Justiça ameaça plano da JBS de mudar sede para o exterior

MPF pede que veto seja mantido até que companhia quite acordo de leniência

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Brasília

Os planos da JBS, maior companhia de carne bovina do mundo, de mudar sua sede para o exterior e abrir capital na Bolsa de Valores de Nova York ficarão congelados até 2040 caso a Justiça mantenha a decisão que impede a companhia de praticar qualquer ato prejudicial ao acordo de leniência assinado com o MPF (Ministério Público Federal).

Uma audiência que pode selar os planos da empresa está prevista para o fim do mês.

Em março, os procuradores foram à Justiça afirmando que a J&F, que controla todas as demais empresas do grupo, vem descumprindo os termos do acordo de leniência assinado com o MPF em junho de 2017.

Funcionários em frente a uma planta da JBS no estado do Colorado, nos Estados Unidos - Shannon Stapleton-14.abr.20/Reuters

A leniência é uma espécie de delação para empresas que confessam ilicitudes, pagam multas e se comprometem em ressarcir o erário por prejuízos causados por esquemas de corrupção e desvio de recursos.

O juiz responsável, Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal em Brasília, aceitou o pedido do MPF para que a empresa "não pratique qualquer ato que altere ou faça cair no vazio o objetivo da medida pretendida [pelo MPF]".

A decisão levou em consideração o risco, apontado pelo MPF, de que a JBS esvazie o acordo com a implementação do plano de internacionalização da sede. A decisão final, no entanto, ainda será tomada.

O projeto de reestruturação foi antecipado pela Folha e prevê a transferência da sede da JBS do Brasil para Luxemburgo ou Holanda, além do lançamento de novos papéis desta companhia em Nova York. A nova divisão reuniria todos os negócios internacionais da JBS.

Da forma como está organizada hoje, a companhia (com sede no Brasil) detém os negócios com carne bovina e controla a Seara e a JBS Global (braço que inclui a operação nos EUA, na Austrália, no Canadá e na Europa).

Esse processo é diferente de operações que empresas brasileiras normalmente fazem ao lançar ADRs (certificados de ações negociados nos EUA).

À Justiça os procuradores apresentaram diversas evidências dos riscos envolvidos nesse plano. Eles temem que o patrimônio da companhia no Brasil seja esvaziado e passe a ser insuficiente para cobrir os valores da leniência.

Em caso de rescisão do acordo por descumprimento, as parcelas previstas até 2040 vencerão antecipadamente. O valor total é de R$ 11,5 bilhões (corrigidos pela inflação).

Hoje, a força-tarefa da Greenfield, grupo de procuradores responsável pela leniência no MPF, já aponta infrações.

Uma das principais é o atraso na entrega dos relatórios de auditoria interna das maiores empresas do grupo, feitas para detectar possíveis novas ilegalidades nas operações.

Segundo os procuradores afirmaram à Justiça, as investigações estão concluídas e até hoje não foram apresentadas, uma exigência do acordo.

Pessoas com acesso às tratativas entre JBS e MPF afirmam que a empresa teme que a apresentação dos relatórios possa dificultar a situação dos executivos da empresa no âmbito penal.

Eles firmaram um acordo de delação com a PGR (Procuradoria-Geral da República), mas o então procurador-geral, Rodrigo Janot, pediu a rescisão do termo. O STF ainda julgará se mantém ou não os benefícios pactuados.

Caso decida pela rescisão, eventuais provas presentes nos relatórios de auditoria podem incriminar os executivos e suscitar a abertura de novas ações penais.

Outro problema, segundo a força-tarefa, é o fato de a empresa não ter feito investimentos sociais pactuados. Pelos termos acertados, dos R$ 11,5 bilhões, R$ 8 bilhões serão destinados a União, BNDES, fundos como Funcef e Petros e FGTS. Outros R$ 2,3 bilhões, para projetos sociais.

Além da J&F, o BNDES é o principal acionista da JBS, com 21,3% das ações com voto.

Em entrevista à Folha, em março, o presidente do banco, Gustavo Montezano, confirmou o projeto de cisão da empresa e a migração da sede para o exterior como pré-requisito para a abertura de capital na Bolsa de Nova York.

Montezano também afirmou que o BNDES não tem mais poder de veto em decisões sensíveis da companhia porque o acordo de acionistas venceu no fim do ano passado.

O acordo, válido por dez anos, previa uma única renovação, em 2014. Procurado, o BNDES não quis comentar.

Disse ainda que o banco acredita que essa estratégia vai valorizar os papéis e pode esperar a implementação desse plano para vender as ações hoje em posse da instituição.

Caso o plano seja implementado, quem tiver papéis da JBS poderá optar por trocá-los pelos novos títulos negociados nos Estados Unidos ou continuar com as ações (em reais) na B3.

As projeções da companhia indicam que as variações cambiais trarão mais ganhos para quem detiver os papéis negociados na moeda americana.

Em 2016, a JBS tentou levar a sede para a Irlanda e abrir capital nos EUA. Mas o BNDES vetou a operação.

Empresa nega que plano seja para blindar ativos

Em comunicado ao mercado no fim de 2019, a JBS nega esse plano. Afirma que a ideia é apenas listar a empresa na Bolsa de Valores de Nova York para que, em dólar, possa ter seu valor corrigido e os acionistas possam rentabilizar melhor o movimento.

Para isso, estuda a melhor forma de reestruturar a empresa para "permitir a ela condições de competição nos mesmos padrões que seus concorrentes internacionais".

"Com uma possível listagem, a companhia busca destravar valor a todos os seus acionistas e não uma blindagem de ativos", disse no comunicado.

"Em todas as hipóteses avaliadas o controle continuará sendo exercido por uma sociedade brasileira."

​A J&F não quis se manifestar sobre a ação que tramita na Justiça Federal.

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