Mercado de comida para 'o fim do mundo' cresce nos EUA, com opções que duram 30 anos

Setor deve crescer 7% ao ano após boom na pandemia e foca de desastres naturais a defesa da liberdade

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Washington

Entre as prateleiras de qualquer hipermercado nos Estados Unidos, longe da seção de comida e mais próximo das estantes com produtos como cordas, canivetes e barracas, estão baldes de comida com um aviso: garantia de sabor por 30 anos.

O cardápio varia, de lasanha a ovo mexido e arroz com frango, e em comum a promessa de que vão durar por décadas na despensa. São comidas pré-prontas e em geral desidratadas, que requerem preparo mínimo —muitas vezes apenas misturar um pouco de água— e estão prontas para serem usadas em uma emergência.

Pouco conhecidos no Brasil, o mercado de alimentos para emergências cresce a cada ano nos Estados Unidos. Segundo a empresa de análise de mercados Technavio, o setor deve ter um aumento de 7% ao ano e chegar US$ 2,9 bilhões (R$ 15,026 bilhões) até 2026.

Kits de comidas para emergências da empresa americana Mountain House
Kits de comidas para emergências da empresa americana Mountain House - Mountain House/Divulgação

A maior parte do mercado global (31%) está na América do Norte, mas Índia, China, Reino Unido e Alemanha também ocupam fatias importantes do setor.

Os preços variam tanto quanto os formatos. Um balde com 24 porções de bife, arroz, frango e até leite com granola e frutas da Mountain House, uma das principais companhias do setor, com validade de 30 anos, sai a US$ 120 (R$ 621,79).

O kit de outra empresa, a Augason Farms, com alimentos como panquecas, massa, sopa e vegetais, que promete alimentar uma pessoa por 30 dias com 1.236 calorias diárias e 30 gramas de proteína, custa US$ 105 (R$ 544,06) em um grande mercado.

Há comida orgânica, sem lactose, sem glúten, vegetariana e vegana para os banquetes no fim do mundo.

Mas quem estoca alimento por 30 anos? O público-alvo varia, em geral, de acordo com a empresa. Há companhias que vendem os pacotes focados em situações de emergência e desastres, como uma chuva recorde que isola uma comunidade, como aconteceu no litoral de São Paulo, e impede o abastecimento de alimentos frescos.

Outras focam a prática de atividades físicas e ao ar livre e fornecem esse tipo de alimento em lojas de esporte, na seção de camping. E há até quem aposte na precaução em caso por exemplo de uma guerra civil, como a My Patriot Supply, outra grande empresa do setor, que diz em seu site que "não é só comida, é liberdade". "A melhor maneira de fazer isso [garantir a liberdade] é confiar em si próprio, não no governo ou em vizinhos, para as necessidades básicas da vida."

"Mas o cenário mais comum de consumo desses alimentos é surpreendente", diz John Ramey, criador do The Prepared, site que dá um passo a passo de como as pessoas podem começar a se preparar para emergências e desastres.

"Não é o apocalipse ou um desastre natural. São pessoas que perdem o emprego de maneira inesperada. Quando elas estão em situação de insegurança alimentar e em tempos de alta inflação, elas recorrem a esses alimentos que compraram há muito tempo atrás. É uma ferramenta poderosa que pode beneficiar qualquer um."

O The Prepared, que não dá dicas apenas de comida, mas ensina o básico de sobrevivência com técnicas de pesca, preparo físico, uso de rádios amadores ou como fazer curativos, entre outras, faz testes dos alimentos estocados há tempos.

No valor nutricional, diz Ramey, "claramente não é a mesma coisa que uma comida fresca, mas as análises têm melhores resultados do que os nutricionistas preveem."

Nick Offerman e Murray Bartlett no terceiro episódio de 'The Last of Us'
Nick Offerman e Murray Bartlett no terceiro episódio de 'The Last of Us', série da HBO sobre um fungo capaz de dizimar a humanidade. Na série, o personagem Bill é um sobrevivencialista que tem estoques de alimentos em casa - Liane Hentscher/HBO

A tecnologia varia, mas, em geral, os alimentos mais consumidos são submetidos a um processo chamado liofilização, em que a comida é congelada e, em seguida, desidratada, o que permite que dure anos.

Ramsey, que há duas décadas se prepara para viver em situação de calamidade, defende que a tecnologia desses alimentos não é nova e que há décadas de registros de que os alimentos são seguros. No Youtube e em redes sociais, é possível encontrar registros de pessoas abrindo e comendo alimentos estocados há décadas, sem sinal de podridão.

Há todo um setor de blogs e canais na internet formados por pessoas que se definem como "preppers", ou "preparadores".

O que pode parecer uma coisa de pessoas temerosas de um apocalipse nuclear em seus bunkers é mais comum do que se imagina, e há páginas como a "Lefty Prepper Mom" (mãe esquerdista preparadora), em que uma moradora de uma região de terremotos na Costa Oeste dá discas de como as famílias devem se proteger em cenários de catástrofes.

O próprio governo americano tem guias de como agir em caso de desastres, o que incluir pensar na alimentação. Embora não indique marcas específicas, a lista do governo inclui enlatados de carne, frutas e vegetais prontos para comer, barras de proteínas e frutas, cereais ou granola, pasta de amendoim, frutas secas, sucos em caixa, leite não perecível e até comida para situações de estresse.

Análise do mercado dos produtos para "preparadores" da empresa Finder apontou que o número de pessoas se preparando para sobreviver ao fim do mundo mais que dobrou nos EUA no começo da pandemia, entre 2020 e 2021.

Segundo a pesquisa, 25% dos adultos americanos fizeram estoques para se preparar para a Covid-19, mas 9,4% citaram eventos políticos como motivo para se preparar, e 5,4%, desastres naturais. Essas pessoas gastaram em média US$ 258 (R$ 1.336,85) em alimentos e água para emergência.

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