Governo Lula quer descontar da meta fiscal até R$ 5 bi do novo PAC

Manobra já foi feita no passado para facilitar cumprimento da meta e é alvo de críticas de especialistas

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Brasília

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propôs ao Congresso Nacional uma mudança legal para poder descontar da meta fiscal até R$ 5 bilhões em despesas de estatais federais referentes ao novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

A sugestão foi encaminhada por meio de uma mensagem modificativa —isto é, uma alteração feita pelo governo na proposta enviada anteriormente por ele mesmo— ao PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024.

O novo texto enviado diz que o valor poderá ser abatido da meta de déficit do Programa de Dispêndios Globais, que reúne as empresas federais que não dependem de recursos da União para cobrir despesas rotineiras (como pagamento de pessoal). O conceito abrange estatais como Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Correios, Infraero e Emgepron.

O ministro da Fazenda Fernando Haddad em coletiva de imprensa - Gabriela Biló - 31.jul.2023/Folhapress

A mudança ajuda o governo porque qualquer saldo melhor que o esperado no resultado das estatais pode compensar um resultado do governo central pior do que a meta, graças a outro trecho já presente no PLDO. A meta específica para o conjunto das estatais é de déficit de até R$ 7,3 bilhões.

"Poderá haver, durante a execução [...], compensação entre as metas estabelecidas para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social e para o Programa de Dispêndios Globais", diz o PLDO.

O projeto original já excluía do cálculo das estatais as despesas de empresas do grupo Petrobras e da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional). Agora, o governo abre a brecha para outras exceções.

Na prática, a medida reduz parcialmente as dificuldades do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de zerar o déficit primário no ano que vem.

O governo afirmou que a mudança foi feita pela necessidade de "flexibilidade na execução desses investimentos" e diante de "sua importância para o desenvolvimento econômico e social do País".

O novo PAC deve ser lançado por Lula na próxima sexta-feira (11). A previsão do governo é que o programa reúna R$ 60 bilhões em investimentos por ano.

A mensagem modificativa com as alterações é assinada pelo presidente Lula e pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e foi enviada na noite desta segunda-feira (7) ao Legislativo. Seu conteúdo deve ser analisado pelo relator, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE).

A LDO é o documento que norteia a elaboração da proposta de Orçamento. A peça para 2024 será enviada até 31 de agosto.

Para cumprir a meta de zerar o déficit, o governo calcula precisar lançar mão de medidas para elevar a arrecadação em cerca de R$ 130 bilhões no ano que vem. Economistas e membros do Congresso têm apontado as dificuldades para aprovar todo esse pacote.

Críticas

O expediente de descontar despesas das metas de resultado primário já foi usado em gestões anteriores do PT, sob fortes críticas de especialistas, que viam no instrumento uma espécie de "contabilidade criativa" para alcançar resultados positivos nas contas.

Ainda no segundo mandato de Lula, a LDO de 2008 previa uma meta de superávit primário de 3,8% do PIB (Produto Interno Bruto) para o setor público consolidado (que inclui também estados e municípios), mas com possibilidade de abater da meta até R$ 13,825 bilhões (em valores históricos) do então Projeto Piloto de Investimentos Públicos —embrião do PAC.

Nos anos seguintes, o valor de desconto foi gradativamente ampliado. Na LDO de 2009, o governo tinha autorização para descontar até R$ 28,5 bilhões do programa de investimentos, já batizado de PAC na ocasião.

No governo Dilma Rousseff (PT), o expediente foi mantido seguindo a mesma lógica, até que uma mudança na LDO de 2014 aboliu o valor limite, passando a permitir o abatimento de todas as despesas do PAC da meta fiscal.

Técnicos que acompanham de perto as contas públicas viram a mudança proposta pelo governo atual com espanto, uma vez que a chamada "contabilidade criativa" que ajudou a dilapidar a credibilidade fiscal do governo Dilma começou com manobras que desmoralizaram a meta de resultado primário.

Com base nesse histórico, o relator do novo arcabouço fiscal na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA), incluiu um dispositivo que proíbe a LDO de excluir "quaisquer despesas primárias da apuração da meta de resultado primário dos orçamentos fiscal e da seguridade social". No Senado, o trecho passou a impedir descontos na meta do governo central (que inclui Tesouro Nacional, INSS e Banco Central). O texto não cita, porém, a meta das estatais federais —foco da mudança proposta pelo governo.

O economista Marcos Mendes, ex-chefe da Assessoria Especial do Ministério da Fazenda e colunista da Folha, ressalta que a LDO já costuma ter um "vaso comunicante" que permite a compensação entre as metas do orçamento fiscal e da seguridade social (que reúne os gastos do governo) e o resultado das estatais.

"Se eles [o governo] estão com medo de não conseguir fazer o resultado do orçamento fiscal e da seguridade social, eles abrem um espaço maior no orçamento das estatais e aí compensam. Posso estar enganado, pode ter alguma necessidade técnica. Mas parece que abriram espaço para fazer R$ 5 bilhões a mais de déficit", avalia.

Mendes critica o que ele vê como falta de disposição do governo de controlar a despesa e centrar esforços na elevação da arrecadação para zerar o déficit. "Uma vez que se começa a vislumbrar dificuldade para cumprir a meta que ele próprio estipulou, aí começam a surgir mecanismos criativos, e esse parece ser tipicamente um", afirma.

Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e sócio-fundador da Oriz Partners, afirma que o arcabouço já tem diferentes exceções para as regras fiscais e que a mudança no PLDO se soma a elas.

"O que se pode dizer nesse caso é que é uma exceção de R$ 5 bilhões. Agora, mais uma exceção? Daqui a pouco vem outro tema de R$ 3 bilhões, R$ 5 bilhões, R$ 10 bilhões", diz. "O discurso [de comprometimento com o controle da dívida] é um, mas a prática é outra", diz.

Para o economista-chefe da corretora Warren Rena, Felipe Salto, a mudança é negativa. Por outro lado, ele afirma que a estratégia não se assemelha a manobras fiscais de governos anteriores.

"Avaliamos negativamente essa mudança, considerando-se a importância de se manter a confiança dos agentes econômicos na sustentabilidade fiscal. Mas destacamos que há uma distância significativa entre isso e a prática conhecida como contabilidade criativa, com abatimentos diretos e crescentes na meta do governo central", afirma.

O novo PAC deve ser lançado na próxima sexta, mas o governo Lula já começou, na manhã desta terça-feira (8), a apresentar suas diretrizes para a cúpula do Congresso Nacional e as principais lideranças parlamentares. Interlocutores afirmam que um dos objetivos é privilegiar o Legislativo, ao mesmo tempo em que se busca acertar a votação do novo arcabouço fiscal ainda nesta semana.

Pela manhã, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) participaram de um café da manhã com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Também estavam no encontro a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

Na sequência, eles foram à Residência Oficial da Câmara para se encontrar com o presidente Arthur Lira (PP-AL). Também estão previstas reuniões no Planalto, na parte da tarde, com líderes da Câmara e do Senado.

Saída para evitar corte em investimentos

O governo também incluiu na mensagem modificativa um artigo que busca evitar um corte nas despesas do PAC no momento do envio da proposta de Orçamento, em 31 de agosto.

O dispositivo autoriza o Ministério do Planejamento a incluir na peça orçamentária despesas condicionadas à aprovação de um crédito suplementar no ano que vem, em valor equivalente ao efeito da inflação maior esperada até o fim deste ano. Estimativas apontam que o valor envolvido está entre R$ 32 bilhões e R$ 34 bilhões.

O impasse foi criado após a Câmara alterar o texto do arcabouço fiscal, aplicando um período diferente de inflação para corrigir o limite anual de despesas federais.

O governo planejava usar a inflação de janeiro a dezembro, estimada hoje em 4,85% pelo governo, mas os parlamentares mudaram a proposta para 12 meses terminados em junho (que fechou em 3,16%). O percentual mais baixo deixa menos espaço para gastos.

O impasse despertou o temor de se repetir a repercussão negativa experimentada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) no envio do projeto de Orçamento de 2023, cheio de cortes espalhados por diversos programas sociais.

A ministra Simone Tebet chegou a articular a inclusão de um dispositivo no projeto de lei do arcabouço para permitir o envio do Orçamento com despesas condicionadas a um aval futuro do Congresso a um crédito equivalente à diferença da inflação. No entanto, como o texto ainda não recebeu o aval final da Câmara dos Deputados, o governo avaliou que precisava de uma espécie de plano B.

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