Brasileiro trabalha 190 horas para comprar um smartphone

Somando 1.737 horas por ano, a jornada de trabalho do brasileiro é maior que a do japonês

A troca de celular costuma ocorrer a cada um ano e um mês para a média dos brasileiros
A troca de celular costuma ocorrer a cada um ano e um mês para a média dos brasileiros - Fololia/Folhapress
Rosane Queiroz
São Paulo

Quanto vale um novo celular em horas de trabalho? Parar por alguns minutos para fazer essa conta leva a refletir sobre o quanto a aquisição de um produto consome não apenas dinheiro, mas também recursos naturais, horas de dedicação e um tempo valioso da vida. 

O brasileiro trabalha, em média, 1.737 horas por ano –mais do que o japonês (1.729 horas), o canadense (1.703 horas) e o italiano (1.719 horas). A conta corresponde a 20% do tempo total de vida de uma pessoa em um ano –isso sem contar o tempo gasto no deslocamento entre casa e local de trabalho. 

A troca de celular, que costuma ocorrer a cada um ano e um mês para a média dos brasileiros, segundo levantamento feito por fabricante de celulares em 2015, é outro exemplo significativo. Para comprar um smartphone que custa R$ 1.500, são 193 horas –ou 25 dias e meio de trabalho. 

No caso da compra de um tênis que custa R$ 200, são necessárias 25 horas e 48 minutos de trabalho, ou seja, mais de três dias, tendo como base o rendimento médio mensal de um brasileiro, que corresponde a R$ 1.266, segundo o IBGE. A compra de um cosmético de R$ 20, como um creme hidratante ou um xampu, por sua vez, exige que um brasileiro de renda média trabalhe 2 horas e 15 minutos. 

"Portanto, vale refletir sobre o quanto cada compra representa em entrega de tempo em troca de um produto e o quanto somos induzidos pela publicidade para trocar um equipamento que muitas vezes ainda está em bom estado", diz Virgínia Antonioli, gerente de Conteúdo do Instituto Akatu, organização não-governamental que trabalha pela conscientização e pela mobilização da sociedade para o consumo consciente e a transição para estilos sustentáveis de vida. 

A questão não é deixar de consumir, mas consumir melhor. "Consumo consciente é o consumo de melhor impacto, de acordo com a sua renda e o significado da ação de compra no âmbito individual e coletivo", define Virgínia. 

O preço do desperdício

Quando uma compra é motivada por impulso, simboliza tempo e dinheiro jogado fora. De acordo com um levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), mais de um terço dos consumidores (33%) no Brasil compra sem necessidade, motivado por promoções.

Nas classes C, D e E, esse percentual sobe para 35%. Outra pesquisa do SPC, divulgada em 2015, revelou que mais da metade dos consumidores brasileiros (53%) admitem ter realizado pelo menos uma compra por impulso nos últimos três meses.

Aquele cacho de bananas esquecido na fruteira, por exemplo, quando estraga, representa R$ 5 ou 40 minutos de trabalho jogados no lixo –levando em conta um quilo da fruta. E mais: lá se vão todos os recursos naturais usados na produção, como a água consumida para cultivo. Afinal, são gastos 790 litros de água para produzir um quilo de banana, na estimativa da ONG Water Footprint.

Experiências válidas

É verdade que muitas pessoas não têm a opção de trabalhar menos horas por dia, caso decidam consumir menos. Nem por isso precisam usar o dinheiro para compensar as horas de trabalho com bens de que não necessitam de fato. Segundo Virgínia, há uma tendência mundial dos consumidores pela busca de experiências, mais do que de coisas. 

"Claro que um padrão mínimo de vida precisa ser atingido. Mas nota-se que o tempo livre vem sendo cada vez mais valorizado. Passar mais horas ao lado da família e dos amigos ou fazer uma viagem pode ser mais importante do que ter um novo smartphone", diz ela. 

Por isso, diante de uma vitrine, vale se perguntar: por que comprar? Preciso mesmo disso ou estou sendo seduzido por propaganda ou promoções? Além de considerar o impacto da produção daquele produto no ambiente e as horas trabalhadas para chamá-lo de seu, é importante refletir sobre o que de fato importa na vida de cada um. "A pergunta essencial é se o tempo dedicado ao trabalho usado para adquirir bens ou experiências refletem seus valores e o que você realmente necessita", finaliza Virgínia. 


Como o Akatu fez o cálculo

Dois números foram considerados como base para os cálculos de horas trabalhadas pelos brasileiros: segundo o escritório de St. Louis, do Federal Reserve (FED), o banco central americano, a média anual dos brasileiros foi de 1.711 horas de trabalho por ano, em 2014. Para a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), essa média foi de 1.763 horas por ano.

Fazendo uma média entre essas duas estimativas, chegamos a 1.737 horas trabalhadas ao ano, que corresponde a quase 20% do tempo da vida de uma pessoa em um ano. Se um brasileiro trabalha 1.737 horas por 11 meses (1 mês de férias), isso significa que trabalha 158 horas por mês.

Considerando o rendimento médio mensal dos brasileiros de R$ 1.226 (segundo o IBGE), o ganho por hora é de cerca de R$ 7,75 –valor que foi utilizado para fazer os cálculos da reportagem. Vale considerar que a apresentação desses cálculos tem apenas objetivos didáticos, visando ilustrar o quanto de horas de trabalho uma pessoa dedica para comprar um determinado produto.

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