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05/11/2012 - 16h03

O novo --e belo-- rosto da direita francesa

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ELIZABETH DAY
DO "OBSERVER"

Em uma de suas primeiras sessões como deputada na Assembleia Nacional francesa, Marion Maréchal-Le Pen foi interpelada por um deputado: "Ele me perguntou de quem eu era secretária", ela conta.

Em junho, Maréchal-Le Pen, 22, se tornou a mais jovem deputada na moderna história francesa, depois de vencer a eleição em seu distrito de Carpentras, em Vaucluse, sudeste da França, com 49,09% dos votos. No entanto a coisa mais desconcertante a respeito de sua vitória talvez não seja sua idade, mas a postura política da nova deputada:

Maréchal-Le Pen representa a Frente Nacional, e é a nova face da extrema direita francesa. Seu avô, Jean-Marie Le Pen, fundou o partido que ela agora representa, uma agremiação que desaprova a integração europeia e a globalização, e acredita em controles severos de imigração e em protecionismo nacional.

"A integração deixou de ser possível", diz Maréchal-Le Pen. "Quando você é o único francês no meio de dez tunisianos, a maioria imporá sua forma de vida à minoria".

Loira, esbelta e linda, Maréchal-Le Pen fala de modo fluente e envolvente. Em seu apertado gabinete na Assembleia Nacional, em Paris, ela nos recebeu de rabo de cavalo, e vestindo roupas elegantes porém discretas: uma blusa preta com zíperes detalhando os ombros, calças bege justas, botas de salto médio. Em um edifício ocupado principalmente por homens de ternos escuros, ela se destaca.

A verdade é que ela parece uma jovem de 22 anos --ainda que dotada de foco e ambição incomuns-- e talvez seja isso que torna difícil acreditar que defenda algumas das posições linha dura que são parte de sua herança pessoal e da plataforma de seu partido. Ela diz que está acostumada a ser subestimada.

"Acontece", diz, dando de ombros. "As pessoas dizem que sou um fantoche, um instrumento de meu avô, mas acho que logo percebem que falo por mim mesma, que tenho autonomia em minhas ações. Acho que todos logo percebem que sou capaz de me defender".

No entanto, por mais que ela tente se distanciar disso, a história sombria da Frente Nacional está sempre presente. Maréchal-Le Pen nasceu em 1989, dois anos depois que seu avô alegou em uma entrevista que as câmaras de gás nazistas eram "apenas um detalhe na Segunda Guerra Mundial", e seis meses antes que partidários da Frente Nacional fossem acusados de profanar um cemitério judaico em Carpentras, a cidade que ela mais tarde viria a representar no Legislativo.

Ela cresceu cercada por ideias políticas de extrema direita, em uma casa de tijolos vermelhos chamada Pavillon de l'Ecuyér em Saint-Cloud, um subúrbio a oeste de Paris, lar dos Le Pen há diversas gerações. Por trás da fileira de carvalhos e coníferas que protegem a casa de olhares curiosos, ela continua a abrigar toda a dinastia: Jean-Marie, 84, o veterano líder, comanda o domicílio e tem um escritório no térreo. Marine Le Pen, a mais jovem de suas três filhas e sua sucessora como líder do partido, a partir do ano passado, vive em um apartamento construído no piso superior de um antigo estábulo, na mesma propriedade.

Marion vive com a mãe, Yann, a segunda filha de Le Pen, no segundo piso da casa principal. Os pais divorciados de Maréchal-Le Pen são ambos militantes sérios da Frente Nacional; sua mãe organiza os comícios do partido e seu pai, Samuel Maréchal, no passado comandava o movimento jovem da agremiação.

É em parte como resultado dessa curiosa ordenação que muita gente acusa Maréchal-Le Pen de ser pouco mais que uma testa de ferro fotogênica para um partido que busca abandonar seu passado arruaceiro e conquistar mais credibilidade junto ao eleitorado convencional. Há quem questione se ela realmente acredita nas posições políticas que defende publicamente.

"Ela fala muito bem", diz Agnès Poirier, uma comentarista cultural francesa, "mas se parece um pouco com uma estudante de direito que tenha decorado sua dissertação".

E é verdade que sua presença no cenário político é parte de uma tentativa mais ampla de mudar a imagem do partido. Marine, a tia de Maréchal-Le Pen, teve papel importante na condução da imagem da Frente Nacional para a era moderna, abandonando a retórica racista, reafirmando o secularismo e insistindo em que a França deve cuidar de si mesma e abandonar o euro.

Em abril de 2011, Marine expulsou o vereador Alexandre Gabriac do partido depois que uma foto que o mostrava fazendo uma saudação nazista vazou para a imprensa. Quando Marine se candidatou à presidência, no começo do ano, ela eletrizou a disputa ao conquistar 17,9% dos eleitores no primeiro turno --mais de seis milhões de votos--, chegando em terceiro atrás de François Hollande e Nicolas Sarkozy.

Mas nem tudo vem correndo sem obstáculos: embora sua sobrinha tenha sido eleita para a Assembleia, Marine mesma foi derrotada por 118 votos em sua tentativa de eleição ao Legislativo, em junho.

ESPERANÇA

As esperanças do Partido no Legislativo agora estão depositadas em Maréchal-Le Pen, que é vista como uma jovem astuta e de boa imagem na mídia, capaz de mobilizar apoio amplo e revigorar o debate sobre a imigração. Mas existem aqueles que questionam sua dedicação, acreditando que ela seja pouco mais que uma porta-voz das ideia de seu avô.

De acordo com Matthew Fraser, professor da Universidade Americana em Paris, "o velho [Jean-Marie] está se afastando relutantemente --e a relutância é real: há rumores de que ele senta falta da atenção da mídia. Não se pode dizer que esteja aposentado. Por enquanto, sua neta é um símbolo jovem e atraente --mas provavelmente não tem poder real no sistema".

Perguntei a Maréchal-Le Pen se ela discute estratégia política com os familiares, na mansão da família, durante o jantar. "Não, de modo algum", ela responde. "Todos nós levamos nossas vidas separadas. Temos sorte por sermos uma família tão unida, com meu avô e meus primos em torno de nós. É uma benção. Acredito que porque sempre tivemos de enfrentar adversidades, vindas de fora, nos tornamos mais próximos em função disso, porque precisávamos nos unir para resistir a esses golpes".

Ela diz que começou a se interessar por política aos 16 anos, e que apoiou Sarkozy na eleição presidencial de 2007. Mas logo se desencantou com ele e, aos 19 anos, começou a ajudar nas campanhas da Frente Nacional e a trabalhar como voluntária na organização jovem do partido. Ela combina seu trabalho legislativo à pós-graduação em direito público, na Universidade Panthéon-Assas, uma instituição tradicional de direita.

Seu avô, ex-paraquedista do Exército que mais tarde se formou em direito, foi, em sua época o mais jovem deputado na Assembleia francesa, ao se eleger pela primeira vez aos 28 anos, em 1956. O avô tem orgulho em vê-la preservar as tradições da família?

"Creio que sim", responde Maréchal-Le Pen. "Espero que sim. Ele tem orgulho daqueles que buscam reencontrar seu legado pessoal, é passional quanto à França e está feliz pelo envolvimento dos jovens [o sucesso eleitoral de Marion se deve em parte à sua popularidade entre os jovens dos 18 aos 25 anos]. Não concordo com tudo que ele diz, mas concordo com o espírito essencial daquilo em que acredita, e ele tem orgulho disso. O que ele mais odeia é a inércia, pessoas que assistem em lugar de fazer".

Qual é a posição política de Maréchal-Le Pen, então? Ela menciona os pontos de sua plataforma, um a um, em ritmo acelerado --em dado momento, está falando tão rápido que seu assessor Arnaud, tem de pedir que ela desacelere porque francês não é meu idioma nativo.

"Mas que droga, estou falando !", ela diz, e prossegue no mesmo ritmo de metralhadora. Quanto à economia, ela quer que a França abandone o euro e volte a usar o franco. Quer regulamentação mais severa das instituições financeiras, depois da crise bancária, e impostos mais baixos para as empresas francesas a fim de reconquistar a confiança dos consumidores.

É veementemente oposta à União Europeia --uma posição que ecoa entre os eleitores republicanos franceses que acreditam que a integridade da nação esteja sob ameaça de parte do governo federal supranacional. E alega que a Frente Nacional adotou posições verdadeiramente "feministas" quanto à licença-maternidade, propondo uma norma sob a qual os pais e mães que prefiram ficar em casa para criar seus filhos recebam um salário-maternidade.

No entanto, quando pergunto se ela se considera feminista, a resposta é: "Não, não especialmente. Não sou obcecada pelos direitos da mulher, e sua defesa pode ser um tanto excessiva. Quero homens e mulheres postos em condição igual, mas acredito que homens e mulheres sejam diferentes. Creio que sejamos iguais, mas diferentes". Ela combate a discriminação positiva ou os sistemas de quotas, acreditando que as mulheres devam ser tratadas de acordo com seus méritos.

"E temos também, é claro, nossas políticas quanto à imigração", ela prossegue. "Mais e mais comunidades vêm solicitando a adoção de leis religiosas específicas a elas, e isso é uma ameaça ao Estado laico. É uma questão particularmente forte nas comunidades muçulmanas. Não todos os muçulmanos", ela se apressa a acrescentar.

"A maioria dos muçulmanos franceses não são fundamentalistas. O que surpreende é que a primeira geração de imigrantes tenha sido assimilada com tamanha facilidade. Eles não usavam véus em público. Mantinham sua religião na esfera privada. Agora, comunidades inteiramente formadas por imigrantes estão sendo criadas de forma separada --em função de políticas de passados governos."

CIDADANIA FRANCESA

Na França, onde a separação entre Igreja e Estado foi um dos fundamentos da revolução do século 18, a secularização é vista como preceito básico do pensamento progressista. Desde abril de 2011, as mulheres estão proibidas de usar burcas ou véus em público. Nesse contexto, os comentários de Maréchal-Le Pen não são especialmente controversos. Mas ela vai além, delineando um plano para privar os imigrantes de segunda geração de sua cidadania caso cometam crimes ou se recusem a aprender francês.

"Hoje, se alguém nasce na França automaticamente tem cidadania francesa mesmo que não se esforce para se integrar", diz. "Acreditamos que as pessoas francesas francês devam ter prioridade na habitação social e nas oportunidades de emprego, se demonstrarem igual competência".

Mas e quanto aos franceses "genuínos"? Eles também perderão a nacionalidade, caso cometam crimes?

"Não. Estamos falando de pessoas a quem fizemos um favor". Maréchal-Le Pen se inclina em minha direção, com os cotovelos apoiados sobre os joelhos, as pernas separadas. Ela fala olhando nos olhos do interlocutor, com um charme fácil que, nas circunstâncias certas, talvez tenha algo de hipnótico. "Nós concedemos alguns privilégios a eles, e se eles não se mostrarem dignos da cidadania francesa, não há nada de incorreto em revogá-los".

Isso tudo é expresso com uma tal fluência que o significado da declaração demora um pouco a se fazer claro: as leis, sob um governo da Frente Nacional, significariam uma coisa para os imigrantes e coisa completamente diferente para o que Maréchal-Le Pen define como a "verdadeira" raça francesa.

É uma postura racista? "Essa acusação foi usada muitas vezes por nossos oponentes para nos desacreditar. Não vejo em que priorizar os cidadãos franceses possa ser racista. Não estamos falando de branco ou negro. É normal que os franceses que pagam impostos sejam tratados com prioridade, da mesma forma que um argelino naturalizado tem prioridade [na habitação social e emprego]".

Ela ponta para o fato de que as pessoas da Martinica, por exemplo, não ficariam sujeitas às restrições de nacionalidade propostas, porque a ilha do Caribe é parte oficial do território francês, e cita alguns militantes da Frente Nacional que tem origens étnicas diversificadas, entre as quais Charlotte Soula, a chefe de gabinete de Marine Le Pen, de origem argelina (ela se converteu do islamismo ao catolicismo).

"O argumento do racismo é muito violento mas funciona cada vez menos", disse Maréchal-Le Pen. "Nas bases, as pessoas já não pensam assim sobre nós. Compreendem que é só uma tática política. A maior parte das pessoas acreditam que estejamos certos".

"É um debate que desperta emoções, é claro. É difícil falar a respeito por conta da dimensão humana, que afeta as pessoas. Não somos monstros. Sinto empatia. Meu avô sempre disse que não devemos nos zangar com os imigrantes, mas sim com a classe política que criou essa situação. Nada tenho contra pessoas que vieram para a França em busca de uma vida melhor. Se a França tivesse como acolher a todos, nós o faríamos. Mas não temos. Estamos endividados. Nosso sistema previdenciário está desabando em função dessa pressão. Temos um deficit colossal. É triste, mas precisamos ter a coragem política de dizer 'chega'. E é triste porque, ao dizermos 'não', o fazemos a um homem ou uma mulher. Mas não há como evitar esse aspecto".

A imigração, ela admite, "também fez bem" à França. O problema, em sua interpretação, é que as políticas de governos anteriores fracassaram, causando ressentimento àqueles que acreditam que seu país esteja sendo avassalado por "forasteiros". Ela acrescenta que existem mulheres muçulmanas, forçadas a usar a véus pela pressão de suas comunidades, que apoiam sua posição.

"Há mulheres que me dizem que não podem usar saia, ou que serão insultadas caso não usem o véu ou não vão à mesquita. Existe uma pressão dentro da comunidade, imposta por alguns. Essas pessoas mais e mais pedem que ajamos porque somos os únicos a considerar o Estado laico como fundamentalmente importante".

DESESPERO

A Frente Nacional está se tornando uma força política digna de atenção na França? A eleição de Maréchal-Le Pen em junho, em companhia de Gilbert Collard, outro integrante do partido, deu à agremiação sua primeira presença no Legislativo desde a metade dos anos 80, mas o sistema de voto distrital puro prejudica os partidos menores. Como resultado, a popularidade da Frente Nacional --especialmente nas áreas empobrecidas e pouco urbanizadas onde o desemprego é elevado-- pode ser bem maior do que os resultados eleitorais sugerem.

Como escreveu Hugh Schofield, correspondente da BBC em Paris, em um artigo publicado em abril passado, "nas regiões semiurbanizadas da França rural, as pessoas sentem o desespero de uma vida que será passada na pobreza, sem a compensação das tradições e estruturas que a tornaram suportável no passado".

"As lojas agora em geral se localizam fora das cidades; ninguém vai à igreja; as pessoas trabalham a 50 quilômetros de casa. E o custo dos dois produtos básicos --cigarros e gasolina-- disparou descontroladamente", ele afirmou.

"Para essas pessoas, votar na Frente Nacional oferece tanto um protesto (contra os ricos, contra a União Europeia, contra o sistema) quanto uma alegação de identidade e de direito a uma forma de vida tradicionalmente francesa", concluiu Schofield.

Nas áreas urbanas, também, há medo de imigração em massa --um medo intensificado pelos distúrbios de 2005, causados em sua maioria por jovens franceses de origem norte-africana moradores nos subúrbios de Paris e de outras grandes cidades. Os tumultos colocaram em destaque as tensões crônicas causadas pela imigração e desemprego, e os partidos mais convencionais começaram a adotar a retórica da Frente Nacional. Sarkozy, na época ministro do Interior, se referiu aos participantes dos distúrbios como "racaille", ou escória --termo que alguns consideram ter conotações implicitamente racistas.

"Sarkozy venceu em 2007 ao mudar sua posição para a direita e roubar votos da FN", explica Matthew Fraser. "Nesse sentido, [Jean-Marie] Le Pen esteve adiante de seu tempo --determinar se suas posições são ou não desprezíveis é uma questão moral, mas o certo é que são populares em termos eleitorais. E seus adversários compreendem o fato. Daí o paradoxo: eles fingem que a FN é inaceitável ideologicamente mas roubam o discurso e plataforma do partido para vencer eleições. É como usar a casa de alguém para dar uma festa, mas sem convidar o proprietário".

A França tem um longo histórico de movimentos de extrema direita, tradicionalmente aliados à Igreja Católica (até o antigo presidente François Mitterrand, socialista, esteve envolvido em movimentos conservadores e nacionalistas, na juventude), e as tentativas de Marine Le Pen de descontaminar a imagem da FN não deixam de ter sucesso. "Hoje, a realidade é que a extrema direita nos rejeita", ela alegou em entrevista a "The Nation", no ano passado. "A Frente Nacional evoluiu".

A despeito dos avanços conquistados nas províncias francesas, porém, o partido continua a ser visto com desaprovação entre as classes falastronas de Paris.

"Na França, é aceitável, e até moda, defender convicções políticas de extrema esquerda, mas absolutamente inaceitável pertencer à extrema direita", diz Fraser. "A explicação é principalmente histórica. A França tem de conviver com a vergonha de ter colaborado com o nazismo sob o regime de Vichy, e depois disso a extrema direita se viu marginalizada daqueles que são vistos como valores políticos aceitáveis na França".

E há aqueles que acautelam contra acreditar que um leopardo possa mudar suas manchas. Alain Jakubowicz, presidente da Licra, liga internacional de combate ao racismo e ao antissemitismo, expressa a posição da seguinte maneira: "Hoje, o partido é representado por uma jovem com uma aparência moderna e normal, mas a FN continua a mesma, com seu ADN xenófobo, racista e antissemita".

No gabinete de Maréchal-Le Pen, ela insiste em que a transformação da Frente Nacional não é apenas um exercício superficial de relações públicas.

"O partido evidentemente evoluiu", diz. "Os problemas não são mais os mesmos, e com isso aconteceu uma evolução natural... Quando a Frente Nacional surgiu, nos anos 70, foi diante de um pano de fundo de comunismo e guerra fria. A ameaça era real, e esse deixou de ser o caso. Agora, nossa principal causa é o combate à globalização".

Ela insiste em que encontrou apenas "reações positivas", nas ruas. "Até mesmo as pessoas que não compartilham de minha posição política dizem que não fazem parte da Frente Nacional mas que estão felizes por existirmos porque isso garante que exista debate".

Arnaud, seu assessor, a interrompe para ajudar, a essa altura, e a lembra de sua recente passagem por um restaurante da moda em Paris, onde foi espontaneamente aplaudida pelos presentes. Maréchal-Le Pen fica sem graça.

"O proprietário foi muito gentil, e me levou de mesa em mesa dizendo que 'hoje recebemos a senhorita Maréchal-Le Pen'", ela acrescenta, apressada. "Foi muito gentil".

Ela já recebeu correspondência hostil?

"UMA CARTA"

Arnaud interfere: "Mas se eu decidir mostrar todas aquelas que dizem como ela é maravilhosa, como é bonita, não há comparação", ele afirma, entusiástico.

Parece incrível que ela tenha recebido apenas uma carta hostil. Eu digo a ela que no Reino Unido, até jornalistas recebem mais mensagens hostis que isso em uma semana.

"As pessoas mais agressivas são os outros deputados", diz Maréchal-Le Pen. "Alguns deles foram muito agressivos, ainda que tenhamos sido eleitos democraticamente". Jean-François Copé, líder do partido UMP, de centro-direita, se recusou a apertar a mão dela, em algumas ocasiões. "Mesmo que ele se recuse a me cumprimentar, seus eleitores o fazem", ela rebate. Uma resposta digna de um político.

É compreensível que Maréchal-Le Pen seja vista como elegível. Em pessoa, ela tem modos envolventes e acessíveis. Há vislumbres de humor --quando discutimos o projeto de seu partido sobre as licenças-maternidade, surge uma menção à possibilidade de que ela tenha filhos. Ela quer formar família? Maréchal-Le Pen cai na risada. "Se eu encontrar um doador de esperma aceitável".

Ao mesmo tempo, seu carisma tem algo de perturbador, porque está sendo empregado em defesa de crenças bastante dúbias. Quando a entrevista se aproxima do fim, digo a ela que tenho uma pergunta final, de teor pessoal. Ela faz um aceno afirmativo, e me estimula a ir adiante.

Conto que sou casada com um homem cujo pai emigrou do Sudão para o Reino Unido. Se ele vivesse na França, sob um governo da Frente nacional, meu marido estaria naquela categoria de imigrantes de segunda geração que teriam de se provar merecedores de uma cidadania conferida a outros automaticamente. Tendo esse dado em conta, qual seria sua posição sobre casamentos entre pessoas de origens diferentes?

O ligeiro esgar que imagino ver em seu rosto talvez seja apenas resultado de minha expectativa quanto à sua reação. É um movimento muito ligeiro, a expressão de alguém que está mascarando sua surpresa.

"Não me oponho a isso", ela responde. "Para mim, o casamento é escolha muito pessoal. A única coisa que eu diria saber, pelo que pessoas me contaram em primeira mão, é que, lastimavelmente, os casamentos mistos podem resultar em conflitos quanto a questões cotidianas. Por exemplo, os nomes dos filhos --os muçulmanos precisam que seus filhos tenham nomes muçulmanos, e muitas vezes querem que suas mulheres se convertam ao islamismo. A outra coisa surpreendente é que muitas vezes, em um divórcio, os pais norte-africanos levam os filhos com eles de volta aos seus países, e as mães jamais os veem de novo. Isso causa problemas. Não julgo, mas isso causa conflito".

E no entanto, ela decerto julgou, fazendo diversas suposições abrangentes com base em muito pouco conhecimento factual sobre um determinado conjunto de circunstâncias pessoais. Talvez Maréchal-Le Pen esteja certa e a imigração precise ser discutida, e os legisladores hesitem em fazê-lo por medo de serem acusados de racismo. Algumas de suas opiniões causam uma impressão de plausibilidade. Não é difícil gostar dela. Mas o tom de sua última resposta sugere um conjunto mais perturbador de crenças em jogo, por sob a superfície: um aroma de algo podre no cerne de sua posição política e uma sensação de que o mundo é feito de pessoas que podem ser divididas facilmente em "nós" e "eles".

Tradução de PAULO MIGLIACCI.

 

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