Torres de segurança usam inteligência artificial para alertar crimes em SP

Para especialistas, setor deve crescer e, por isso, necessita de regulamentação sobre uso de imagens

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Torres de segurança da cor azul, com um sistema de câmeras capaz detectar de motos sobre calçadas a bicicletas na contramão, começaram a se espalhar por regiões nobres da capital paulista, como Higienópolis, Jardins e Faria Lima, formando uma espécie de rede privada de vigilância de áreas públicas.

Os equipamentos estão sendo instalados pela Cosecurity, startup ligada ao Grupo Haganá, e chamam a atenção por causa do padrão de cores e por serem fixados em frente aos prédios de forma ostensiva, no jardim frontal ou, quando não há recuo suficiente, na fachada do edifício.

As imagens captadas pelas câmeras são analisadas por um sistema de inteligência artificial, que as compara com dados do comportamento de determinada rua e dá alertas quando algo foge da normalidade.

Poste com várias câmeras na ponta, visto de baixo, ao lado de palmeiras e edifício.
Câmeras de segurança de startup da empresa Haganá, instaladas na região da Vila Nova Conceição - Karime Xavier/Folhapress

Quando o sistema emite um alerta, operadores analisam as imagens para verificar se há crimes ou situações de violação da segurança. Em caso de confirmação, a polícia é acionada ou as imagens armazenadas para serem repassadas à investigação posteriormente, segundo Luciano Caruso, co-fundador da empresa e diretor-geral da Haganá,

"Um carro na contramão é uma anomalia. Pode ser uma infração de trânsito, ou pode ser uma ação marginal que esteja acontecendo naquele momento. Uma moto em cima da calçada, bicicleta em cima da calçada. Pode ser simplesmente um menino passeando, indo para escola, ou pode ser aquilo que a gente tem visto de roubos ou furtos, em que o cara pega o celular e sai correndo."

Os alertas também disparam em situações como obras não programadas, pessoa caídas na calçada, aglomeração de gente em frente ao prédio, indícios de agressões físicas, entre outras, segundo a empresa. A rotina de alertas negativos e positivos vai "ensinando" a inteligência artificial.

De acordo com Caruso, a empresa já instalou 600 equipamentos na cidade, e a expectativa da empresa é dobrar esse número até o final do ano. Em parte, essa expansão do mercado é impulsionada pela sensação de insegurança da série de roubos praticados por falsos entregadores em motos e de furtos de celulares liderados por ciclistas, mencionados por ele.

Outro motivo é o preço da mensalidade, de R$ 249 a R$ 599, bem mais baixo que a contratação de seguranças, cujo salário médio em, São Paulo neste ano fica em torno de R$ 2.000.

Moça de óculos, no canto direito da imagem, observa quatro monitores onde se veem cenas  de ruas e calçadas
Funcionária analisa imagens em sala de monitoramento do grupo Haganá, em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

De acordo com Selma Migliori, presidente da Abese (Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança), o setor de segurança eletrônica faturou R$ 9,2 bilhões em 2021, crescimento de 14% em relação ao ano anterior. Só na cidade de São Paulo, são cerca de 2,4 milhões de câmeras

Segundo o coronel da reserva José Roberto Oliveira, ex-secretário de Segurança Urbana da capital, a tendência desse mercado é crescer cada vez mais, como ocorre fora do país.

"Essa é tendência. Se você vai para cidades chinesas, isso já acontece com muita frequência", afirma Oliveira, que criou o City Câmeras, sistema semelhante. De acordo com ele, a participação da iniciativa privada é necessária para bancar esse tipo de vigilância, entre outros motivos por causa do custo.

A prefeitura, relata o coronel, matinha apenas 75 câmeras de monitoramento a um custo de R$ 300 mil ao mês. "Sozinho, o governo não tem capacidade de manter sozinho. É muito caro. A taxa de quebra é relativamente grande. O que os governos precisam é se preparar para ter nuvens para armazenar isso tudo."

O governo paulista também anunciou em 2014 o Detecta, que incluía o uso de vídeos monitorados por um sistema analítico, capaz de avisar a polícia sobre ações suspeitas, como alguém entrando numa loja usando capacete. Essa especificidade do sistema, porém, acabou abandonada pelo estado por questões técnicas.

Apesar da maior eficiência do sistema, falta regulamentação sobre o uso das imagens coletadas, ressalta Oliveira. "Acho que é preciso criar um padrão, criar algum tipo de controle, que possa garantir tudo o que a LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais] coloca. Não existe uma LGPD para segurança ainda, mas é sempre importante ter isso em mente", disse.

O contrato firmado entre a Cosecurity e os clientes, segundo Caruso, autoriza o fornecimento das imagens para autoridades policiais. "Então, não precisa consultar o síndico do prédio, por exemplo, e o crime nem precisa ser naquele condomínio", diz ele.

A empresa repassa a polícia não apenas vídeos do local em que ocorreu o possível crime mas também do caminho percorrido pelo suspeito antes e depois do ato. A tecnologia permite, ainda, procurar informações nas placas de veículos, por exemplo, e por meio do reconhecimento facial de suspeitos envolvidos na ação.

Embora seja tecnicamente possível armazenar no no sistema imagens de criminosos que atuam na região, para comparar com os transeuntes de uma rua, isso não é feito justamente por respeito à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), de acordo com Caruso.

A falta de regulamentação do uso de informações nesse tipo de sistema preocupa também Daniel Edler, pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência).

"Precisa haver transparência desses dados. Eles dizem que não fazem, mas como a sociedade civil sabe que eles não fazem? Quem está verificando isso? No caso da polícia, eu posso usar a Lei de Acesso à Informação para verificar, ou um termo de cooperação. Mas, com uma empresa privada, eu não tenho como fazer isso", afirma.

Outra preocupação é com o espaço público.

Para a arquiteta urbanista Adriana Levisky, conselheira da AsBEA-SP (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura), a implantação de postes padronizados de segurança em frente a prédios de luxo de São Paulo é mais um exemplo das ações isoladas e egoístas das sociedades contemporâneas.

"Isso me agride tanto quanto uma série de outras questões extremamente agressivas no dia a dia da cidade. A gente vive uma cidade muito agressiva. Temos muitas referências de agressividade urbana. Promoção da individualidade, da falta de solidariedade, do descuido do espaço comum. É mais uma referência da realidade contemporânea, que as cidades contemporâneas vivem", disse.

Segundo Levisky, a cultura individualista desvaloriza o espaço coletivo. "Se ele fosse bem cuidado, certamente traria muito mais segurança para cidade.Em vez de ser um espaço de ninguém, seria um espaço de todos."

Procurada, a Prefeitura de São Paulo informou que os postes de segurança colocados na área particular do prédio não precisam de autorização. "A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal das Subprefeituras, informa que os postes nas imagens estão em área privada, portanto fora da alçada da gestão municipal", diz trecho da nota.

A padronização faz parte da estratégia de segurança, afirma Caruso: "Uma identidade visual única mostra que ali existe um projeto de segurança organizado pelos moradores daquela rua. É diferente de você passar por uma rua e ver várias câmeras nos prédios, mas não saber se elas estão funcionando, se estão gravando, e cada uma olhando para seu próprio perímetro e não para rua de fato", disse.

Já para colocar equipamentos ou postes "no passeio da calçada" é necessário a solicitação por meio da CPPU (Comissão de Proteção à Paisagem Urbana. "Posteriormente, com o deferimento do órgão, a solicitação será encaminhada para o Convias (Departamento de Controle e Cadastro de Infraestrutura Urbana). Após a outorga, o poste é instalado".

"A Secretaria aponta que, na maioria dos casos, não são necessárias instalações de postes, as câmeras podem ser colocadas, inclusive, em residências. Desde que seja comprovada que é para promover a segurança pública local."

A Secretaria de Estado da Segurança Pública, por sua vez, destacou pontos positivos do sistema Detecta que continua em operação mesmo sem a implantação do vídeo analítico, que fazia parte da ideia original e que ajudou a dar origem ao próprio nome do sistema.

"Essa ferramenta era uma das múltiplas funcionalidades do sistema e foi testada em diversos cenários. Entretanto, o sistema analítico não se mostrou eficiente nos testes realizados e, com a reestruturação do sistema, em 2016, essa funcionalidade deixou de ser utilizada. A decisão não impactou na eficiência do sistema, conforme demonstrado pelos números, e gerou economia de processamento e de recursos financeiros", finaliza a nota enviada pela pasta.


RAIO-X - Cosecurity

Fundação: 2020

Faturamento em 2021: R$ 2 milhões

Lucro em 2021: R$ 200 mil

Número de funcionários: 35

Principais concorrentes:Aster, Tocvoz, WL Alarmes

Haganá

Fundação: 1997

Faturamento em 2021: R$ 615 milhões

Lucro em 2021: Não divulgado

Número de funcionários: 11 mil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.