Descrição de chapéu copom juros Selic

Com dívida maior, volta a cenário de inflação e juros altos penalizaria mais o país

Por ter a maior parte da dívida indexada à Selic, elevar a taxa básica significa aumentar custos para o governo

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Brasília

No ano passado, a dívida pública brasileira registrou crescimentos sucessivos mês a mês em razão do aumento de gastos para enfrentamento da pandemia de Covid-19. Com a elevação do endividamento do governo, o retorno a um cenário de escalada da inflação e juros altos penalizaria mais o país hoje do que no passado.

Desde o início da gestão do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes (Economia) vem afirmando que quebrou um dos pilares da dinâmica explosiva de gastos do governo ao implementar uma agenda de reformas. Para ele, as medidas do governo trouxeram credibilidade ao país, o que viabilizou a trajetória de queda da Selic e da inflação.

Com esse movimento, ele afirma que o governo poderá economizar até R$ 400 bilhões em gastos com juros da dívida neste mandato. Agora, no entanto, a trajetória se reverteu, com alta repentina da inflação, acompanhada de aumentos da Selic pelo BC (Banco Central).

Por ter a maior parte da dívida indexada à Selic, elevar a taxa básica significa aumentar custos para o governo. ​

Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto - Adriano Machado - 12.abr.2021/Reuters

A dívida bruta chegou a 89,4% do PIB (Produto Interno Bruto) em fevereiro deste ano e caiu nos dois meses seguintes, alcançando 86,7% do PIB em abril, quase 10 pontos percentuais acima do registrado em março de 2020, no início da crise sanitária. Em fevereiro de 2020, o endividamento estava em 75,2%.

Em termos nominais, a dívida, hoje em R$ 6,7 trilhões, cresceu R$ 907 bilhões no período.

Nesse contexto, segundo estimativas do BC, o aumento de 1 ponto percentual na Selic mantido por 12 meses elevaria a dívida em R$ 31,3 bilhões, o equivalente a 0,41 ponto percentual do PIB. Já uma alta na mesma magnitude na inflação acrescentaria R$ 12,4 bilhões ao montante, ou 0,16 ponto do PIB.

O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, alertou em diversos eventos dos quais participou no ano passado sobre o que chamou de “risco da dívida”. Para ele, voltar para um cenário de juros altos com a dívida no patamar atual custaria mais caro ao país.

Na apresentação do relatório de inflação, na semana passada, entretanto, Campos Neto justificou que a elevação de juros aumenta o custo da dívida no curto prazo, mas estabiliza a parte intermediária e longa.

“Quando se aumenta os juros obviamente você tem um aumento do custo da rolagem da dívida. Mas lembrando que a dívida não está toda na Selic, ela é dividida em vários prazos. Às vezes uma medida de aumento de juros com credibilidade [fiscal] eleva a parte curta, mas estabiliza a parte intermediária e longa. O Tesouro também emite títulos na parte intermediária e na longa, então temos que ver a combinação de um todo”, ressaltou.

Nos últimos meses, o Brasil viu o cenário econômico mudar rapidamente. Em pouco tempo, o país saiu de um ambiente de juros mais baixos da história e risco de deflação (quando os preços caem) para escalada de preços e sucessivas elevações da Selic. A dívida, contudo, permaneceu em patamares elevados, mesmo após quedas pontuais no seu nível em relação ao PIB.

Até março deste ano, a taxa básica estava em 2%, seu menor nível. Quando a Selic alcançou a marca, em agosto do ano passado, o mercado previa inflação de 1,63% para 2020. A projeção não se concretizou e os preços fecharam o ano com alta de 4,52%, com pressão especialmente de alimentos e combustíveis.

Neste ano, a crise hídrica elevou o custo da energia elétrica e, até maio, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulou alta de 8,06% em 12 meses e a expectativa do BC é que chegue a 5,8% em dezembro.

A mudança no cenário levou o Copom (Comitê de Política Monetária) a elevar a Selic na tentativa de conter a escalada de preços. Desde março, o BC subiu a taxa básica em 2,25 pontos, para os atuais 4,25%, e sinalizou nova alta em agosto, para 5%. Economistas estimam que os juros chegarão a 6,5% até o fim do ano.

Membros da equipe econômica evitam comentar publicamente sobre a atuação do BC, o que poderia soar como tentativa de interferência. Nos bastidores, a avaliação é que a alta da Selic vai impactar o custo da dívida, mas a ação da autoridade monetária é interpretada como positiva.

O raciocínio pressupõe que é mais importante analisar a perspectiva de longo prazo do que o retrato do momento. Nesse sentido, membros do governo argumentam que as expectativas do mercado, apesar de sobressalto recente, estão ancoradas e apontam para índices de inflação no centro da meta a longo prazo, o que indicaria confiança na atuação do BC.

Pesa sobre essa avaliação, afirmam, a autonomia formal da autoridade monetária, agora colocada em prática.

Nesse cenário, o governo trata a atual elevação dos juros como um choque que será revertido com o passar do tempo, o que permitirá novamente uma redução dos custos da dívida.

Na visão do economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, o ponto de preocupação está justamente nos próximos anos, e não em 2021. Ele explica que o principal fator a ser observado é o juro real da economia, que é a diferença entre a Selic e a taxa de inflação. Em geral, esse resultado pode ser entendido como o custo real da dívida do governo.

Em 2021, o economista espera que a média da Selic fique em nível mais baixo do que a inflação, resultando em uma taxa de juro real negativa. O mesmo ocorreu em 2020. Isso favorece o caixa do governo porque boa parte dos títulos da dívida acabam sendo remunerados a um índice menor do que a inflação.

A partir de 2022, porém, Schwartsman afirma que essa tendência será revertida, retomando a trajetória de elevação da dívida pública para os próximos anos.

“Esse fenômeno de taxas negativas é transitório. A grande verdade é que a gente vai ter uma relação de dívida sobre PIB mais baixa este ano, mas essa queda não se repete nos anos seguintes, porque não há nenhuma perspectiva de voltarmos a resultados primários positivos até 2025 ou 2026, a menos que façam algo muito mais duro de ajuste nas contas públicas”, afirmou.

O pesquisador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV, Matheus Rosa, explica que parte dessa redução esperada para a dívida pública em relação ao PIB ao longo desse ano vem do deflator calculado para a atividade econômica, que está em torno de 10%, acima do IPCA.

“Dessa forma, a inflação acaba impactando positivamente o dado”, destaca.

Além disso, outro ganho dentro das contas públicas seria o maior espaço fiscal, já que o teto de gastos é reajustado de acordo com a inflação. “As despesas acabam sendo reajustadas em índice inferior também”, pontua.

O economista pondera, no entanto, que a trajetória da dívida ainda é de crescimento. “Depois da redução da dívida em 2021, nossa projeção é que ela volte a crescer em 2022 e só se estabilize em 2025.”

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