PEC: entenda o que está por trás da proposta que quer destravar programas sociais

Texto cria estado de emergência para que governo possa ultrapassar o limite de teto de gastos em ano eleitoral

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São José do Rio Preto

A PEC (proposta de emenda à Constituição) 1, originalmente conhecida como PEC Kamikaze, prevê a liberação de gastos do governo federal e a criação de novos benefícios sociais em ano de votação para a Presidência. Para contornar a legislação eleitoral, o texto decreta um estado de emergência.

A proposta já foi aprovada no Senado e chegou a ser prevista para ir à votação na Câmara na semana passada, mas foi adiada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), temendo que o quórum abaixo impedisse a aprovação da proposta.

O texto-base da PEC foi aprovado em primeiro turno na Câmara nesta terça (12). A votação, no entanto, não foi concluída —Lira suspendeu a sessão alegando problemas técnicos. A análise dos destaques e a votação em segundo turno estão previstas para ocorrer nesta quarta (13).

O texto substitui a PEC dos Combustíveis (PEC 16), abandonada pelo governo federal.

A PEC Kamikaze e a PEC 16 são as mesmas?

Não. A PEC dos Combustíveis (PEC 16) deixou de ser votada pelo Senado Federal para dar lugar à chamada PEC Kamikaze (PEC 1). Enquanto a PEC 16 tinha o objetivo de criar subsídios para baixar o preço da gasolina, a PEC 1 tem a missão de destravar programas sociais e aumentar a concessão de benefícios em ano eleitoral.

De quem foi a proposta da PEC Kamikaze?

A PEC Kamikaze (PEC 1) é de autoria do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) e foi apresentada em fevereiro deste ano. O relator da proposta de emenda será o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que era o relator da PEC dos Combustíveis.

A PEC dos Combustíveis (PEC 16) foi proposta pelo líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ).

Por que a proposta foi chamada de Kamikaze?

A proposta de emenda é chamada de Kamikaze por colocar em risco as contas públicas. Ela já havia sido apresentada em fevereiro para tentar socorrer os profissionais impactados com a alta dos preços dos combustíveis. Ela passou a ser chamada de Kamikaze porque seu impacto, naquele momento, era estimado em mais de R$ 100 bilhões.

O que a proposta sugere?

A proposta de emenda pretende ampliar programas sociais, identificados pela campanha de Bolsonaro como fundamentais para recuperar a desvantagem nas pesquisas de intenção de voto para presidente, lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O principal objetivo é aumentar o benefício em R$ 200 até o fim deste ano, o que elevará o valor mínimo pago pelo programa a R$ 600 por família. Outra medida é zerar a fila do programa Auxílio Brasil. Para permitir a elevação de gastos em ano eleitoral, a estratégia será instituir, na própria emenda, um estado de emergência.

O reconhecimento do estado de emergência é necessário, do ponto de vista legal, para permitir a criação de um programa novo, que é o auxílio para os caminhoneiros autônomos. O programa pagará R$ 1.000 para os transportadores autônomos cadastrados na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) até 31 de maio.


MEDIDAS PROPOSTAS NA PEC

  • Ampliar o piso do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até o fim do ano; 18,15 milhões de famílias já estão hoje no programa
  • Zerar a fila de espera do Auxílio Brasil; governo prevê que pode elevar público contemplado a 19,8 milhões de famílias
  • Ampliar o Auxílio Gás a R$ 120, pagos a cada bimestre; em junho, 5,7 milhões de famílias receberam R$ 53, equivalente a 50% do preço médio do botijão de 13 kg
  • Criar um auxílio de R$ 1.000 para caminhoneiros autônomos
  • Autorizar repasse de R$ 2,5 bilhões para bancar gratuidade de idosos no transporte público urbano
  • Autorizar até R$ 3,8 bilhões em subsídios ao etanol
  • Criar um auxílio para taxistas, até o limite de R$ 2 bilhões
  • Autorizar um repasse extra de R$ 500 milhões para o programa Alimenta Brasil, que financia a aquisição de alimentos de agricultores familiares para doação a pessoas carentes

DECRETAÇÃO DE ESTADO DE EMERGÊNCIA

  • Possibilita o pagamento de novos benefícios, como o auxílio para caminhoneiros, mesmo em ano de eleição
  • Estado de emergência visa a proteger o governo em caso de questionamentos jurídicos por infração à legislação eleitoral.

Quanto ela deve custar?

A medida tinha impacto previsto de R$ 38,75 bilhões além do teto de gastos do governo. Durante a votação no Senado, porém, o valor chegou a R$ 41,25 bilhões.

Do que ela precisa para ser aprovada?

Para entrar em vigor, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos por três quintos dos parlamentares, tanto pelo Senado quanto pela Câmara dos Deputados. Isso significa ter o apoio de 49 dos 81 senadores e 308 dos 513 deputados. Após a aprovação, ela é promulgada automaticamente, sem necessidade de sanção presidencial.

Ela já foi aprovada em dois turnos pelo Senado em junho.

Qual a justificativa para estado de emergência?

O relator da matéria, o senador e ex-líder do governo Fernando Bezerra (MDB-PE), aponta a Guerra da Ucrânia e o impacto sobre os combustíveis para pedir o reconhecimento do estado de emergência.

O que muda com o estado de emergência?

O estado de emergência não é regulamentado na Constituição, mas é citado na lei eleitoral como uma situação extraordinária que permitiria a criação de novos benefícios sociais mesmo no ano de realização do pleito. Dentro do governo, ele é visto como um mecanismo semelhante ao orçamento de guerra de 2020, que abriu caminho aos gastos de combate à crise sanitária provocada pela Covid-19.

No Brasil, a lei eleitoral proíbe a implementação de novos benefícios no ano de realização das eleições, justamente para evitar o uso da máquina pública em favor de um dos candidatos. As únicas exceções são programas já em execução ou quando há calamidade pública ou estado de emergência.

No caso da PEC Kamikaze, o estado de emergência seria regulamentado pela própria proposta. Inicialmente, a proposta tinha um artigo para afastar todas as vedações ou restrições previstas na legislação, mas esse dispositivo foi retirado após reação contrária da oposição.

Como o governo vai conseguir fazer despesas além do teto?

O teto de gastos é uma regra fiscal criada em 2016 e prevista na Constituição. Ele limita o crescimento das despesas à variação da inflação no ano anterior. Por se tratar de um dispositivo constitucional, só uma PEC pode ser usada como instrumento para alterá-lo.

A proposta em discussão no Congresso prevê que as despesas extras com benefícios sociais em 2022 não serão contabilizadas no limite do teto de gastos, ficando também fora do alcance de outras regras fiscais que exigiriam, por exemplo, fontes de receita ou cortes de despesas para compensar a fatura extra.

Qual o problema de romper o teto de gastos?

Essa não é a primeira vez que o governo de Jair Bolsonaro (PL) altera o teto de gastos para ampliar suas despesas. Ao menos cinco emendas já foram aprovadas com mudanças na regra fiscal desde 2019, e outras tantas investidas ocorreram, embora malsucedidas.

A instabilidade naquela que é considerada a principal âncora de credibilidade das contas públicas é apontada por analistas como um dos principais fatores de incerteza em relação ao país, o que se traduz em maior volatilidade do câmbio e das taxas de juros no mercado financeiro.

Mesmo depois de conhecida a fatura extra, o país ainda convive com déficits, o que significa que a conta será bancada via emissão de novas dívidas.

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