC" foi publicado em 2010 no "n+", periódico literário sério e erudito do qual Harbach é cofundador e que é uma das bases do cenário literário do Brooklyn.

A premissa é provocante: que os cursos de MFA se converteram em pouco mais do que centros de recrutamento para a próxima geração de professores de redação dos MFA. Se você quer escrever romances, mude-se para o Brooklyn --mais especificamente, para "um setor pequeno do centro-oeste do Brooklyn delimitado pela Dumbo [abreviação de "via elevada debaixo da ponte de Manhattan") e Prospect Heights".

É verdade que os livros, quando lançados, são recebidos em sua maioria com "um tremor de silêncio, se é que há alguma reação", escreveu Harbach, mas há aqueles que desafiam a norma, principalmente por aceitar que, como é o caso de uma canção pop, um romance literário de sucesso precisa de um gancho, prosa compreensível e tramas "bem amarradas". E também ajuda se são longos, ele sugeriu.

Isso foi em 2010. Em um ano Harbach tinha virado paradigma da validade de sua própria tese semissatírica, tendo conseguido um adiantamento surpreendente de US$650 mil por seu romance de estreia, "The Art of Fielding", um livro volumoso com 512 páginas

Peter Morgan/Associated Press
Prospect Park, no Brooklyn, em foto de 2008
Prospect Park, no Brooklyn, em foto de 2008

O livro entrou para a lista dos mais vendidos do "New York Times" e foi escolhido pelo produtor Scott Rudin para ser adaptado pela HBO, a nata da televisão de qualidade. As críticas foram uniformemente positivas. "The Art of Fielding" é "triunfal" ("Wall Street Journal"), "incomumente charmoso" ("New Yorker") e um dos dez melhores livros de 2011 ("New York Times"). A Bloomberg News destacou simplesmente as cifras: "Desempregado Diplomado por Harvard Leiloa Romance Sobre Beisebol Por US$650 Mil".

Como tinha sido o caso de "As Correções", de Jonathan Franzen, esse sucesso inequívoco também serviu para abrandar a desconfiança, manifestada pelas mesmas publicações, de que o best-seller literário é algo que praticamente já morreu.

Hoje Harbach vive na Virgínia, tendo deixado o Brooklyn no ano passado, mas retorna a Nova York com frequência. Numa manhã bonita e perfeitamente seca de primavera ele podia ser visto no Prospect Park, no Brooklyn, onde ele e um grupo de amigos se reuniam aos sábados para jogar "touch football".

Com o Prospect Park cheio de pessoas correndo e levando seus cachorros para passear, atirando frisbees ou tomando sol, Harbach demarca um trecho do gramado do Long Meadow e divide os jogadores em times.

Entre os jogadores estão três editores da revista "New York", um do site de cultura e política "Slate", um agente literário, um editor de texto, o editor do "Queens Ledger/Brooklyn Star" e um editor da Picador Books. "Às vezes é até um pouco embaraçoso, de tão literário", reconhece James Morris, diretor de arte do site CBS News, que vive nas proximidades.

A partida é lenta. Há tantos jogadores que eles precisam ficar trocando para que todos tenham uma chance de jogar. Enquanto estão na "reserva", eles ficam sentados numa encosta do gramado, sob os carvalhos e faias. O consenso é que o sucesso de Harbach é ótimo --para ele mesmo, mas também para as outras pessoas.

Os elementos típicos de sua história --os anos passados fazendo revisão, a quase penúria (seu amigo Keith Gessen recordou que eles não atendiam ao telefone no apartamento que dividiam no Brooklyn, para fugir de cobradores), as incontáveis rejeições --tudo isso torna seu sucesso atípico ainda mais doce. Reforça a crença coletiva de que este é um lugar que nutre seus escritores.

"Eu me identifico com essa história --é quase como se tivesse acontecido comigo", diz Gessen, emigrado russo cujo próprio romance, "All the Sad Young Literary Men", foi lançado em 2008, com fanfarra consideravelmente menor. Gessen também escreveu um ensaio de 10 mil palavras (mais tarde convertido em e-livro) para a "Vanity Fair" sobre a criação e publicação de "The Art of Fielding".

Ben Mathis-Lilley, editor da revista "New York" que se mudou do Michigan para o Brooklyn, comentou: "Vindo de um lugar onde apenas alguns garotos considerados estranhos no colégio gostavam de livros, adoro o fato de que aqui uma em cada três casas tem um escritor, por mais que isso possa ser um estereótipo".

Este é um tema que reaparece sempre. "Aqui, se você fala que escreveu um livro, as pessoas o parabenizam", me disse Rosie Dastgir, que veio de Londres para o Brooklyn em 2005, falando comigo numa tarde amena quando estávamos sentados em seu jardim, com canto de passarinhos ao fundo. Uma balança pendia de uma macieira, e roseiras se espalhavam pela cerca do jardim.

Era difícil acreditar que Manhattan estava a apenas algumas estações de metrô de distância. Dastgir recordou que nos primeiros meses no Brooklyn seu sentimento foi muito diferente, mas que isso mudou após muito caminhar pela região. Como James Agee, ela começou a ter uma visão mais ampla da diversidade do "borough".

"Eu me lembro de ter descoberto a Fifth Avenue do Brooklyn, de ter percorrido a avenida de ponta a ponta a pé, e eu costumava ir de ônibus até o lado mais distante de Coney Island Avenue e caminhar muito por lá, no bairro paquistanês." Muitas vezes ela via outros escritores: "Paul Auster no Second Street Café, Siri Hustvedt no Café Moutarde. Jhumpa Lahiri --sou uma grande fã dela. Eu já a vi empurrando um carrinho de bebê em Fort Greene."

Ela e seu marido, jornalista do "Financial Times", foram apresentados ao romancista Amitav Ghosh e a sua mulher, a biógrafa Deborah Baker, que, por sua vez, ajudou Dastgir a encontrar um agente literário. Seu primeiro romance, "A Small Fortune", sobre paquistaneses na Inglaterra, foi publicado no Reino Unido em fevereiro e acaba de ser lançado nos EUA, tendo recebido resenhas positivas.

EXIGÊNCIA NOVA

"Eu estava concentrada no trabalho, e quando olhei em volta, de repente parecia que mudar-se para o Brooklyn era uma exigência nova para escritores", contou Amanda Stern, romancista que há dez anos vive em Fort Greene, uma área de casas do século 19, ao lado de um parque que pode ser visto como coração da fábrica de escritores do Brooklyn.

Stern tinha sugerido que nos encontrássemos no Bittersweet, um daqueles cafés artisticamente boêmios com um cardápio de cafés --Cortado, Misto, Quad Americano-- que requer um grau em línguas latinas. Ela está sentada na ponta de um longo balcão de madeira, onde consegue furar a fila e pedir refills gratuitos aos baristas de passagem; em troca, ela dá aulas de redação aos funcionários da casa.

Stern é inteligente, vivaz e cheia de simpatia. Quinta geração de sua família a viver em Manhattan, ela veio ao Brooklyn seguindo seu então namorado. Sua trajetória profissional vem sendo mais típica que a de Harbach. Quando lhe pergunto quanto ela já ganhou por seus escritos, ela pensa por um instante e então diz: "Espere aí, tenho um cheque de US$ 5 de direitos autorais que nunca depositei --está pendurado na minha parede".

Esse cheque de valor desprezível (mais tarde, Stern me manda por e-mail uma foto dele) foi por seu primeiro romance, "The Long Haul", lançado em 2005. "O adiantamento que me pagaram foi de US$ 600, que realmente me permitiu abandonar meus outros trabalhos e viver a vida de luxo que eu sempre desejara", ela conta. "Em algumas butiques de Nova York, seria o suficiente para eu comprar duas camisetas."

(Esse é um tema sempre presente na "fábrica de escritores" do Brooklyn: quase ninguém ganha dinheiro escrevendo. Os fundadores da "n+1" se cotizaram para juntar US$ 8.000 e publicar o primeiro número da revista, dinheiro que só recuperaram seis meses depois. "Pensamos que éramos gênios comerciais, até percebermos que tínhamos trabalho por seis meses, sem salário, para recuperar nossos US$8.000.")

Hiroko Masuike/The New York Times
Vendedora serve banana coberta com chocolate em estande de feira no Booklyn
Vendedora serve banana coberta com chocolate em estande de feira no Booklyn

Stern se sai um pouco melhor escrevendo ficção infantojuvenil, mas, como Dastgir, como Harbach e seu time de escritores que jogam futebol americano, boa parte do que a sustenta é a proximidade com outros escritores.

Oito anos atrás ela organizou o primeiro de uma série semanal de shows de cabaré literário, "Happy Ending", em que escritores liam trechos de suas obras e então tinham que encarar um desafio sobre o palco. Poderia ser, como no caso de AM Homes, fazer "speed dating" com quatro pessoas da plateia, ou fumar um baseado inteiro sobre o palco, como foi o caso da contribuição insensata do autor israelense Etgar Keret.

Esse tipo de performance pode soar como a antítese da tendência natural dos escritores, mas Stern já programou mais de 200 Happy Endings sem jamais faltarem escritores dispostos a arriscar ser humilhados. Por acaso ou propositalmente, ela se tornou uma das tão importantes animadoras da rede de escritores em ambas as margens do East River.

"É uma tonelada de trabalho em troca de uma recompensa financeira minúscula, mas devo ser doente da cabeça porque adoro fazer isso, assim mesmo", ela comenta enquanto caminhamos para a feirinha de produtores em Fort Greene, no caminho esbarrando em vários dos amigos escritores dela.

"Na verdade, este é um ótimo lugar para se topar com escritores", ela comenta, enquanto escolhe um brócolis chinês. "Já esbarrei em Jhumpa Lahiri e Julie Orringer aqui."

"Houve momentos em que pensei que seria um pesadelo viver cercado por outros escritores", admite Keith Gessen quando nos encontramos no Dumbo, perto da sede da "n+1", a revista que ele lançou em 2004 com Harbach, Benjamin Kunkel, Mark Greif e Marco Roth. Desde então, todos os cinco já publicaram livros (o de Roth, um livro de memórias intitulado "The Scientists", vai sair neste outono), com graus de sucesso diversos, e ao mesmo tempo eles continuam a publicar seu periódico brigão e decididamente sincero.

Entre seus inimigos filosóficos estão Dave Eggers --acusado, ao lado de seus comparsas no "The Believer", periódico cultural rival da "n+1", de mergulhar numa orgia de infantilismo pós-moderno--, e o crítico James Wood, da "New Yorker".

Do outro lado estão Jonathan Franzen, Don DeLillo e Michel Houellebecq, escritores que Gessen descreve como "viajantes espirituais". "Uma coisa que temos dito e repetido é que sentimos que há uma cultura que olha para trás", explicou Gessen. "Nós também olhamos para trás, mas achamos que também é importante olhar para frente e para o lado."

Diferentemente de Gessen --filho de intelectuais russos que tinham prazer em ler juntos--, Harbach cresceu em Racine, no Wisconsin, o tipo de cidade industrial trabalhadora que não atribuía grande valor à vida intelectual. Embora fosse leitor voraz, havia poucas oportunidades de virar rato de biblioteca em Racine, e a atenção de Harback se deslocou para o beisebol e o basquete.

Quando estava no colégio, trabalhou como faxineiro numa fábrica metalúrgica. "Estudei em escolas católicas onde a mensalidade não era muito cara, mas havia mensalidade, então era esperado que quando eu chegasse à idade de trabalhar, que no Wisconsin é 14 anos, eu fosse trabalhar."

Em vez disso Harback acabou no Massachusetts, em Harvard, onde conheceu Gessen. Depois de se formarem, os dois mandavam seus textos um ao outro para receber feedback, criando um sistema de apoio mútuo que ajudou a levá-los para frente. Muitos escritores acabam chegando ao Brooklyn por razões semelhantes.

"O que é espantoso no Brooklyn é que realmente existe harmonia, com pessoas se ajudando", disse Julia Fierro certa sexta-feira. Estávamos no Café Pedlar, em Cobble Hill, e Fierro, que recebeu um MFA de redação criativo no prestigioso Workshop de Escritores do Iowa (de onde saíram 17 ganhadores do Pulitzer), estava explicando a gênese de seu tremendamente bem-sucedido Workshop de Escritores Sackett Street.

Em 2002 ela era professora adjunta na Universidade Hofstra, em Long Island, ganhando cerca de US$ 10 mil por ano. Seu primeiro romance, "Roseland", estava com um agente literário, no processo de ser enviado a uma editora após outra --e rejeitado por todas.

"Foi difícil", ela admitiu. "Eu tinha sido tão elogiada em Iowa que acho que eu esperava ser publicada." Desanimada, ela publicou um anúncio no Craig's List chamando estudantes para um workshop de redação em seu apartamento. Em alguns meses ela já estava fazendo o workshop mais noites por semana, na medida em que as classes aumentavam de tamanho.

Hoje o workshop é um negócio em tempo integral, com vários professores e sessões todas as noites em vários bairros do Brooklyn e de Manhattan. "Muitas pessoas me perguntam como comecei com isso, e eu respondo que não seria possível fazer em nenhum outro lugar senão o Brooklyn, porque aqui temos tantos escritores. Hoje é difícil encontrar alguém que queira ensinar em Manhattan, porque todo o mundo mora no Brooklyn."

Como tantos outros escritores, Fierro foi forçada pelas circunstâncias a procurar outras maneiras de ganhar dinheiro, mas sua persistência, como o cabaré literário de Stern ou como a criação da "n+1", ajudou a nutrir uma sociedade mais vibrante de escritores que se sentem fortalecidos, e não o contrário, por sua proximidade uns com os outros.

"O sucesso de uma pessoa não significa o fracasso de outra; logo, ter um grupo de escritores que divulgam uns aos outros é raro, mas positivo", comentou Stern, enquanto perambulávamos pela feira em Fort Green. "Não somos todos iguais, não estamos todos no mesmo lugar; essa é a chave para ter uma comunidade de escritores."

Hoje em dia não são apenas escritores que estão vindo para o Brooklyn. Às vezes parece que o centro de gravidade de Nova York está se deslocando inexoravelmente de Manhattan, do outro lado do rio, para o leste, onde há mais espaço e os preços são menos proibitivos. Em setembro, após anos de controvérsias e construção, o Brooklyn vai inaugurar um novo estádio, o Barclays Center, com um show de Jay-Z, proprietário parcial do time de basquete New Jersey Nets, cuja transferência para o Brooklyn --o time passará a ser chamado Brooklyn Nets-- representa o primeiro time de primeira divisão do "borough" em qualquer esporte desde 1957.

Uma área que por muito tempo foi vista como sinônimo de estagnação e descaso agora está vivendo um boom imobiliário que pode acabar forçando muitos escritores a ir para mais longe.

A transformação tem sido rápida. Gessen recorda que na festa de lançamento da "n+1", há apenas oito anos, a região era "deserta". "Eu me recordo de ter que buscar mais bebida e ver uma fila longa para o elevador, lá fora", ele contou. "Eu mal conseguia acreditar no interesse suscitado; desde o início ficou claro que havia muita gente realmente interessada."

Pergunto se ele já pensou em si mesmo em relação aos escritores que encontraram sua inspiração no Brooklyn --Joseph Heller, Norman Mailer, Paul Auster. "Não, nunca penso neles." Gessen fez uma pausa por um instante e reconsiderou. "Bem, Walt Whitman, é claro: ele se dirige aos escritores do futuro, dizendo alguma coisa como 'como vocês estão aqui agora, também eu estive'..." Ele franze o cenho, buscando em sua memória. "Não é exatamente isso, mas é bom", disse finalmente.

Tradução de CLARA ALLAIN.

 

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