Justiça decide se construtora paga multa a dono do imóvel por atrasar entrega

Empresas afirmam que custos adicionais serão repassados a futuro comprador

Obra parada no centro de São Paulo
Obra parada no centro de São Paulo - Joel Silva - 15.nov.2017/Folhapress
Anaïs Fernandes
São Paulo

O STJ (Supremo Tribunal de Justiça) vai decidir a partir de agosto se construtoras que atrasam a entrega das chaves além do período de carência podem acumular pagamento de indenização e multa ao comprador do imóvel que recorre à Justiça. Mais de 6.000 ações estão suspensas na corte aguardando a decisão vinculativa.

Compradores costumam entrar com ação solicitando indenização por lucro cessante e fixação de cláusula penal quando a entrega do imóvel avança sobre o prazo de tolerância estipulado em contrato —geralmente de 180 dias.

 

Advogados explicam que a indenização por lucro cessante pressupõe aquilo que o consumidor deixou de ganhar com a compra do imóvel pelo atraso na entrega do bem. Pode ser o simples fato de ele não usufruir o imóvel ou o aluguel que deixou de auferir com a sua locação. Nesses casos, a indenização devida pela construtora fica, em geral, entre 0,5% e 1% por mês sobre o valor do contrato, do término da carência à entrega das chaves.

Já as cláusulas penais englobam penas ou multas em caso de não cumprimento ou atraso da obrigação principal do acordo. 

A controvérsia jurídica está no entendimento se indenização por lucro cessante e cláusulas penais têm ou não a mesma natureza. Quando juízes entendem que ambas têm natureza compensatória (compensar a parte lesada pela quebra do contrato), a cumulação é negada. Se, no entanto, a percepção é de que a indenização é compensatória, mas a cláusula penal é moratória (uma penalidade pelo atraso), a cumulação é aceita.

"Já está pacificado que a pessoa que comprou imóvel e a entrega atrasou tem direito a indenização. O que o STJ está discutindo é se é possível, além da indenização, punir a empresa com uma multa", explica Otávio Alfieri Albrecht, sócio do escritório Palópoli & Albrecht.

Uma audiência pública em 27 de agosto foi convocada pelo ministro Luis Felipe Salomão para discutir o assunto. O rito dá início à sistemática de análise de recurso especial repetitivo. Segundo Salomão, a audiência poderá reunir elementos importantes para subsidiar o julgamento diante da "patente transcendência social, econômica e jurídica" do precedente que será fixado. 

Em um dos processos que servirão de base para a análise do STJ, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina considerou a cumulação indevida. O juiz afirmou que, não havendo previsão contratual, o cliente não poderia cobrar indenização por perdas e danos e cláusula penal "notadamente quando ambas as postulações têm idêntica natureza", a compensatória.

A jurisprudência do STJ, no entanto, varia. Em junho de 2016, por exemplo, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, da Terceira Turma, proferiu decisão favorável ao comprador, afirmando que "é possível cumular a cláusula penal decorrente da mora com indenização por lucros cessantes [...] pois aquela tem natureza moratória, enquanto esta tem natureza compensatória." 

Para Arnon Velmovitsky, advogado especializado em direito imobiliário, a multa é uma penalidade aplicada pelo descumprimento do contrato, enquanto o lucro cessante está relacionado ao prejuízo decorrente pelo seu descumprimento. "Multa não apura prejuízo, por isso a cumulação poderia ocorrer."

Albrecht tem um entendimento diferente. "Acredito que o STJ não vá admitir a cumulação, porque a natureza de ambas é de suprir, sanar e recompensar a lesão sofrida por quem comprou o imóvel", afirma. 

VICE-VERSA?

A corte vai decidir também se uma cláusula penal estipulada exclusivamente à inadimplência do consumidor pode ser revertida em desfavor à construtora, no caso de ela atrasar a entrega do imóvel. Segundo Paula Farias, advogada especializada em direito imobiliário, não é usual que esse tipo de multa à construtora venha prevista em contrato.

"Entendo que uma das características do contrato é que ele é bilateral, cria obrigação para ambas as partes e há de se ter um equilíbrio nessa relação jurídica", afirma Velmovitsky.

Neste caso, advogados apontam que a jurisprudência do STJ tende a ser mais favorável à possibilidade de inversão. Em decisão de 2012, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor em caso de mora ou inadimplento era abusiva.

"Tudo indica que o STJ deve ser favorável à inversão da cláusula penal. Já a questão do lucro cessante é uma incógnita. Temos que ter a ciência também de que a cumulação pode prejudicar demais a incorporadora. A crise que passamos acarretou em atraso na entrega e acumular esses valores pode prejudicar ainda mais o andamento da obra", diz Farias. 

CONSTRUTORAS

A Abrainc (associação das incorporadoras) defende que o parâmetro para reparação do consumidor pela não fruição temporária do imóvel durante o período de atraso seja o valor do aluguel. 

"Qualquer cumulação dessa reparação com lucros cessantes ou inversão de cláusula penal prevista para o consumidor (que tem bases e critérios distintos) resultaria em um pagamento em duplicidade ou em uma imposição de compensação desproporcionalmente elevada, o que, de um lado, compromete o equilíbrio econômico-financeiro das empresas do segmento e, por outro, fomenta um oportunismo indesejável dos compradores, que poderão auferir maiores vantagens com a rescisão do contrato do que teriam com a entrega do imóvel na data aprazada", afirmou a entidade em nota à Folha.

A Abrainc destaca que uma série de fatores externos que independem da vontade das construtoras pode gerar atrasos na entrega, como carência de mão de obra e de insumos. E diz ainda que a eventual pacificação pelo STJ de "compensação desproporcionalmente elevada" terá como consequência o repasse de parte desse custo adicional para os preços dos imóveis no futuro.

Após a audiência no fim de agosto, o ministro Luis Felipe Salomão vai redigir seus votos nos processos destacados para representarem as situações e levá-los para julgamento pelo órgão colegiado —neste caso, a Segunda Seção. Ainda não há data definida para o julgamento.

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